A Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência vai denunciar a tortura de crianças e o uso de armas de choque elétrico na ação de policiais militares do Rio Grande do Sul que resultou na morte de um sem-terra, no mês passado. Identificada por meio de depoimentos colhidos na semana passada em São Gabriel, a citada tortura física e psicológica de crianças inclui xingamentos, uso ostensivo de cachorros e da cavalaria e ferimentos por meio de estilhaços de bombas lançadas pelos brigadistas -um bebê foi atingido no rosto.
Um relatório com esses termos será encaminhado nesta semana para Ministério Público Federal e Estadual, Comissão de Direitos Humanos da Câmara e da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Ministério da Justiça e Corregedoria Geral da Brigada Militar.
A ação policial ocorreu durante a reintegração de posse da fazenda Southall. O sem-terra Elton Brum da Silva foi morto com um tiro nas costas. O autor do disparo, soldado da brigada cujo nome não foi revelado, foi afastado de suas funções. Outras 13 pessoas ficaram feridas na ação de despejo de 550 integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Cerca de 300 policiais estavam na operação.
A Folha teve acesso a um ofício preliminar enviado pela Secretaria dos Direitos Humanos no final da semana passada ao corregedor-geral da Brigada Militar, coronel Paulo Porto. No documento, a secretaria cita "emprego desproporcional e inadequado da força policial letal" e afirma que a brigada está "aparentemente preparada de modo insuficiente para lidar com situações que envolvam o controle de distúrbios civis".
"A rigorosa apuração da morte (...), para além de garantir justiça neste caso concreto gravíssimo de violação dos direitos humanos, poderá contribuir para o aperfeiçoamento da Brigada Militar, adequando-a a parâmetros mínimos de polícia democrática", afirma o ofício do governo federal, assinado por Ailson Silveira Machado, da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.
O MST realizou ontem ato para cobrar que o governo gaúcho esclareça as circunstâncias da morte de Silva. O MST também quer que seja apresentado o policial autor do disparo. Na semana passada, as autoridades de segurança do Rio Grande do Sul anunciaram que o atirador já havia sido identificado, mas não divulgaram seu nome.
"A polícia tem o papel de tornar isso público, não pode esconder o assassino", disse Nina Tonin, da coordenação estadual do MST. Segundo a dirigente, a investigação "caminha para a impunidade".
Outro lado
A Secretaria da Segurança Pública voltou a defender o sigilo em torno da investigação até a conclusão dos inquéritos. A assessoria da secretaria afirmou que não comentaria as alegações de tortura porque não recebeu o relatório. A assessoria de imprensa da Brigada Militar informou que somente se manifestará quando tiver acesso ao relatório.
(Por Eduardo Scolese e Graciliano Rocha, Folha de S. Paulo, 02/09/2009)