O futuro de um dos maiores leilões de exploração petróleo no mundo está ameaçado, à medida que perdura o impasse entre o governo socialista da Venezuela e as companhias de petróleo em torno dos termos para desenvolver uma estratégica área de produção petrolífera. Atrasos recorrentes na licitação dos direitos de exploração da Faixa do Orinoco - que foi adiada pela terceira vez no fim do mês passado - refletem os temores dos investidores a respeito de risco político, custos financeiros onerosos e rentabilidade dos projetos. Os preços mais baixos do petróleo e uma economia global instável apenas se somam ao problema.
Estatais de petróleo chinesas, russas, indianas e brasileiras estão concorrendo com destacadas petrolíferas como Shell, BP, Chevron, Total, Eni e Statoil pelo acesso ao bloco Carabobo no Orinoco, que poderá exigir investimento coletivo de US$ 30 bilhões a US$ 50 bilhões em três projetos que, juntos, produziriam potencialmente até 1,2 milhão de barris por dia.
"Existe um alto nível de interesse. A Faixa do Orinoco é simplesmente grande demais para ser ignorada. Não tem nenhum risco geológico e possui um enorme potencial", diz Rodolfo Guzmán, consultor de gestão na Arthur D. Little, em Houston. Baixos custos de produção e a ausência de alternativas em outros lugares no mundo compõem os atrativos do Orinoco.
Apesar de essa ser a primeira oportunidade para investir nas vastas reservas petrolíferas da Venezuela em mais de uma década, o entusiasmo tem sido temperado por uma longa lista de preocupações. No topo da lista figuram temores sobre o clima político, que é muito instável na Venezuela, e a imprevisibilidade do presidente venezuelano, Hugo Chávez, à medida que ele promove a sua "revolução bolivariana", de cunho socialista.
"Segurança ainda é o grande fator desconhecido", diz Pietro Pitts, editor da revista "Latin Petroleum", de Caracas. "Raramente transcorre um mês sem que o governo assuma o controle de mais uma companhia privada", ele diz, ressaltando a expropriação de ativos de mais de 70 prestadoras de serviços no setor petrolífero no começo deste ano.
As preocupações em torno da inviolabilidade dos contratos são exacerbadas pelo fato de que as alíquotas de imposto para petrolíferas foram aumentadas quatro vezes desde 2004, ao passo que a PDVSA, a gigante estatal de petróleo da Venezuela, tem se mostrado negligente em pagar dividendos aos seus sócios em outros empreendimentos conjuntos já existentes.
Estas preocupações explicam por que as companhias estão insistindo em ter o direito de resolver seus contenciosos nos foros internacionais, especialmente depois de a ExxonMobil e a ConocoPhilips terem considerado apropriado apresentar pedidos de indenização bilionários contra a Venezuela, depois que Chávez iniciou a sua onda de nacionalizações em 2007. Acredita-se, porém, que a PDVSA esteja hesitando em obedecer, argumentando que isso comprometeria a soberania nacional - apesar de cláusulas de arbitragem internacional terem sido incluídas em contratos firmados com investidores da Rússia, um dos aliados mais próximos que a Venezuela tem.
Outro grave obstáculo está relacionado com os rígidos termos financeiros, especialmente com as duras condições atualmente vigentes nos mercados de crédito internacionais. Apesar de as companhias terem permissão de deter uma participação de até 40% em cada um dos projetos colocados em leilão, sendo que a PDVSA manterá a maioria de 60%, elas estão sendo solicitadas a custear 100% do financiamento.
Os termos fiscais impostos pelos venezuelanos são igualmente difíceis de engolir, com taxas de direitos de exploração de 33% e um novo imposto recentemente implantado sobre ganhos extraordinários, que está gerando profunda inquietação.
Além disso, o projeto demanda altos custos de início de atividade, especialmente devido à necessidade de refinarias complexas e dispendiosas conhecidas como "upgraders", necessárias para processar o petróleo extrapesado, semelhante ao alcatrão, encontrado no Orinoco. "Na condição de companhia listada em bolsa, precisamos ter um mínimo de retorno sobre o nosso investimento", diz o dirigente local de uma das maiores companhias de petróleo participantes na licitação, questionando se isso seria viável nos termos e condições de mercado atuais.
Nas palavras de Guzmán: "Para muitas companhias na Venezuela, passará a ser muito difícil convencer seus chefes nas matrizes a colocar uma oferta séria sobre a mesa". Considerando que a PDVSA terá o controle operacional dos novos projetos, o argumento será ainda mais difícil de defender, com muitas companhias insatisfeitas com suas joint ventures atuais com o grupo venezuelano.
Essas atitudes geraram especulações de que a rodada de lances atrairia poucas ofertas sérias e que poderia até ser suspensa. Outras pessoas argumentam que mesmo se as companhias privadas se esquivarem de participar, companhias petrolíferas nacionais de países como China e Rússia continuam ainda comprometidas com o negócio.
Um representante em Caracas de uma das grandes companhias de petróleo participantes no leilão diz que, apesar dos altos custos envolvidos, a segurança energética nacional é a consideração predominante. "O projeto pode exigir investimento sério, com certeza, porém, considerando que não existe risco de exploração e que este poderá ser o último projeto desta grandeza remanescente no mundo, não podemos nos permitir o luxo de não nos envolvermos".
(Por Benedict Mander, Financial Times / Valor Econômico, 01/09/2009)