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trabalho escravo mst conflito fundiário
2009-09-01

Segundo famílias que ocupavam fazenda de Marcelo Testa Baldochi, o próprio magistrado desferiu agressões verbais e físicas contra os sem-terra em despejo (com 50 policiais e sem oficial de justiça) ocorrido em 5 de agosto

Flagrado pela exploração de 25 pessoas em condições de escravidão em 2007, o juiz estadual Marcelo Testa Baldochi, da Comarca de Pastos Bons (MA), terá de responder também à acusação de comandar pessoalmente uma ação truculenta de reintegração de posse. Relatos graves de dezenas de famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que ocupavam a Fazenda Pôr do Sol, que fica em Bom Jardim (MA) e pertence ao juiz, fazem parte da representação apresentada contra o magistrado na Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Maranhão no início deste mês.

Segundo a representação, Marcelo Testa Baldochi desferiu agressões verbais (declarando "que eles estavam tendo era sorte, pois os tempos são outros e, se fosse em outra época, não sairiam vivos dali") e físicas (socos e pontapés) contra os sem-terra, no último dia 5 de agosto.

Denúncias divulgadas pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos e da Vida (CDVDH) de Açailândia (MA) trazem mais detalhes do ocorrido. A entidade conta que o juiz agrediu pessoas e "uma senhora que se encontrava com uma criança nos braços, com medo de ser agredida pelo juiz, correu e acabou caindo e por conta disso quebrou a perna da criança [que acabou internada num hospital da região]". Um dos sem-terra afirma que, além de ser espancado pelo juiz, teve sua moto destruída. Segundo a entidade, documentos pessoais foram queimados junto com os barracos.

"Em alguns casos, a polícia teve que intervir junto ao juiz para evitar danos maiores", adiciona o CDVDH. Para piorar a situação, as famílias relatam que o próprio juiz, no calor de sua fúria, gritava com os policiais, dizendo ter pagado R$ 1.000,00 (mil reais) a cada um deles para cumprir suas ordens que era capturar todas as lideranças dali e quem tivesse dado apoio aos sem-terra", emenda o comunicado do centro.

As vítimas relatam que os atos de violência se deram na segunda desocupação comandada pelo juiz. O MST ocupou a Fazenda Pôr do Sol pela primeira vez em 26 de julho. A primeira reintegração de posse ocorreu sem registros de violência mais ostensiva no dia 1º de agosto (sábado), seis dias depois da primeira ocupação, com a presença de oficial de justiça e apoio de cerca de 100 policiais militares. Mesmo assim, degundo Francisco Elias de Araújo, da coordenação estadual do MST no Maranhão, o primeiro despejo já foi irregular, pois a execução de mandados judiciais só pode se dar em dias úteis. A liminar, complementa Francisco, cita o prazo de 15 dias para contestação, que também não foi cumprido. As famílias não tiveram acesso ao mandado.

Em 4 de agosto, os sem-terra decidiram voltar à propriedade. Mas a ocupação durou até às 11h da manhã do dia seguinte. O juiz retornou ao local com cerca de 50 policiais militares - sem a presença de oficial de justiça e com o mesmo mandado judicial de reintegração de posse - e expulsou as famílias, conforme os envolvidos, de forma violenta.  Os lavradores Cícero Martins dos Santos e Valmir Soares Silva foram presos e permaneceram na Delegacia Municipal de Santa Luzia (MA) até 11 de agosto. "Nós pagamos a fianças dos dois e vamos preparar a defesa deles, que são acusados de porte ilegal de armas", conta Maria Inez Pinheiro, do MST do Maranhão.

Na opinião de Antônio Filho, do CDVDH, que esteve no local após o segundo despejo, a diferença de postura do juiz nos dois despejos pode ser explicada. "O primeiro despejo foi acompanhado por um oficial de Justiça e o juiz Marcelo Baldochi não foi violento com os trabalhadores. Ficou observando. Na segunda vez, ele estava com um pedaço de pau na mão", conta.

Em entrevista por e-mail à Repórter Brasil, o juiz refutou as denúncias dos despejados da Fazenda Pôr do Sol. "Eu não acompanhei a desocupação. Permaneci em um imóvel vizinho. Somente após a ação, no final da tarde, com a situação já estabilizada, fui à fazenda, em companhia de um oficial de justiça e vários policiais militares para ver os estragos da invasão". Marcelo disse não ter participado "por cautela".

Sobre o segundo despejo, ele disse que tudo "transcorreu normalmente, a cargo dos oficiais da Polícia Militar do Maranhão". "Pelos registros policiais, apenas dois invasores foram presos portando armas de fogo enquanto outros fugiram pela mata levando as armas, restando, todavia outras 6 apreendidas, sem identificação dos portadores. Não houve registro de qualquer incidente. Os dois invasores presos passaram por exame de corpo de delito, sem registro de qualquer lesão".

O magistrado declarou que os sem-terra "mataram um boi, destruiram cercas, cortaram arames, quebraram uma motobomba, danificaram a casa sede, além de terem derrubado árvores e obstruído estradas". "Com esse trabalho, os invasores quebraram a cadeia de mais de 2 anos de investimentos, permitindo que cerca de 300 bovinos ficassem esparramados (ou sumidos) por fazendas vizinhas. Essa é a ressaca de uma invasão cujos prejuízos, significativos, serão cobrados, na forma da lei, dos articuladores da invasão".

Para acompanhar o caso, o MST articulou uma comissão de direitos humanos, formada por sindicatos, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Maranhão e por organizações civis como o CDVDH. As dezenas de famílias despejadas, que são de Alto Alegre do Pindaré (MA), permanecem no Assentamento Terra Livre, que fica próximo à área de 1,1 mil hectares do juiz, onde a fiscalização encontrou escravos em setembro de 2007.

"O mais intrigante", como relata o CDVDH, "foi a eficiência do Estado para cumprir um mandado de reintegração de posse, mobilizando em curto espaço de tempo centenas de policiais, enquanto ´empurra com a barriga´ há mais de 100 dias o cumprimento de mandado de prisão de escravocratas, alegando não ter dinheiro para deslocamento dos agentes de polícia".

Escravidão
Em consequência da libertação de 25 pessoas (incluindo um jovem de apenas 15 anos) em situação análoga a escravidão, ocorrida em 2007, o juiz Marcelo Baldochi entrou em dezembro do ano passado na "lista suja" do trabalho escravo, relação de infratores que utilizaram mão-de-obra escrava mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Em junho deste ano, porém, ele foi excluído do cadastro por causa de um problema no processo administrativo instaurado pelo MTE.

"Os processos foram anulados pelo próprio MTE por incorrerem em nulidade absoluta, os quais deverão ser reexaminados. Portanto, não há julgamento de mérito, seja reconhecendo ou rejeitando os autos de infração e, por óbvio, decidindo qualquer fato alusivo ao reconhecimento (ou não) de trabalho escravo", comentou o juiz Marcelo na entrevista à Repórter Brasil. 

O julgamento da denúncia feita pelo Ministério Público Estadual (MPE) contra o magistrado por conta do flagrante de escravidão foi adiado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA), no final do último mês de julho. "Alguns documentos foram juntados pela minha defesa. O Ministério Público deve tomar conhecimento destes documentos a fim de que seja garantido o devido processo legal e não ocorra nulidade", explica o próprio Marcelo, que também promoveu intervenções como juiz no caso de outro escravagista (Miguel de Souza Rezende). Segundo a Raquel Chaves Duarte Sales, a interferência de favorecer do juiz estadual pode favorecer o outro réu.

Em maio de 2008, o processo de vitaliciamento do juiz Marcelo foi retirado de pauta do TJ/MA. Na ocasião, ele questionou o direito de voto no processo dos desembargadores que possuem filhos na magistratura. "É lamentável, se for verdade que ele declarou isso e, pior ainda, se ele tem conhecimento de atos ilícitos promovidos pelos desembargadores do TJ, e não denuncia quais são esses fatos", declara Aníbal Lins, presidente do Sindicado dos Servidores da Justiça do Maranhão (Sindjus-MA). A entidade protocolou um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) avalie o caso do juiz escravagista.

"O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA) tem uma longa e larga tradição de corporativismo, de proteger os magistrados denunciados e invetsigados. O processo contra desembargadores não anda, isso é um fato público e comprovado pela própria corregedoria do CNJ. Contraditoriamente, o TJ-MA tem uma prática de banalizar processos administrativos disciplinares contra os servidores para intimidar a organização independente dos trabalhadores, um verdadeiro assédio moral institucionalizado", ressalta Aníbal.

O MST entrou com um pedido de desapropriação da Fazenda Pôr do Sol no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Maranhão (Incra/MA). Segundo assessoria do Incra-MA, o órgão fica impedido de realizar a vistoria na área para desapropriação do imóvel para fins de reforma agrária pelo prazo de dois anos após a ocupação. O impedimento foi imposto por Medida Provisória (MP 2.109-47), de 27 de dezembro de 2000, assinada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

(Por Bianca Pyl, Repórter Brasil, 20/08/2009)


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