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2009-09-03

A mídia volta a colocar em pauta um dos assuntos mais discutidos em termos de geração de energia na região amazônica: o Complexo do Rio Madeira. De um modo geral, os projetos de barragem, à revelia da população local, não contemplam os aspectos sociais e muito menos os ambientais previstos. Exemplo disso é o Complexo do Rio Madeira. Após a entrega do Estudo de Impacto Ambiental EIA ao IBAMA, foi convocada uma equipe técnica composta por oito analistas ambientais deste órgão, entre eles, engenheiros civis, biólogos e historiadora, que apresentaram o Parecer Técnico nº014/2007.

Este Parecer condenava o Complexo caso não fossem atendidas as diretrizes propostas para revisão quanto à : ictiofauna, existência de mercúrio no leito do rio, volume de sedimentos etc.. O próprio IBAMA não fez qualquer alusão ao Parecer e desconsiderou-o.

Pela equipe foi atestado a falta de um Plano de Mitigação que tratasse os eventuais problemas na implantação do empreendimento confirmando o que poderia acontecer como fatos já acontecidos e que serviriam de referência aos estudos de anterioridade nas construções de barragens na região. As experiências com Balbina e Tucuruí não são lá tão “auspiciosas” , e nem devem ser replicadas.

A primeira porque alagou uma enorme área plana de 2.360 quilômetros quadrados para gerar 250 MW. Soma-se a este o fato de não ter sido feito o destocamento de todas as árvores existentes no local. Conclusão: tornou-se uma área de emissão de gases estufa, dióxido de carbono- CO2 e metano CH4 , gratuita para os idealizadores e a serem pagas pelas sociedades que a ela subsistirá.

Como se não bastasse, as barragens não contemplam as populações tradicionais. A compensação pela desmobilização das comunidades, subtração de recursos naturais os quais se constituem em fonte de renda para os ribeirinhos, pescadores, agricultores familiares, não atende à qualidade de vida anteriormente desfrutada. Tucuruí representa a ausência do Estado quando se trata de Soberania Nacional. Na realidade, a barragem foi construída para fabricar lingotes de ferro gusa para serem exportados para o Japão.

Se, por acaso, é uma questão de Soberania Nacional, onde ficou ou está a contrapartida para a população local, se nossos recursos usados na fabricação de produtos para exportação dispensaram a responsabilidade sócio-ambiental para com o povo brasileiro? Não é dizer que só hoje os projetos se preocupam com o meio ambiente. Em todas as épocas sempre foi um pré-requisito de qualquer tomador de decisão a qualidade intrínseca do famoso “bom senso“. A biodiversidade é insubstituível e não permutável.

Acresce ainda que as espécies formadas durante séculos, exigiriam centenas de gerações para a produção evolutiva delas. A consideração feita já é suficiente para se pensar profundamente e, inúmeras vezes, no que se está fazendo. Com a visão ultrapassada dos tomadores de decisão que só vêm nos projetos o lucro, a ganância de ter cada vez mais dá um “chega pra lá” na resolução dos problemas das comunidades soberanas, também carentes, e condenadas a viver uma pobreza que se perpetua durante anos.

Não estamos contra os projetos de barragens. Reconhecemos que um apagão teria conseqüências desastrosas para todos nós. Mas a técnica tem que andar lado a lado com a política, tipo “ Cosme e Damião”. Será que é, atualmente, impossível corrigir erros de governos passados que se diziam ao lado do povo? Demagogia é o que não falta no cardápio de políticos que ludibriam os eleitores. O bom exemplo dos que comandam a Nação é imperioso existir.

Se não houver respeito em todos os estratos sociais, não reclamem da juventude que só teve até hoje péssimos exemplos de cidadania, moral e ética no trato do patrimônio natural, direto de todos. O Manifesto sobre o Complexo do Rio Madeira é um problema complexo na verdadeira acepção da palavra. Cita o documento que considera, entre outros:

- Irregularidade no processo de licenciamento ambiental;

- Sub-dimensionamento da área de influência dos empreendimentos;

- Falta de avaliação adequada de impactos socioambientais dos empreendimentos em relação a questões chave;

- Desconsideração de impactos sociais e ambientais;

- Desconsideração dos protestos de movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil brasileira;

- Falta de uma garantia mínima de equivalência da qualidade de vida das famílias ribeirinhas e de outras comunidades locais;

- Indiferença de Governo Federal pela sentença condenatória do projeto do Complexo do Madeira no Tribunal Latinoamericano de Águas (TLA), em setembro de 2008, e pelo recente trabalho realizado pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais ( Plataforma DhESCA Brasil); ambos evidenciaram violações de direitos humanos associados à implementação das usinas no rio Madeira, que chama a responsabilidade do Estado brasileiro para o cumprimento dos diplomas internacionais afins;

- Constrangimentos diplomáticos;

- Indícios de intervenção política e irregularidade na utilização de fundos públicos de cunho social;

- Desrespeito aos Princípios do Equador.

Ainda estaria em tempo de rever detalhes de projeto cujo eixo foi mudado para uma distância de 9 km em relação ao eixo original e que por isso mesmo, foi considerado pelos interessados no projeto, provavelmente, “ muito perto “, desconsiderado-se o necessário e importante , novo EIA/RIMA . Também, não podemos olvidar o impacto das águas no solo para a formação do reservatório. A operação revolverá camadas do leito do rio onde há mercúrio que por sua vez afetará toda uma cadeia alimentar. E o volume de sedimentos que fluirá do reservatório não prejudicará o funcionamento das turbinas tipo bulbo? Onde este volume de sedimentos se depositará?

Outra dúvida: como explicar a liberação de uma “ licença parcial “ para o início das obras, emitida, equivocadamente, em 2008 ? O Ministério Público não desculpou. Chega de criatividade fora da Lei. Só há três licenças possíveis para empreendimentos potencialmente poluidores do meio ambiente conhecidas como LP, LI e LO, respectivamente, Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação. Qualquer outra adotada é “ledo engano”. Só não disseram para eles ?

Lamento afirmar que o que estamos deixando registrado na memória das pessoas íntegras e da juventude, é um deplorável livro que está sendo escrito pelos déspotas contemporâneos, intitulado “ História da Desumanidade ”.

(Por Carol Salsa, EcoDebate, 20/08/2009)

* Carol Salsa, colaboradora e articulista do EcoDebate é engenheira civil, pós-graduada em Mecânica dos Solos pela COPPE/UFRJ, Gestão Ambiental e Ecologia pela UFMG, Educação Ambiental pela FUBRA, Analista Ambiental concursada da FEAM ; Perita Ambiental da Promotoria da Comarca de Santa Luzia / Minas Gerais


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