Só depois de ser reduzido a menos de 10% de sua área original, o bioma da Mata Atlântica começou a ser objeto de lutas de preservação e proteção legal no Brasil. No Sul do país, o bioma Mata Atlântica inclui as formações campestres do planalto gaúcho e catarinense, também conhecidos como Campos de Cima da Serra, que ocupam cerca de 1,3 milhão de hectares nos dois estados.
Os impactos recentes sobre a biodiversidade dos campos sulinos foi tema da Terça Ecológica, que o Núcleo dos Ecojornalistas do Rio Grande do Sul promoveu no dia 1º de setembro em Porto Alegre, tendo como palestrantes as doutoras Georgina Buckup e Ilsi Boldrini.
Elas integram um grupo de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que desde 1998 iniciaram pesquisas sobre a biodiversidade da região, chamada no passado de Antártida Gaúcha pela sua natureza quase intocada e pela sua extrema beleza intrínseca. A paisagem composta de um mosaico de grandes extensões de campos entremeados por “tufos“ de florestas de araucárias (pinheiro brasileiro) e contornados por nascentes e rios de águas cristalinas revela também uma biodiversidade ímpar.
Segundo o estudo dos pesquisadores, pelo menos 1161 espécies vegetais e 107 espécies endêmicas de animais e plantas foram identificadas nos campos sulinos, parte delas já ameaçadas de extinção. Exemplo disto é o lagarto pintado que só existe na região de Vacaria (RS), onde o avanço do monocultivo de pinus está acabando com seu habitat natural.
A ameaça sobre a biodiversidade não vem só do pinus. Monocultivos de frutíferas, como as macieiras, e de lavouras, como batata, cenoura e cebola, características de uso intensivo de agrotóxicos, ocupam grandes extensões e estão em crescimento vertiginoso, comprometendo a paisagem, a cultura e os manaciais hídricos. A região abriga a maior parte das nascentes do estado gaúcho que compõem importantes bacias hidrográficas, como Uruguai, Taquari-Antas, Caí e Maquiné. A prática do uso do fogo como manejo dos campos para a pecuária também é apontada como agressiva à biodiversidade.
A ameaça das águas e das cidades
A região se depara ainda com um novo inimigo: a profusão de projetos de usinas hidrelétricas de pequeno e médio portes que literalmente podem submergir a biodiversidade local. Uma delas está projetada para o Cachoeirão dos Rodrigues, em São José dos Ausentes. Outra para a Cachoeira da Mulada, em Caxias do Sul. Os dois locais são atrativos turísticos consolidados, geradores, direta ou indiretamente, de empregos e renda das respectivas populações.
Estes e outros projetos são explorados por iniciativas privadas e a energia gerada é “exportada” para outros estados já que a demanda local está suprida. As administrações públicas fazem campanhas favoráveis nas insípidas audiências públicas porque acabam detentoras de parte dos royalties. A falta de rigor na análise e fiscalização ambiental por parte dos órgãos governamentais gera episódios como o da Usina de Barra Grande, onde mais de 7 mil hectares de mata nativa foram “esquecidos” de constar no EIA-RIMA e acabaram submergindo.
A vizinhança com pelo menos um grande aglomerado urbano também desfavorece. A próspera Caxias do Sul viu nos campos uma oportunidade para varrer para baixo do “tapete verde” os resíduos domésticos diários de seus 410 mil habitantes. O projeto do novo aterro sanitário já foi aprovado. Com perfil altamente industrial, a cidade também gera projetos para instalar nos campos aterros de resíduos tóxicos industriais classe 1 e distritos industriais. Tudo permeado pela mais alta tecnologia de aterros e distritos existente nos tempos atuais mas que, logicamente, não pode prever ou contabilizar em seus estudos as variações advindas da iminente mudança climática. Episódios de ciclones extra-tropicais já surpreenderam e provocaram catátrofes em municípios da região – Muitos Capões, São Francisco de Paula e Bom Jesus - nos últimos anos.
O esforço pela preservação
”Preservar o campo é igual a preservar os recursos hídricos. Atualmente o Rio Grande do Sul – incluindo o bioma Pampa localizado no sul do estado - conta com apenas 49% de sua cobertura original de campo, informa a professora Ilsi Boldrini. “Nos Campos de Cima da Serra, dos 2,1 milhões de hectares de florestas, mais da metade é de pinus”, alerta.
Para a pesquisadora Georgina Buckup, estudar e preservar a biodiversidade é fundamental. “Sem conhecer não se pode saber o que se está perdendo em termos de equilíbrio ambiental e da própria sobrevivência das espécies, incluindo a humana”, afirma.
Em 2008 elas lançaram o livro Biodiversidade dos Campos de Cima da Serra com um caderno de atividades práticas e treinaram mais de 300 professores da região para trabalhar o tema junto a 62 mil alunos. Em agosto passado, o Ministério do Meio Ambiente publicou o livro Biodiversidade dos Campos do Planalto das Araucárias, coordenado por Ilsi Boldrini. O primeiro está esgotado e este último pode ser requerido junto ao MMA (cid@mma.gov.br).
(Por Vera Damian, EcoAgência, 03/09/2009)