A lógica do pagamento pelos serviços ambientais (PSA), tema de projeto de lei no Congresso Nacional, já alavanca propostas economicamente viáveis de restauração de florestas nos domínios da Mata Atlântica. Quem avisa é Miguel Calmon, diretor do programa de conservação desse bioma da ONG The Nature Conservancy (TNC) e coordenador-geral do Conselho de Coordenação do Pacto pela Mata Atlântica, lançado em maio com a adesão de 113 organizações, entre ONGs, instituições de pesquisa e empresas, e a ambiciosa meta de refazer 15 milhões de hectares de florestas até 2050.
Dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Fundação SOS Mata Atlântica revelam que no período 2005-2008 o bioma perdeu 102,9 mil hectares de cobertura florestal nativa, em dez Estados. Por outro lado, segundo Calmon, a restauração da Mata Atlântica custa, em média, US$ 1 mil por hectare. O que quer dizer que a meta só será cumprida com políticas públicas favoráveis e mecanismos de mercado para alavancar a restauração. "O bioma é majoritariamente ocupado por propriedades privadas. A recomposição será atrativa como alternativa econômica para áreas de baixa rentabilidade."
Além do pagamento pelo sequestro de carbono, cujo futuro depende de negociações internacionais, os plantios para proteger recursos hídricos representam um mercado promissor, sobretudo onde comitês de bacia hidrográfica instituíram a cobrança pelo uso da água, diz o coordenador. É o caso do comitê das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que replica um projeto iniciado em Extrema (MG), pela prefeitura, de ressarcimento a produtores rurais pela conservação de matas. E do comitê estadual da bacia do Rio Guandu, no Rio de Janeiro, que remunera em até R$ 200 ha/ano proprietários que mantêm florestas em pé.
Mas a proposta mais ambiciosa teve início em junho, com o plantio simbólico de 500 mudas de árvores ao lado do reservatório Cachoeira, em Piracaia (SP), um dos abastecedores do Sistema Cantareira, que fornece água para a Grande São Paulo. Viabilizada pelo aporte de US$ 1,5 milhão da Dow Química à TNC, nos EUA, a iniciativa tem apoio da Sabesp para recompor 350 hectares com mata nativa no entorno da represa. Segundo Calmon, o cultivo atende o padrão Climate Community and Biodiversity Standards (CCBS), que gera créditos de neutralização do carbono. Vendidos no mercado voluntário, esses créditos sustentarão
Há nove anos trabalhando com o mercado voluntário, a Fundação SOS Mata Atlântica já está perto dos 12 mil hectares de florestas nativas plantadas, segundo a gerente de restauração florestal, Ludmila Pugliese, por meio de dois programas permanentes. Lançado em 2000, o Clickarvore, que tem o Bradesco como maior apoiador, usa a internet como ponte. Os clics de internautas geram pontos que resultam na doação de mudas, pagas por empresas ao custo de R$ 1,20 a unidade. Donos de terras também usam o site para se candidatarem à doação de 5 mil a 50 mil mudas. E assumem as outras despesas, como retirada das plantas e cuidados no campo.
Criado em 2004, o segundo programa, Florestas do Futuro, foi impulsionado pela tendência de neutralização voluntária das emissões de carbono. Empresas pagam à SOS Mata Atlântica o equivalente a R$ 10 por muda nativa, valor que também cobre despesas com plantio e acompanhamento técnico por dois anos nas propriedades selecionadas. A área mínima é oito hectares, para o plantio de pelo menos 15 mil mudas.
"Apenas operacionalizamos o plantio, já que os cálculos do número de árvores para neutralizar as emissões da empresa, indivíduo ou evento, cabem a consultorias especializadas, como MaxAmbiental e Key Associados", esclarece o diretor de mobilização, Mário Mantovani. Como todas as doações da ONG visam a recompor reservas legais, ou áreas de preservação permanente, os contemplados se comprometem a não cortar as árvores no futuro.
Segundo Ludmila, além de um viveiro próprio em Itu, instalado numa fazenda cedida por 20 anos pela Schincariol, a ONG usou o mecanismo de compra antecipada para patrocinar a implementação de 32 viveiros. A instalação do viveiro, que produzirá até 200 mil mudas anuais, se dá com cerca de R$ 80 mil, pagos em troca da produção total do primeiro ano. Depois, a SOS paga cerca de R$ 0,60 por muda, além de manter treinamento de pessoal, e um sistema de gerenciamento on line.
Interessado inicialmente em neutralizar as emissões de suas atividades, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também elegeu a Mata Atlântica como alvo do primeiro edital de apoio à restauração do bioma. Reservou R$ 15 milhões de seu Fundo Social para patrocinar a recomposição de cerca de mil hectares em unidades de conservação da natureza e matas ciliares, que beiram e protegem os cursos d´água. Entre as premissas, constam o tamanho da área, de 50 a 500 hectares, a execução por órgãos públicos ou sem fins lucrativos, a capacitação de mão de obra local, e o acompanhamento pós-plantio por quatro anos.
Segundo Raul Andrade, gerente do departamento de gestão do Fundo Amazônia, as 51 consultas recebidas até 1º de julho ficarão em análise até setembro, quando começará a seleção final. "Tivemos o cuidado de reservar para o BNDES os eventuais créditos de carbono decorrentes dos plantios", ressalta.
"O prazo foi curto para localizarmos áreas do tamanho exigido na região sul da Grande São Paulo, onde estão as cabeceiras das represas Billings e Guarapiranga", afirma o engenheiro florestal Eduardo Quartim, coordenador de projetos do Instituto Ecoar, que presta apoio à restauração florestal em pequenas propriedades, simultânea a cultivos comerciais de eucaliptos e pinus.
Ao consultar prefeituras da Região Metropolitana de São Paulo, a ONG soube, informalmente, que as áreas maiores estão, em geral, reservadas à compensação ambiental. É a região cortada pelo trecho Sul do Rodoanel Mario Covas, com fortes impactos na área de proteção de mananciais.
Responsável pelo empreendimento, a Dersa comprometeu-se a recompor mais de mil hectares com espécies nativas para compensar os danos ambientais, confirma Gilberto Marson, secretário de Gestão Ambiental de São Bernardo do Campo (SP), um dos municípios impactados. Entre outros, um trecho à esquerda da Via Anchieta está em processo de desapropriação, para criar um parque municipal. Outras contrapartidas aos impactos das obras estão em negociação.
(Por Silvia Czapski, Valor Econômico, 28/08/2009)