Veículos em alta velocidade provocam uma carnificina na estrada que corta uma das importantes estações ecológicas do país, no Rio Grande do Sul. Funcionários do ICMBio deixaram de recolher os animais mortos, em protesto.
Capivaras são as maiores vítimas da falta de proteção aos animais
A BR 471, no trecho que corta ao meio a Estação Ecológica do Taim, em direção à fronteira com o Uruguai, virou um matadouro de animais silvestres, um atentado contra a fauna e um perigo para quem trafega por ali. O problema não é de hoje, arrasta-se há anos, mas a situação se agravou. Uma impressionante quantidade de animais atropelados pode ser vista por todos os lados, em quase toda a extensão da pista de 16 quilômetros.
No sábado, dia 29, havia dezenas de capivaras jogadas no acostamento, algumas em decomposição, outras mortas recentemente. Trafegando em alta velocidade, sem qualquer controle, os veículos atropelam e matam os animais que cruzam a pista a todo momento, principalmente as capivaras que habitam os banhados junto com centenas de espécies de aves, répteis, peixes e mamíferos.
É difícil de acreditar que isso esteja acontecendo numa das mais bonitas e importantes unidades de conservação do país, onde os bichos deveriam ser totalmente protegidos. Os moradores da região, contudo, parecem acostumados, ninguém comenta, ninguém reclama, a não ser quando se pergunta a respeito.
Mas os viajantes que se dirigem à fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, ou no sentido contrário, ficam horrorizados. Paulo Roberto Souza de Souza, 38 anos, tenta entender o que está acontecendo: “Isso é uma carnificina, já contamos 30 (capivaras mortas) desde o início da estação, e ainda nem chegamos ao fim dela”, espanta-se.
“Não obedecem o limite de velocidade, é isso o que acontece”, afirma Noemi Delgado da Fontoura, 75 anos, que viaja com Souza para o país vizinho. “Tenho residência no Uruguai, faz 20 anos que passo sempre por aqui e nunca vi isso”, completa, revoltada. Próximo deles, no outro lado da pista, jazem duas enormes capivaras na beira do asfalto, enquanto carros e caminhões passam zunindo.
Não há nenhum radar ou pardal numa estrada que é uma das maiores retas das rodovias brasileiras, um convite a pisar fundo no acelerador. Havia três pardais, contam em Santa Vitória do Palmar, município onde se localiza uma parte da reserva – a outra parte está no território de Rio Grande. Agora resta um, que não funciona.
A explicação para tantos cadáveres na estrada vem do chefe da Estação Ecológica do Taim, administrada pelo Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade (ICMBio), órgão que substituiu o Ibama na gestão das Ucs. Os funcionários do ICMBio cansaram de esperar por providências do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) e, como forma de pressão, deixaram de recolher os corpos dos animais atropelados, conta Henrique Horn Ilha. São recolhidos apenas alguns, a cada dois ou três dias, conta.
Telas doadas
Na sede da Estação Ecológica, dez quilômetros de telas doadas pela Siderúrgica Gerdau aguardam desde 2006 para serem instaladas nas margens da pista, que corta ao meio os banhados onde vivem pelo menos 30 espécies de mamíferos e 250 espécies de aves, sem contar inúmeros répteis e peixes. Além das capivaras, as maiores vítimas, também morrem sob os pneus e o impacto dos para-choques muitas preás, zorrilhos, ratões do banhado, tartarugas, cobras, lagartos e outros animais menores.
E não apenas eles são as vítimas. Também já aconteceram acidentes graves com veículos que tentaram desviar os carros dos bichos, conta o chefe da Estação. “Esta situação é um risco para os animais e também para as vidas humanas. Não estamos mais recolhendo (os bichos mortos) no mesmo ritmo de antes para que as pessoas saibam disto”, disse Ilha.
Segundo ele, a prefeitura de Santa vitória do Palmar vem se mostrando mais sensível ao problema e disposta a colaborar, num programa de educação ambiental que está sendo elaborado, dirigido a pescadores, escolas e comunidade em geral, para que a estação seja novamente valorizada e protegida como já foi um dia.
A cidade vê no ecoturismo, pela natureza privilegiada da região, uma oportunidade de desenvolvimento: “O municipio está a disposição para ajudar no que for preciso, ainda mais com as nossas pretensões turísticas, não podemos ter um ‘cartão de visitas’ desses”, disse à EcoAgência o vice-prefeito e prefeito interino, Eduardo Marrone (PT).
Licitação para cercamento
O chefe da Estaçaõ ecológica explica que a rodovia já esteve isolada dos animais por telas em três trechos. Havia uma passagem na sua metade porque o fechamento total, segundo os técnicos da época, provocaria a fragmentação da UC, impedindo o passeio dos bichos de um lado para outro.
Porém, uma enchente em 2002 levou quase todo o cercamento, restou apenas um pequeno trecho da cerca. Dos três mata-burros feitos para impedir a fuga de animais pela pista, resta apenas um, numa das entradas.
A solução começou a se desenhar há um mês, quando houve uma reunião da direção do ICMBio com a superintendência do Dnit, em Porto Alegre. Foram acertados os termos de uma licitação, cujo edital se encontra na mesa do superintendente regional do orgão, engenheiro Valdimir Roberto Casa, que estava em viagem pelo sul do Estado quando foi procurado para entrevista.
Tão logo ele aprove o projeto, deve ser publicado o edital para escolha da empresa que fará a recomposição do telamento, informa Terezinha Barth, engenheira do órgão. Também está prevista a recuperação dos mata-burros, enquanto outra licitação, para controladores de velocidade, deve ser realizada em Brasília.
Licença de operação
A renovação de licença de operação da rodovida está sendo negociada pelo Dnit com o Ibama. Para que ela seja liberada, deverão ser feitas exigências como o telamento total do trecho no Taim e outras medidas de reforço na proteção aos animais. Eles poderão ser direcionados com telas a passar de um lado ao outro da rodovia pelos 19 túneis já existentes sob a pista, explica o chefe da estação.
“Independente de fragmentação ou não da estação, temos responsabilidades com a mortalidade dos animais, com a vida das pessoas e a preservação da biodiversidade, a fragmentação pode ser minimizada pelos túneis”, diz. Ele está há poucos meses na chefia do Taim, estava trabalhando em Pernambuco, e ficou surpreso com a demora na solução de um problema tão antigo.
A expectativa agora é que o início das obras comece até o final do ano. Ainda em setembro, segundo ele, o Dnit se comprometeu em colocar tachões que dividem a pista ao meio e controlam as ultrapassagens dos veículos, pelo menos. Outra medida a ser tomada é o reforço da sinalização, com maior quantidade de placas e mais resistentes aos fortes ventos que sopram naquela área.
Ilha espera que, finalmente, o Taim receba a atenção necessária. “Essa estação ecológica é uma das mais importantes do Brasil e do mundo, é um orgulho para o Rio Grande do Sul. Precisamos fazer um esforço para resolver os seus problemas e recolocar no imaginário dos gaúchos o Taim como algo nosso e como algo muito importante”, conclui o chefe da Estação Ecológica.
(Por Ulisses A. Nenê, EcoAgência, 02/09/2009)