O enorme complexo siderúrgico em construção pelo grupo alemão ThyssenKrupp, no distrito industrial de Santa Cruz, no Rio - cuja área de 9 milhões de m2 equivale duas vezes os bairros de Ipanema e Leblon juntos -, está em plena atividade. Planejado para produzir 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano, o empreendimento tem nova data para começar a operar. A primeira placa de aço deve sair da usina em meados de 2010 com atraso de mais de seis meses em relação ao último cronograma fixado pela empresa.
Desde o lançamento da pedra fundamental da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSAThyssenKrupp), nome oficial da nova empresa, o projeto enfrentou diversas dificuldades que adiaram por três vezes a arrancada do negócio. Entre elas, dificuldades nas obras de fundação, já que o terreno é alagadiço, questões ambientais e atrasos na montagem dos altos-fornos. Também houve problemas na estrutura da coqueria e discussões com os empreiteiros encarregados de instalar a termelétrica que vai gerar energia elétrica para a usina. Todos esses obstáculos se somaram à crise econômica que derrubou a demanda mundial de aço, o que contribuiu para a revisão dos prazos da usina.
Para enfrentar o desafio de conduzir a fase final do projeto da CSA, a ThyssenKrupp, controladora do projeto em parceria com a Vale, indicou o executivo alemão Axel Wippermann. O executivo assumiu o posto de gerente-geral do empreendimento há duas semanas. Engenheiro de quase 70 anos, Wippermann fala bem português, mora no Rio e tem larga experiência no setor industrial ligado à fabricação de aço. Entre 1988 a 1991, presidiu a fabricante de tubos Mannesmann (atual V&M Tubes), em Minas Gerais.
Em 1991, depois de deixar a siderúrgica de tubos, foi comandar a Demag, uma fabricante de equipamentos, na Alemanha. Algum tempo depois trabalhou na também alemã Ferrostaal, companhia provedora de serviços industriais que foi adquirida pelo grupo MAN. A missão de Wippermann é colocar a siderúrgica para rodar dentro do novo prazo fixado pelos alemães. Ele dispõe de quase um ano para dar conta do serviço.
Desde o lançamento do projeto, em 2006, a CSA viu o seu orçamento quase dobrar. Dos € 3 bilhões estimados para o negócio em setembro de 2006, o valor saltou atualmente para € 4,5 bilhões. A cifra chega a € 5 bilhões se somados os € 500 milhões com despesas operacionais para a entrada em operação do projeto. Recentemente, combalida pelos efeitos da crise econômica mundial que afetou a demanda de aço, principalmente na Europa, a ThyssenKrupp - posicionada entre os 20 maiores fabricantes de aço do mundo - recorreu à Vale, sua parceira no empreendimento, para poder concluí-lo.
As conversas entre os sócios levaram à assinatura de um memorando de entendimento em julho no qual a Vale se dispôs a ampliar de 10% para 26,85% sua participação na CSA através de uma injeção de capital no negócio de € 965 milhões. Em setembro, a questão será submetida a aprovação dos conselhos duas empresas.
Além do impacto da crise financeira seguida de recessão, o projeto da CSA foi afetado pela perda de seu presidente , Erich W. Heine, 42, engenheiro mecânico sul africano, que substituiu Aristides Corbellini em maio de 2008. Quando completava um ano à frente da CSA, Heine morreu no desastre aéreo da Air France.
Atualmente está em curso um processo de reestruturação da gestão da CSA conduzido pela ThyssenKrupp AG, holding do grupo, na Alemanha, para substituir Heine. A indicação de Axel Wippermann como gerente-geral do projeto faz parte das mudanças. Niclas Müller, membro da diretoria executiva da ThyssenKruppServices, foi indicado para suceder interinamente a Heine na presidência do conselho de administração da CSA. Müller ainda não tomou posse no cargo porque aguarda a liberação do visto de trabalho pelo governo brasileiro.
Ao ficar pronta, a CSA terá sua produção destinada a duas unidades de laminação: uma em Disbürg, na Alemanha, e outra em Mobile, Alabama, nos Estados Unidos. Essas instalações vão transformar placas em material acabado de alta qualidade para o mercado de aço destinado principalmente à indústria automobilística. A unidade de laminação da usina americana entrará em operação também em meados do primeiro semestre de 2010, coincidindo com a entrada em atividade da CSA.
Após faturar € 53 bilhões no ano fiscal 2007/2008, a ThyssenKrupp acaba de divulgar o resultado do balanço do terceiro trimestre do ano fiscal 2008/2009 (o ano fiscal do grupo alemão vai de outubro de um ano a setembro do outro). Nos últimos nove meses - entre outubro de 2008 a junho de 2009 -, a receita do grupo alemão somou € 30,7 bilhões, caindo 23% ante os € 39,7 bilhões obtidos em igual período do ano fiscal 2007/2008. A crise derrubou as vendas e os preços dos produtos e serviços da ThyssenKrupp em suas unidades de aço, tecnologia, serviços e elevadores.
Crise mundial reduziu a velocidade das obras
Até a indicação de Axel Wippermann, há 15 dias, a condução das obras do complexo siderúrgico de Santa Cruz estava sob a batuta do sul africano Heyno Michael Smith, vice-presidente de Operações da CSA. Durante visita do Valor às instalações do projeto, Smith falou sobre o andamento das obras do maior investimento do grupo alemão no mundo.
Segundo ele, a crise mundial e a redução da demanda por aço influiu na decisão da ThyssenKrupp de desacelerar o projeto e adiar para o primeiro semestre de 2010 a entrada em operação da CSA. "Estávamos trabalhando rápido para a usina começar a produzir placas em dezembro, mas preferimos aguardar uma melhora do mercado em 2010. Agora estamos retomando um ritmo mais ligeiro."
O executivo acredita que, no ano que vem, o cenário do mercado siderúrgico poderá estar mais favorável que o atual. "Temos sentido alguns sinais de recuperação, mas ela não parece que será muito rápida. Mas estamos observando o mercado para marcar o ritmo." Segundo ele, a usina está sendo construída para ter flexibilidade na operação. Com dois alto fornos, ela terá "margem de manobra" para se adequar às condições do mercado. Se a demanda estiver fraca, só um alto-forno entra em operação.
Inicialmente, os destinos das placas de aço fabricadas em Santa Cruz eram a usina da ThyssenKrupp no Alabama, nos Estados Unidos, também em construção, e as usinas alemãs, mas devido a crise o assunto está sendo rediscutido na Alemanha. "No momento, os números informam que 3 milhões de toneladas de placas da CSA vão ser exportados para a usina do Alabama e os outros 2 milhões de toneladas irão para a Alemanha.
Se esta decisão mudar devido ao mercado pode ser que o fornecimento seja de 4 milhões de toneladas de placa para uma e 1 milhão, para a outra. Há uma equipe trabalhando nos três continentes para tomar uma decisão final sobre a questão", informou Smith.
O executivo negou as notícias de que a coqueria da CSA teria sofrido rachadura, atrasando os trabalhos de instalação da unidade. "Afirmo que não tem rachadura nenhuma na coqueria. Esta informação não procede." Admitiu, porém, que há desafios a enfrentar na instalação da coqueria, como existem em outras . "Isto é normal num projeto da dimensão do nosso, mas acreditamos que nada vai afetar daqui para frente a conclusão do projeto." Smith não vê condições de ser implantado, no curto prazo, um laminador na CSA para produzir aço de maior valor agregado.
(Por Vera Saavedra Durão, com colaboração de Ivo Ribeiro, Valor Econômico, 31/08/2009)