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anfíbios mudança de hábitos dos animais
2009-08-28

A relação entre cientistas e jornalistas nem sempre é fácil, como muita gente que nos visita aqui no ScienceBlogs está careca de saber. Por uma mistura de cansaço, descuido, pressa e azar, acabei publicando na Folha desta semana uma reportagem que desagradou bastante meu entrevistado, José Eduardo de Carvalho, da Unifesp de Diadema. O professor José Eduardo enviou uma carta a ser publicada no jornal sobre o problema, mas como o espaço de cartas é sempre limitado, achei que seria interessante colocar todas as críticas por aqui. É o mínimo que posso fazer como mea culpa. Seguem os comentários abaixo, enviados por e-mail.

Carta do professor Eduardo
Prezado Reinaldo,

acabei de ler o artigo com atenção e percebi que nele há imprecisões que não deveriam ter sido publicadas sem revisão por este jornal!

Vou tentar apontar algumas coisas do que li:

1. "As pesquisas com um sapo e uma perereca habituados à secura do sertão estão revelando truques fisiológicos e comportamentais inusitados, que permitem aos bichos aguentar a falta d'água."

Comentário: Desde quando, na história da biologia, ajustes fisiológicos e comportamentais tão importantes quanto esses apresentados por estes animais são "truques" "inusitados". Há vasta literatura sobre o assunto e nós construimos nossas hipóteses sobre "décadas" de pesquisa sobre animais tolerantes a estas condições. Creio que por mais glorioso que seja o espírito de divulgação da ciência, esta tem que ser feita com termos apropriados, o que não necessariamente são técnicos.

2. "José Eduardo de Carvalho, da Unifesp de Diadema (Grande São Paulo), apresentou resultados recentes de seus estudos sobre o tema na reunião anual da Fesbe (Federação de Sociedades de Biologia Experimental), que terminou sábado em Águas de Lindoia (SP)"

Comentário: Já disse nas mensagens anteriores e na palestra na Fesbe que esses trabalhos são de uma colaboração com pesquisadores da USP (Carlos Navas e Isabel Cristina Pereira). É bastante injusto ver isso escrito na forma como está.

3. "Contudo, as observações de Carvalho com o sapo sertanejo Rhinella granulosa subvertem essa lógica. "Os juvenis da espécie, depois de concluírem a metamorfose [de girino para sapo], passam toda a estação seca ativos. São sapos pequenininhos pulando num solo com 50ºC de temperatura", contou o pesquisador à Folha."

Comentário: Nós não sabemos ao certo o que estes animais fazem, e aspectos fisiológicos relacionados com a tolerância a altas temperaturas já foram bastante explorados em diversos trabalhos. O nosso trabalho ( 2007 Comparative Biochemistry and Physiology, Part A 147: 647-657) discute isso e explora o assunto em uma espécie de interesse nacional.

4. "O que acontece, ao que tudo indica, é que as enzimas (proteínas aceleradoras de reações químicas) que regem o ciclo respiratório dos sapinhos são capazes de resistir intactas a essas temperaturas, que derrotariam qualquer ser humano".

Comentário: A frase "que derrotariam qualquer ser humano" me levou a pensar que humanos não poderiam viver na temperatura das caatingas, o que não é o caso.

5. "A gente ainda não sabe como ele consegue isso", afirma Carvalho. A hipótese do pesquisador é que outras substâncias, as chamadas chaperonas, formam um invólucro que impede as enzimas de simplesmente derreter. O interessante é que o sapo adulto, de porte mais avantajado, perde o gosto pela vida no limite e adota hábitos noturnos"

Comentário: as proteínas chaperonas (estudadas a décadas!) não são "substâncias", e formar um "invólucro que impede as enzimas de simplesmente derreter" é conceitualmente errado! As chaperonas não formam "invólucros" e proteínas (como as enzimas) não "derretem". Isso tudo, apesar de ter um espírito de divulgação voltado ao publico leigo ao assunto, não é adequado.

6. "A situação da perereca Pleurodema diplolistris é ainda mais inusitada. Em ambientes secos, muitos animais adotam a chamada estivação, que pode ser considerada a "irmã gêmea" da hibernação em ambientes onde o calor intenso, e não o frio, é o inimigo. Animais que estivam também podem ficar numa espécie de animação suspensa até o calor amainar."

Comentário: O conceito de estivação ainda é muito discutido e não sabemos se P. diplolistris realmente estiva nos moldes tradicionais. As evidências do trabalho mostram isso. mas dizer que a estivação é a "irmã gêmea" da hibernação ficou mais uma vez inadequado e, conceitualmente, errado. Ainda que P. diplolistris estive, certamente não são necessariamente as altas temperaturas que levam a isso, mas a falta de recursos hídricos. Como eu salientei na palestra, o regime de chuvas - e não a temperatura - tem mais relação com as fases de atividade e inatividade - aparente - dos animais.

7. "Mas não a P. diplolistris. "Considera-se que o bicho estiva, mas na verdade nós vimos que ele, ao se enterrar, fica se movendo o tempo todo, buscando as áreas do solo arenoso onde há mais umidade", diz Carvalho. Seria um tipo de estivação com "insônia".

Comentário: Ainda não sabemos se os animais ficam se movendo o tempo todo. Nós temos evidências de que estes parecem se enterrar cada vez mais profundamente quando há um prolongamento da estação seca. Mas nós não sabemos a que taxa os animais se movem, ou mesmo se fazem isso de fato ou foi apenas um achado coincidente. Mas dai dizer que Pleurodema diplolistris "estiva" mas tem "insônia" também é inadequado.

8. "Carvalho faz parte do recém-criado Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Fisiologia Comparada, iniciativa que reúne diferentes centros do Brasil. As pesquisas que o grupo conduz vai muito além da curiosidade pelo inusitado."

Comentário: Eu de fato hoje em dia faço parte do INCT em Fisiologia Comparada, mas todos os trabalhos apresentados foram realizados em grande colaboração com o Prof. Carlos Arturo Navas (do Instituto de Biociências da USP de São Paulo) e com a aluna de mestrado (co-orientada por mim) Isabel Cristina Pereira. Isso foi deixado claro diversas vezes na palestra e nas mensagens. Os dois trabalhos, com R. granulosa e com P. diplolistris, foram financiados pelo projeto do Prof. Carlos Navas provenientes da FAPESP. É injusto não ressaltar a importância do trabalho sem mencionar isso. Como disse, o trabalho com Rhinella granulosa já esta publicado, e aquele com P. diplolistris é a tese de mestrado da Isabel que ainda nem foi defendida.

9. "Os animais que estudamos podem ser modelos interessantes de diversas situações fisiológicas", diz outro membro do instituto, Luciano Rivaroli, da Universidade Federal de São João del Rey (MG)."

Comentário: O Prof. Luciano é um grande amigo, mas ele nada tem com estes trabalhos com anuros. Da forma como está na matéria ele acaba levando mais crédito do que o meus colaboradores mais próximos.

Apesar de todos esses equivocos, creio que os principais problemas seriam prontamente solucionados se eu tivesse tido a chance de ler o conteúdo da matéria antes dessa ser publicada. Se isso fosse feito, o objetivo da reportagem de levar ao publico externo à universidade a divulgação dos conhecimentos que aqui são gerados teria sido alcançado com grande sucesso e com GRANDE GRATIDÃO de minha parte. Acredito que encurtar o caminho que existe entre a universidade e a comunidade é a melhor forma de construirmos um país melhor e próspero, livre de preconceitos e enganações.

(Por Reinaldo José Lopes, Carbono 14, 26/08/2009)


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