O verde do partido que abriu as portas para a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva é mais forte na bandeira da legenda do que nas proposições apresentadas no Congresso. Das 305 propostas em tramitação na Câmara formuladas pelo PV na Câmara, 81 (26%) estão relacionadas ao meio ambiente. Três dos 14 parlamentares que compõem a bancada não propuseram sequer um projeto de lei envolvendo questões ambientais, principal diretriz do programa da legenda. Cinco deputados são autores de, nada menos, do que 65 (80%) dessas iniciativas.
Depois do meio ambiente, as áreas do trabalho e da defesa do consumidor são as mais visadas pelos parlamentares do PV. Uma é objeto de 26 projetos; a outra, de 25. Mudanças na legislação penal e nas regras da radiodifusão vêm logo a seguir na lista de preocupações dos representantes do partido, com 21 e 17 proposições respectivamente. Clique aqui para conferir as propostas dos deputados do PV.
Tão diversificada quanto o repertório legislativo da bancada é a origem dos parlamentares. Três empresários, dois médicos, um cantor de forró, um pedagogo, um jornalista, um comerciante, dois advogados, um bacharel em direito e um “consultor empresarial em comportamento humano” formam o diversificado grupo ao qual a senadora Marina Silva (AC), recém-desfiliada do PT, deverá se juntar, a partir do próximo 30, no Congresso.
As diferenças não param por aí. Somente três parlamentares têm o PV como seu único partido até o momento, de acordo com registros disponíveis na página da Câmara: o mineiro Antonio Roberto, o baiano Edigar Mão Brana e o paulista Marcelo Ortiz. A sigla reúne egressos dos dois principais partidos de oposição – DEM (ex-PFL) e do PSDB – e dos governistas PTB, PMDB, PR, PSB, PDT, PCdoB e PT.
Embora participe do governo Lula, com o ministro da Cultura, Juca Ferreira, o PV tem no deputado Fernando Gabeira (RJ), um dos principais críticos da gestão petista no Parlamento, seu grande ícone. Nas eleições de 2008, o partido marchou ao lado do DEM, em São Paulo, e do PSDB, no Rio, onde Gabeira foi o candidato dos tucanos. Com 34 deputados estaduais, o partido fez 1.237 vereadores e 76 prefeituras, entre elas, a de Natal.
Fogo amigo
O constante deslocamento para a oposição rendeu críticas do ministro da Cultura à direção do partido. “O PV não está preparado para receber a Marina. O grande perigo é que a questão ambiental em si não é capaz de mobilizar o eleitorado. Prefiro trabalhar com a ideia de alianças", disse Juca Ferreira na semana passada, em sabatina na Folha de S. Paulo. “Acho que o Partido Verde é mais problemático que a Marina", emendou o ministro, acrescentando que o PV vive "uma crise profunda". A crítica foi rebatida pelo vice-presidente do PV, Alfredo Sirkis, como uma “declaração infeliz” do companheiro de legenda.
Mas cientistas políticos ouvidos pelo Congresso em Foco concordam com o ministro: a falta de homogeneidade do partido dificilmente permitirá decolar a eventual candidatura da ex-ministra do Meio Ambiente à Presidência. Murillo de Aragão e o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Fernando Abrúcio descartam qualquer similaridade entre o Partido Verde brasileiro e seus congêneres europeus e americano.
Saco de gatos
"É um saco de gatos", afirma o professor da FGV. Para ele, a confusão interna é tão grande que dificilmente a ministra terá tempo suficiente para "fazer uma limpeza no partido". "A Marina é o chantilly e a cereja do bolo, que vai continuar sendo o mesmo na campanha presidencial", compara. Na avaliação de Abrúcio, o PV é formado por, no máximo, dez ambientalistas. "O resto, o grosso, não é ambientalista nem do estilo europeu nem do gosto da Marina Silva", completa.
Murillo de Aragão vê no PV uma legenda dependente do carisma de personalidades, como Gabeira, o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil e, agora, Marina Silva. “O partido depende mais das pessoas do que de sua bandeira, que é bela, mas não está embalada de maneira adequada. Não acredito que, com a entrada de Marina, o PV se tornará um partido nacional”, considera.
O analista acredita que o PV errou ao lançar, desde já, a candidatura de Marina à sucessão de Lula. “O Gabeira seria um candidato mais efetivo, porque tem um discurso que ultrapassa a barreira do meio ambiente. Ele tem densidade eleitoral no Rio, um dos maiores colégios eleitorais do país. O PV teria uma solução dentro de casa. A candidatura da Marina serve mais ao PV do que a Marina”, avalia.
Ele diz que a senadora terá de mudar de postura para ter alguma chance na disputa eleitoral. “A candidatura de Marina é monotemática, como foi a do Cristovam Buarque (PDT) em 2006. Ela tem comunicação pessoal difícil. Para conquistar alguma coisa, ela terá de adequar o discurso e ganhar musculatura política.” Murillo também prevê dificuldade para qualquer candidato superar o peso das “máquinas petista e tucana”.
Apesar disso, ele acredita que a presença da senadora será importante na disputa eleitoral porque tira votos tanto da ministra Dilma Rousseff quanto do governador José Serra. “Existe uma franja entre os eleitores de Dilma e Serra, que vai de 2% a 8%, que está disponível para outro candidato, seja ele Marina, Ciro, Cristovam ou Heloísa Helena.”
Mudanças
Um dos fundadores do PV, em 1986, Gabeira diz que o partido é “no mínimo heterogêneo” e precisa passar por mudanças profundas. Mas vê na chegada de Marina o início da transformação. "Em 1992, durante a reunião da Eco-92, no Rio de Janeiro, a principal discussão era do aquecimento global. Agora temos vários temas ambientais tão importantes quanto este", afirma.
Segundo o deputado, é preciso trabalhar um programa partidário que lute por uma sociedade com baixa produção de carbono. "Precisamos lutar contra a crise econômica aliada com a crise ecológica", defende. Gabeira voltou ao PV em 2005, depois de uma passagem de dois anos pelo PT (2001-2003).
Mas a posição de Gabeira dentro da bancada nem sempre é das mais cômodas. Em 2007, os deputados Roberto Santiago (PV-SP) e Dr. Nechar (PV-SP) chegaram a entrar com representação na Corregedoria da Câmara contra o colega de partido. Em entrevista à revista Playboy, Gabeira criticou, sem citar nomes, os deputados recém-filiados ao PV que apoiavam o governo. “Eles são mesmo estelionatários eleitorais e se transformaram em carimbadores do governo na Câmara”, disse.
Dr. Nechar considera que a crise interna foi superada. “A bancada tem suas rusgas de vez em quando, porque é muito heterogênea, mas é bastante unida”, afirma. Para ele, as diferenças entre os deputados fortalecem a legenda. “A bancada é muito heterogênea, mas essa diversidade é benéfica, porque não estamos atuando numa área só”, observa.
Ao lado de Lindomar Garçom (RO) e Fábio Ramalho (MG), Dr. Nechar é um dos deputados do PV que não apresentaram nenhum projeto de lei voltado ao meio ambiente. Autor de 15 proposições, como a que autoriza as emissoras de rádio e TV educativas de veicularem comerciais, o paulista diz que está afinado com as questões ambientais. “Estou muito envolvido com as discussões do Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Faço parte de um grupo de estudos que pretende reformulá-lo. Quero ser relator do projeto”, explica.
Nova identidade
A iminente chegada de Marina ao PV já mexe com o partido. Apesar de não ter confirmado sua filiação, a senadora acreana indicou dez pessoas de sua confiança para participarem de uma comissão que está revendo o conteúdo programático da legenda. Uma das preocupações da senadora é a falta de afinidade de alguns parlamentares com a questão ambiental.
“Havia a necessidade de o PV crescer para não ser extinto”, diz Gabeira, ao lembrar que o partido facilitou a entrada de deputados de outras legendas, na eleição de 2006, para fugir da chamada cláusula de barreira, instrumento que exige dos partidos determinada composição na Câmara para continuarem a ter direito a espaço no horário eleitoral e no fundo partidário. “Isso limitou um pouco os mecanismos de controle", admite.
O partido, porém, ainda corre o risco de ficar nos próximos dias sem sua principal fonte de recursos. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ameaça vetar o repasse de R$ 7 milhões a que o PV tem direito como fundo partidário. A legenda é acusada de ter cometido irregularidade na prestação de contas, como falsificação de notas fiscais, fraudes na apresentação de despesas e desvio de recursos. A direção do partido alega que houve apenas desorganização na prestação das contas. O caso está nas mãos do ministro Arnaldo Versiani.
(Por Edson Sardinha e Mário Coelho, Congresso em Foco, 24/08/2009)