Grandes empresas que tentam aumentar a presença no mercado de destinação de resíduos sólidos estão procurando apoio do governo para implantar no Brasil a incineração de lixo em larga escala. O argumento é de que a tecnologia evoluiu nos últimos anos e tornou-se ambientalmente segura, o que a coloca como melhor saída para centros urbanos onde começa a faltar área para aterros sanitários - como a grande São Paulo e algumas cidades litorâneas. Desde junho representantes do setor de limpeza urbana têm frequentado gabinetes de deputados e senadores para conseguir apoio a projetos com incentivos à construção das usinas e para a energia elétrica produzida pela incineração. Os primeiros resultados começam a aparecer.
O principal alvo dos empresários é o projeto que cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em tramitação lenta desde 1991, mas que ganhou novo fôlego com a entrada de um substitutivo do Planalto e a chegada do deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) à relatoria - o deputado aprovou uma lei do tipo para São Paulo em 2005, quando era deputado estadual. O projeto cria normas mais estritas para a destinação do lixo e garante recursos públicos para a atividade - mas privilegiou até agora apenas o tratamento do lixo e os aterros.
O deputado diz, entretanto, que o texto vai passar a apoiar a queima do lixo com geração de energia: "A incineração era um pecado mortal, mas agora tornou-se ambientalmente necessária. A emissão de poluentes não existe mais.". Segundo ele, as versões anteriores do projeto abordavam a incineração, mas sempre para proibí-la. Pela primeira vez, deverá apoiar o seu uso.
Outro alvo das empresas é um projeto que chegou recentemente ao Senado criando um regime tributário especial para fontes alternativas de energia elétrica - como solar, eólica e marítima. A idéia é incluir a queima de lixo no pacote e tentar associar sua tramitação à da política de resíduos sólidos.
Dona do maior aterro sanitário de São Paulo, no município vizinho de Caieiras, a Cavo - subsidiária da Camargo Corrêa na área de resíduos sólidos - vem acompanhando de perto a discussão e também defende a chegada da incineração ao país. Segundo João Carlos David, diretor da empresa e também presidente da Associação Brasileira das empresas de Limpeza Pública (Abrelpe), a chegada da incineração de lixo com geração de energia ao país é inevitável.
O aterro de Caieiras, com 350 hectares, observa, já teve que ser instalado fora de São Paulo para acomodar as 10 mil toneladas de lixo que a cidade produz diariamente - outro terreno do tipo pode ser mais difícil de se encontrar. O executivo diz que tem estudado as tecnologias disponíveis e seu custo, e defende a criação de incentivos para torná-las viáveis. O preço da energia pode chegar a R$ 210,00 o MWhora, bem acima do valor do mercado.
Vice-presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) e executivo da área de Engenharia Ambiental da Odebrecht, Newton Azevedo defende que a tendência mundial é substituir o modelo de disposição do lixo em aterros pela sua transformação - o que favorece seu uso para a geração de energia. Segundo o executivo, a idéia de que no Brasil o aterro ainda é mais barato é relativa: "O lixo tem que ser levado para cada vez mais longe, e isso tem um custo. Em São Sebastião e Camboriú, no litoral paulista, o lixo precisa subir a serra durante a temporada", diz o executivo.
No Brasil, as únicas experiências de geração de energia do lixo vêm do aproveitamento do gás metano gerado pelos aterros para mover usinas térmicas. Há duas usinas do tipo em São Paulo e uma terceira deve ser construída até o final do ano em Salvador pela Vega, maior empresa no setor de limpeza urbana. A um custo de R$ 40 milhões, a usina terá potência de 17 MW, e a energia deverá sair por R$ 160 a R$ 170 cada MW, o que a tornou viável.
Mas no caso da incineração, a Vega tem um histórico menos animador. A empresa ganhou em 1995 o único edital de incineração com geração de energia já lançado no país, promovido pelo município de São Paulo. A usina, que custaria R$ 350 milhões, nunca saiu do papel por inviabilidade econômica. Segundo Tadatuki Yoshimura, diretor da Vega, a prefeitura deveria pagar pelo menos R$ 200 por tonelada pela destinação do lixo para o custo se equilibrar. Hoje, a prefeitura paga cerca de R$ 40 por tonelada. "Na Europa, a média é de US$ 100, por isso lá a incineração é viável", diz.
Segundo Yoshimura, a escassez de espaço tende a tornar a opção pelo aterro mais cara: um terreno distante significa mais caminhões, mais funcionários, combustível, e maior dificuldade para o município vizinho autorizar sua instalação. Um exemplo de falta de espaço é o município de São Caetano, incrustado no ABC paulista. O município não tem mais área para implantar um aterro, e nem mesmo uma usina de reciclagem. Se um dia o município não puder mais "exportar" seu lixo, terá de incinerá-lo.
Para as grandes empresas do setor de engenharia e construção, a chegada da incineração é vista uma oportunidade de negócios exatamente pelo alto custo e pela alta exigência tecnológica. Com raras exceções, o ramo de limpeza urbana é dominado por empresas locais com baixa capitalização e sem grandes qualificações técnicas. A chegada da incineração é um meio de criar barreiras para as menores. "Nossa empresa tem vocação para lidar com tecnologia, o que nos interessa é a destinação final do lixo", diz Newton, da Odebrecht.
(Por Fernando Teixeira, Valor Econômico, 27/08/2009)