Os projetos de lei propostos pelo governo para exploração do pré-sal deverão enfrentar alegações de inconstitucionalidade. O ponto mais polêmico, segundo especialistas ouvidos pelo Valor, está no privilégio concedido pelo texto à Petrobras. Segundo o projeto de lei principal, a companhia vai operar todos os blocos do novo modelo e poderá assinar contratos de partilha de produção diretamente com a União, sem necessidade de licitação. De forma semelhante, um outro projeto de lei com texto menor (o da capitalização da estatal), que autoriza a União a ceder à Petrobras, sem licitação, o direito de pesquisa e lavra do petróleo do pré-sal também é apontado como inconstitucional.
Para o advogado Lauro Celidônio, sócio do Mattos Filhos Advogados, essa deverá ser a grande discussão na aprovação do projeto de lei. "Trata-se de uma discricionariedade muito grande permitir à Petrobras avaliar as áreas estratégicas e assinar contratos diretamente com a União, sem licitação", argumenta. Ele defende que isso é inconstitucional por afetar a livre iniciativa e a livre concorrência.
A definição da companhia como única operadora também levanta argumentos semelhantes. "Ao determinar que a Petrobras, sociedade de economia mista, seja operadora de todos os blocos da área do pré-sal, seja isoladamente, sem licitação, ou por meio de participação em licitação para aumento do percentual de participação, a União estará privilegiando os acionistas privados e violando o princípio constitucional da livre concorrência e da isonomia", diz a ex-procuradora da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Sonia Agel, atualmente sócia do Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira & Agel Advogados.
Marilda Rosado, sócia do Doria, Jacobina, Rosado e Gondinho Advogados, acredita que o direito da Petrobras como operador único já seria questionável. "Adicionalmente há ainda a participação mínima de 30% da empresa no consórcio", diz. Para ela, a licitação é indispensável. "Não podemos nos esquecer que a Petrobras é uma sociedade de economia mista com regime jurídico de empresa privada."
De uma forma semelhante, diz Sonia, a cessão das atividades de pesquisa e lavra do óleo do pré-sal também tem indícios de inconstitucionalidade. A cessão prevista no projeto de lei do governo é onerosa. Pelo texto, a cessão é limitada ao volume máximo de 5 bilhões de barris de petróleo e a Petrobras deverá pagar pelo direito com títulos da dívida pública federal. "Essas atividades são monopólio da União. A Constituição permite que ela contrate empresas privadas ou estatais para isso, mas não possibilita a cessão, onerosa ou não." Além disso, complementa ela, os princípios básicos da administração pública federal estabelecem que toda contratação deve ser precedida por licitação.
Os juristas ressaltam também outros pontos que podem causar conflitos. Sonia chama atenção para o que considera um intervencionismo da União, por meio da Petro-sal, a nova estatal que deverá cuidar dos interesses do governo federal nos contratos de partilha de produção.
Pelo texto, diz Sonia, a Petro-sal terá participação obrigatória nos comitês operacionais, com direito a voto e veto. Para a advogada, a medida constitui um velado retorno ao monopólio e pode afugentar empresas privadas, nacionais ou estrangeiras. Ela lembra que nos atuais contratos de concessão, não há participação de representantes do governo nos comitês operacionais, que discutem e decidem questões de exploração e produção dentro do consórcio. Para ela, não é necessário ter um membro da Petro-sal nos comitês, bastando a fiscalização de um órgão regulador.
"Essas funções do comitê são extremamente técnicas e não sabemos se a Petro-sal terá estrutura para isso", acredita. Ao mesmo, aponta, ela crê que houve esvaziamento da ANP. "A Petro-sal deverá ser a gestora de contratos de partilha de produção. Para isso é necessário expertise e a ANP encontra-se capacitada para isso."
Outra questão polêmica deverá ficar por conta da unitização dos campos, lembra Celidônio. Ele explica que hoje existem as áreas do pré-sal já licitadas no regime atual, de concessão. Para os novos campos, que entrarão no modelo da partilha de produção, deve acontecer a unitização, processo pelo qual serão estabelecidos critérios de exploração e produção no caso do petróleo se estender além do limite de um só bloco, alcançando dois ou mais blocos.
Para Marilda, essa questão pode tornar-se mais delicada ainda em função do privilégio que o projeto de lei dá para a Petrobras. "O texto diz que a ANP poderá contratar a Petrobras para avaliar as jazidas e determinar os critérios de unitização. Isso pode causar conflitos de interesse", completa Lauro Celidônio.
(Por Marta Watanabe, Valor Econômico, 03/09/2009)