No primeiro dia da Expointer, um evento realizado na Casa RBS tornou evidente o antagonismo do campo, mais exposto pelas divergências em torno do índice de produtividade agrário. Durante o Seminário Federasul de Sustentabilidade – Comércio e Serviços no Agronegócio, ocorrido no sábado (29/08), o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Guilherme Cassel, defendeu a mudança dos índices, o que poderia ampliar a quantidade de terras disponíveis para a reforma agrária. Já o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), líder da bancada ruralista na Câmara dos Deputados, argumentou que a medida tem cunho ideológico e beneficiará apenas o Movimento dos Sem-Terra (MST)
Dois lados, duas visões, que levaram o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, a dedicar neste domingo (30) seu curto tempo na feira para tentar tranquilizar os produtores.
Ao se apresentar como gaúcho e homem de esquerda, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, usou primeiro, durante o evento ocorrido na Casa RBS promovido pela Federasul em parceria com o Canal Rural, no sábado, um tom conciliador para defender a mudança dos índices de produtividade, que classificam as propriedades para fins de desapropriação.
Proposta polêmica, a portaria assinada pelo ministro há poucos dias prevê que propriedades rurais têm de produzir mais para não serem desapropriadas para fins de reforma agrária.
– A Constituição Federal ressalta o valor social da terra e prevê readequação dos índices de produtividade de tempos em tempos. E desde 1975 isso não era feito – argumentou.
Na tentativa de ganhar aliados entre uma plateia formada especialmente por empresários rurais, ele arguiu que o campo gaúcho se mostrava dividido politicamente entre grandes e pequenos produtores.
– Isso tem de mudar – disse Cassel.
A reforma agrária permitiria que mais trabalhadores rurais pudessem voltar ao campo, ressaltou, e desfiou estatíticas para destacar a força da agricultura familiar na economia do Estado.
– A agricultura e pecuária representam juntas 51% do PIB (Produto Interno Bruto) gaúcho, sendo que 55% dessa riqueza provêm da pequena propriedade. Por isso é errado dizer que a tecnologia e a evolução são coisas da agricultura de escala e que do lado da agricultura familiar estaria o atraso – afirmou.
Na palestra, o ministro tentou tranquilizar os produtores e representantes de entidades rurais presentes ao evento, garantindo que a produtividade a ser exigida pela nova normativa está abaixo do que atualmente se produz no Estado, em diferentes culturas. Não conseguiu.
Sobre os ombros do ministro também recaíram no encontro outras questões que causam desconforto à relação entre produtores e governo federal, entre as quais as novas políticas ambientais, as restrições quanto à biotecnologia e o endividamento do setor. Negou que seja ideologicamente contrário à biotecnologia e, quanto à falta de crédito ao setor primário, Cassel ressaltou que os programas Mais Alimentos e Pronaf, entre outras linhas de financiamento, têm auxiliado o campo durante no governo Lula.
– Sobre a biotecnologia, apenas afirmo que os estudos feitos ainda não foram suficientes. Não aceito o discurso de que se é usada nos Estados Unidos pode ser usada aqui sem análise.
No final da conversa com os produtores, deixou um recado: sua proposta de reajustar os índices tem o apoio de Lula e entrará em vigor em breve, mensagem diferente do colega de governo, Reinhold Stephanes. Em sua visita à Expointer ontem, o titular da Agricultura disse que ainda não há prazo para a medida entrar em vigor e que deverá propor mudanças no texto.
Contra os novos índices
Com estatísticas em mãos, o líder da bancada ruralista na Câmara dos Deputados, Ronaldo Caiado (DEM-GO) aproveitou a mesa do seminário realizado na Casa RBS no sábado para criticar a proposta de revisão dos índices de produtividade das propriedades rurais. Argumentou que os atuais indicadores já colocariam em condições de desapropriação cerca de 134 milhões de hectares nas mãos de particulares. Haveria ainda disponíveis outros 142 milhões de hectares em terras públicas.
– Os assentamentos já somam 80 milhões de hectares. Será que é preciso mais do que esses 276 milhões de hectares disponíveis? – questionou.
Veio de José Roberto Pires Weber, líder rural e criador, outra dura crítica ao MDA:
– Aumentar os índices é beneficiar apenas integrantes do MST que estão em acampamentos.
Posição compartilhada com o presidente da Cotrijal, Nei Mânica.
– Nós precisamos é de um esforço enorme para manter quem está no campo, e não levar para campo quem não está e também não é do campo – opinou.
Caiado reforçou que o que falta para o setor é uma política que garantisse renda aos produtores e não novos índices de produção:
– Nos anos 90, o endividamento era de R$14 bilhões. Agora, nós já devemos mais de R$ 100 bilhões só para bancos oficiais, sem falar nos fornecedores. Quem vai ajudar a agricultura?
Produtores também criticaram a falta de consonância entre diferentes órgãos do governo Lula. Weber afirmou que ao mesmo tempo que aumentam as preocupações com as questões ambientais está se exigindo aumento da produção.
– É outro paradoxo: querem que aumentemos a produção, mas temos que preservar o bioma pampa. Não é razoável – desabafou.
O presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Carlos Sperotto, teme que setores tradicionais sofram com restrições normativas ambientais.
– Vão proibir os viticultores de trabalhar pois seus parreirais estão em área de declive, por exemplo? – disse.
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), Odacir Klein, tentou contemporizar. Louvou o programa de biodiesel implantado por Lula, mas questionou os novos índices de produtividade em um momento em que as questões de biotecnologia sofreriam, segundo ele, restrições ideológicas.
– A diferença (de produtividade) do produtor argentino para o brasileiro é exatamente o fato de o argentino ter tido condições ideais de acesso à biotecnologia – avaliou.
(Zero Hora / IHUnisinos, 31/08/2009)