Depois de 14 meses de discussão e de sucessivos adiamentos, o governo enviou nesta segunda (31/08) ao Congresso, com pedido de urgência constitucional, quatro projetos de lei estabelecendo regras para a exploração de petróleo e gás na camada pré-sal. Um dos projetos propõe a instituição do regime de partilha da produção; outro cria a Petro-sal, estatal com capital 100% da União destinada a administrar as reservas do pré-sal a serem licitadas daqui em diante; o terceiro projeto institui o Fundo Social, que aplicará os recursos arrecadados no pré-sal em projetos na área social (saúde, educação, ciência e tecnologia, meio ambiente e cultura) e também em investimentos rentáveis; o quarto projeto de lei institui mecanismo para viabilizar a capitalização da Petrobras.
O novo marco regulatório não altera as regras do modelo de concessão em vigor no país desde 1997. Valerá apenas para as áreas de petróleo da camada pré-sal ainda não licitadas - 29% de toda a área do pré-sal, com reservas de 9,5 a 14 bilhões de barris, foi licitada com bases nas regras antigas.
As novas regras fortalecem a Petrobras, que será a operadora de todos os campos de petróleo do pré-sal a serem leiloados. A estatal terá participação mínima de até 30% nos consórcios privados, podendo elevar essa fatia nos leilões. Além disso, poderá explorar sozinha, sem licitação, alguns campos escolhidos pela União. Por fim, a empresa terá direito a uma capitalização por parte da União, equivalente a até 5 bilhões de barris de petróleo em reservas.
Para evitar atrasos na tramitação do pacote, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou duas decisões na manhã de ontem, depois de reunir seu ministério e os presidentes e líderes dos partidos que apoiam o governo. A primeira, por recomendação do ministro da Defesa, Nelson Jobim, foi não mexer na legislação que trata de royalties e participações especiais. Foi a forma encontrada para não melindrar os governadores dos três Estados que mais produzem petróleo e gás - Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo.
A outra decisão de última hora foi encaminhar as quatro propostas ao Congresso com pedido de urgência constitucional, o que limita o prazo de tramitação a 90 dias - 45 dias na Câmara dos Deputados e 45 dias no Senado. Na noite de domingo, após reunir-se no Palácio da Alvorada com os governadores Sérgio Cabral (Rio de Janeiro), José Serra (São Paulo) e Paulo Hartung (Espírito Santo), o presidente Lula, aconselhado pelo governador paulista, chegou a abandonar a ideia de pedir urgência. Na manhã de ontem, convencido pelos líderes dos partidos aliados, voltou ao plano original.
"Os líderes disseram que, se não fosse pela urgência constitucional, a tramitação seria muito lenta", explicou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, durante entrevista coletiva. Na mesma entrevista, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, sinalizou que os parlamentares modificarão as regras atuais de distribuição de royalties. No Congresso, os Estados que hoje não recebem royalties nem participações especiais têm maioria absoluta - 20 contra 7 (além de SP, RJ e ES, Bahia, Sergipe, Amazonas e Rio Grande do Norte são beneficiários).
"Mantêm-se as regras atuais até que uma nova lei disponha em sentido contrário", declarou Lobão, que trabalhou na comissão interministerial para mudar o sistema vigente. "Fizemos o melhor para os três Estados produtores, que foi manter a regra como está. Podíamos ter feito menos, mas fizemos igual."
Em um dos projetos de lei enviados ontem ao Poder Legislativo, o governo propõe a introdução de um novo regime de contratação - o de partilha da produção - para a exploração e a produção de petróleo e gás natural na camada pré-sal e em áreas que, no futuro, venham a ser declaradas estratégicas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). No novo regime, será adotado o conceito de "óleo lucro" ("profit oil", na expressão em inglês).
Por esse conceito, considera-se, para efeito de partilha, o total produzido em determinado campo, deduzidos os custos e despesas associados à produção de petróleo. Ganhará o leilão dos campos a empresa que oferecer, à União, o maior percentual de "óleo lucro". Como participará de todos os campos do pré-sal, a Petrobras deverá acompanhar o percentual ofertado pelo consórcio ganhador do leilão, sempre na proporção da sua participação mínima (que pode ir até 30%). Quando o campo for explorado exclusivamente pela Petrobras, o CNPE definirá o percentual de "óleo lucro" ao qual a União terá direito.
O novo regime introduz ainda o conceito de "custo em óleo" ("cost oil"), que corresponde aos custos e investimentos realizados pela empresa contratada, a ganhadora da licitação, para a execução da atividade de pesquisa e lavra do óleo. Esse valor será deduzido do total das reservas de petróleo estimado em cada campo. A partilha será feita após essa dedução.
Dilma afirmou que o governo optou pelo regime de partilha para a exploração no pré-sal porque, segundo ela, nas áreas que estão sendo descobertas, o risco exploratório é baixo e a rentabilidade do investimento, elevada, o oposto do que se vê nas áreas - com exceção do pré-sal - licitadas pelo regime de concessão. De acordo com a ministra, a única licitação já realizada na área do pré-sal teve a participação "de todas as grandes empresas internacionais". Segundo ela, isso aconteceu porque elas passariam a ter acesso a grandes reservas de petróleo.
"Quem tem acesso às grandes reservas em todo o mundo são as 'national oil companies' (empresas nacionais e/ou estatais). As empresas privadas têm acesso mais restrito", disse Dilma, justificando a proposição do novo regime, a criação da Petro-sal e o fortalecimento da Petrobras. Ela lembrou que, em apenas três campos (Tupi, Iara e Parque das Baleias), encontrou-se reserva de 14 bilhões de barris.
"Se um empresário ganhar 10% de 14 bilhões de barris, terá acesso a um bloco gigante. Já é considerado gigante um campo com 600 milhões de barris", ponderou a ministra, assegurando a um jornalista estrangeiro, que lhe fez indagações sobre a atratividade das novas regras, que o novo regime não afugentará investidores estrangeiros. Dilma mencionou os exemplos de países árabes, asiáticos e africanos, além de Venezuela e México, que adotam o regime de partilha. "Não estamos propondo nenhuma barbaridade desconhecida da indústria do petróleo", sustentou.
(Por Cristiano Romero, Valor Econômico, 01/09/2009)