Em meio a uma queda da demanda por gás pela indústria, que ainda sofre as consequências da redução da atividade econômica, e a reclamações sobre o aumento da queima do insumo nas plataformas de produção de petróleo, que chegou ao pico de 12 milhões de metros cúbicos/dia no mês de junho, a diretora de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster, rebate afirmações de que há sobra do produto no Brasil.
Segundo ela, isso não é tão verdadeiro assim. Na ponta do lápis, diz que a atual demanda é de 85,6 milhões de metros cúbicos para uma oferta final de 92 milhões. Os volumes incluem o consumo interno da própria Petrobras em suas refinarias e fábricas de fertilizantes e as unidades de processamento de gás (UPGN´s) que é garantido através de acordos de nível de serviço entre as áreas de Gás e Energia e as de Abastecimento.
Graça prefere chamar a diferença de 7 milhões de metros cúbicos entre a oferta e a demanda de "potencial de flexibilidade" da companhia, lembrando que a estatal tem obrigações contratuais com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de reservar 28,4 milhões de metros cúbicos/dia de gás para geração de 5.352 megawatts (MW) de energia térmica durante os 365 dias do ano e outros 500 MW usando óleo como combustível.
Mas o gás reservado para a geração de energia não tem previsão de uso nos próximos nove meses. Os modelos de avaliação tanto da Petrobras quanto do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) constatam esse fato. As razões passam pela oferta abundante de energia hidráulica trazida pelo período úmido que teve mais chuvas do que a média e pela queda do consumo de energia pelo setor industrial.
Para oferecer o gás disponível ao mercado, a Petrobras marcou leilão no dia 22 de setembro quando as distribuidoras poderão comprar até 22 milhões de metros cúbicos de gás/dia. Quem comprar nesse novo leilão (além do preço mais barato do que nos contratos normais oferecido em todos os leilões) terá contratos com prazo mais longo, de seis meses. Os leilões anteriores foram de curto prazo, com validade de um ou dois meses. A nova modalidade será apresentada às distribuidoras de gás do país na próxima semana.
Desde março já foram realizados 10 leilões com oferta de gás, quando foram oferecidos cerca de 10 milhões de metros cúbicos/dia que tiveram demanda entre 5 milhões e 6 milhões de metros cúbicos/dia. Os descontos no preço variaram entre 30% e 35%. Segundo Graça, esse novo "produto", como ela chama o leilão, só foi possível porque a Petrobras está segura de que não haverá demanda por geração térmicas a gás até o fim do ano e primeiro trimestre de 2010.
"Agora o mercado secundário de gás começa a funcionar", afirma a diretora, que começou a planejar essa modalidade de oferta quando ainda era secretária executiva de petróleo e gás do Ministério de Minas e Energia durante a gestão da ministra Dilma Rousseff. "O mercado não-térmico está sendo desenvolvido pela Petrobras há 20 anos e é muito valioso para nós porque me dá uma receita firme. As distribuidoras são o nosso cliente mais fiel e vamos trabalhar as flexibilidades e as modulações para testar esse novo produto."
A diretora mostra em que o consumo de gás não térmico no país, dos quais 78% são utilizados pelo setor industrial, está começando a reagir. Aumentou de 28,2 milhões de metros cúbicos/dia na média de janeiro de 2009 para 34,1 milhões em julho. E a estimativa é que o consumo de agosto seja de 34,9 milhões de metros cúbicos de gás. Se ainda não chega aos 37,9 milhões verificados em setembro do ano passado, a tendência é de clara recuperação.
Como o parque termelétrico da Petrobras - 14 usinas com capacidade de gerar 7 mil MW em março de 2010, equivalentes a meia Itaipu - terá mais ociosidade, Graça decidiu desenvolver o mercado secundário no país usando as flexibilidades de suprimento vindos da Bolívia, GNL e dos campos que produção de gás não associado. "Temos de testar a aceitação desse produto", diz, lembrando que de 1998 a 2009 a Petrobras investiu R$ 33,9 bilhões para flexibilizar o mercado, o que inclui a aquisição de térmicas do tipo "merchant". E neste semestre a área registrou lucro operacional de R$ 477 milhões, o primeiro resultado positivo não resultante de efeito contábil.
A companhia também pretende começar estudos para oferecer contratos firmes de exportação de energia elétrica em determinados períodos do ano. No primeiro semestre deste ano a Petrobras exportou cerca de 144 MW médios e prepara estudos para tornar mais efetivo esse novo negócio. Ela não dá nomes a potenciais compradores, e os mais prováveis são Argentina e Uruguai, dizendo que a gestão disso é do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Aneel. "Com nossa malha de gás, mais o GNL e mais a flexibilidade proporcionada pelo contrato da Bolívia é possível fortalecer a integração elétrica e gasífera da região", aposta.
Estatal acelera definição sobre escoamento de Tupi
A Petrobras tem pressa na definição do sistema de escoamento de gás natural que será produzido nos campos do pré-sal. No dia 19 de outubro a companhia recebe as propostas para três projetos de engenharia básica - conhecidos no setor como Front End Engineering and Design (Feed) - para detalhamento de um projeto para liquefazer o gás natural que será produzido no campo de Tupi em cima de uma plataforma flutuante distante 300 quilômetros da costa. Ninguém ainda fez isso no mundo.
A diretora de Gás e Energia da estatal, Maria das Graças Foster, não menciona o nome das empresas que estão participando da licitação, mas não desmente notícias de que são a Modec, SBM, Saipem, KBR e a Technip estão competindo. Os ganhadores do processo vão assinar contrato em dezembro e terão um ano para apresentar os projetos, que precisarão estar concluídos em dezembro de 2010.
Graça, como é chamada, explicou que em dezembro do próximo ano a empresa também terá pronto o projeto de um gasoduto para transportar o gás de Tupi. "Quando todos os projetos ficarem prontos vamos analisar se estratégica, economica e tecnicamente é mais interessante fazer GNL-E (gás natural liquefeito embarcado) ou se faremos gasoduto mesmo", explica.
Segundo ela, do ponto de vista técnico e estratégico é pouco provável que a Petrobras opte por um gasoduto, dada a distância e pouca flexibilidade. Mas a decisão final vai depender dos preços. "O grande desafio desse projeto é o custo. E se as empresas salgarem a mão nos custos não vão levar", avisa a diretora, de forma enfática.
(Por Cláudia Schüffner, Valor Econômico, 28/08/2009)