Em 5 anos, 16 milhões de hectares foram declarados improdutivos, mas governo quer aumentar desapropriações
Nos últimos cinco anos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou 38,6 milhões de hectares de terras próprias para a agricultura em assentamentos para 502 mil famílias sem-terra. Dessa área, cerca de 16 milhões de hectares foram desapropriados após terem sido considerados improdutivos, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A extensão das terras que os agricultores perderam por falta de produção é mais que o dobro de toda a área cultivada com cana-de-açúcar - 7,8 milhões de hectares.
A desapropriação de propriedades improdutivas representa pelo menos 40% das terras arrecadadas para o programa de reforma agrária do governo, de acordo com o ministro Guilherme Cassel. O porcentual seria maior, segundo ele, se os índices, fixados com base na produção de 1975, não estivessem tão defasados.
No que depender do ministro, no próximo dia 3 de setembro o Diário Oficial da União publicará uma portaria elevando em até 100% a produtividade mínima exigida nas grandes propriedades rurais para que as terras não sejam desapropriadas. O titular de Desenvolvimento Agrário já mandou o documento assinado para o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.
A medida causa apreensão nas principais regiões agrícolas. Produtores rurais temem uma escalada de invasões, pois as propriedades declaradas improdutivas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) são rapidamente invadidas pelos militantes de grupos capitaneados pelo Movimento dos Sem-Terra (MST).
Balanço
Nos últimos cinco anos, 1.933 propriedades sofreram invasões, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) pretende articular com outras entidades uma marcha a Brasília para pressionar o presidente Lula, a exemplo do que fez o MST. O presidente mandou rever os índices durante uma jornada nacional do movimento, que incluiu um acampamento em Brasília e a invasão do Ministério da Fazenda, na segunda semana deste mês. "Se não organizarmos uma mobilização, os produtores vão sem nós", destacou a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-TO).
Para fazer a nova tabela de produtividade no campo, foi pesquisada a produção em 554 microrregiões do País, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dos municípios. Entre os índices mais elevados, os produtores de soja de Sorriso (MT), por exemplo, terão de produzir pelo menos 2,4 toneladas por hectare, ao invés da 1,2 tonelada do índice atual. O aumento é de 100%. Já os rizicultores de Uruguaiana (RS) terão de colher 5,6 toneladas de arroz por hectare, ante as 3,4 toneladas atuais.
A senadora considera os novos índices "desonestos", pois levam em conta só o tamanho da terra e a quantidade da produção. "Outros fatores importantes, como o crédito, os juros, a mão de obra, o mercado e a renda não foram considerados." Segundo Kátia Abreu, a livre iniciativa consagrada pelas leis brasileiras é regida pelo mercado. "Nenhuma atividade pode ficar impedida de recuar na produção, se as pessoas não tiverem necessidade daquilo que está sendo produzido", justifica.
Conflitos
A ruralista acha que a nova portaria vai "forjar" latifúndios improdutivos no Brasil e aumentar os conflitos. "A mudança ocorre num momento em que os produtores rurais estão sendo compelidos a transformar áreas de produção em reserva legal. É como tirar o tubo e deixar o produtor sem oxigênio."
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso (Famato), Rui Prado, considera o momento inoportuno para a revisão. "Diante de um cenário de estoques elevados e preços baixos, aumentar os níveis de produtividade das principais culturas é uma enorme contradição."
Para Prado, o governo Lula não pode ignorar fatores como as relações de mercado, o estoque, a demanda e a macroeconomia, exigindo que os produtores rurais trabalhem em níveis negativos para que não tenham suas propriedades expropriadas. "Quando se tenta fazer prevalecer os interesses de algumas categorias a qualquer custo, alguém vai pagar a conta, e nesse caso, quem está pagando a conta é o produtor", critica o presidente da Famato.
''Produzir mais, às vezes, é ter mais prejuízo''
Produtividade nunca foi problema para Frederico D''Ávila, dono da Fazenda Jequitibá do Alto, em Buri, no sudoeste paulista. Em 1,3 mil hectares de culturas anuais, ele colhe quantidades de trigo, soja e milho bem acima daquelas previstas na nova tabela. Para isso, usa alta tecnologia, sementes melhoradas geneticamente, plantio direto sobre palhada, irrigação e não economiza em adubo e fertilizantes. A região é tão produtiva que poucas vezes foi assediada pelos grupos de sem-terra.
Mesmo assim, Ávila se diz preocupado. Nas últimas safras, o preço de grãos como o milho e o trigo não acompanhou os custos de produção. "A gente investe na alta produtividade para ganhar no volume, mas produzir mais, às vezes, significa ter mais prejuízo." Em alguns casos, alega, é preferível ter produção menor a custo muito baixo. "Aí você colhe menos, não tem prejuízo, mas fica sujeito à desapropriação. Será que o governo compra tudo o que a gente produzir garantindo renda mínima?"
Em Mato Grosso, produtores rurais vendiam milho na sexta-feira (28/08) a R$ 8 a saca, bem abaixo do custo de produção, R$ 13. O prejuízo por hectare chegava a R$ 500. O gerente técnico da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso (Famato), Luciano Gonçalves, contou ter encontrado agricultores em situação de desespero. "É óbvio que, com todo esse prejuízo, eles terão dificuldade para plantar a próxima safra. Muitos têm medo da desapropriação." Houve casos, segundo Gonçalves, de fazendas desapropriadas por improdutividade com os índices atuais. "Com a atualização, a margem de segurança desaparece."
"Especulação"
Para João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do Movimento dos Sem-Terra (MST), os ruralistas que têm medo da atualização não produzem e usam as terras para especulação. Segundo ele, os dados usados para atualização são de 1996, por isso os índices vão continuar defasados. "Aqueles que estiverem produzindo, nada precisam temer", avisou. João Paulo disse que os conflitos no campo ocorrem porque o governo não faz a reforma agrária. "Se aumentar as desapropriações e a reforma, é evidente que vai diminuir a pobreza e a desigualdade no campo e, com isso, diminuem os conflitos."
O líder do MST destaca que não são apenas as terras improdutivas que devem ir para a reforma agrária. "Só em Mato Grosso do Sul, mais de 30 mil hectares estão parados na Justiça, por uso do tráfico de drogas, que deveriam ser destinados aos trabalhadores sem-terra." Ele acusa os ruralistas de fazerem uma batalha ideológica na defesa ao direito absoluto da propriedade, que não existe na Constituição. "Por essa razão, até hoje barram na Câmara a lei que que determina a desapropriação de fazendas com trabalho escravo."
O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, considera a desapropriação para a reforma agrária um desperdício de dinheiro público. "Criam-se favelas rurais, sem nenhuma produção", critica.
Para Nabhan, em muitos casos a improdutividade é consequência das ocupações. "Conheço propriedades que foram invadidas três, cinco, dez vezes, até que o dono ficou exaurido e não conseguiu retomar a produção." Ele considera discriminação a exigência de índices de produtividade só do setor agrícola. "Não é exigido de nenhum outro setor privado da economia."
(Por José Maria Tomazela, O Estado de S. Paulo, 30/08/2009)