Um dos assuntos favoritos do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), é a proximidade com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a parceria com o governo federal. Cabral gosta de falar das visitas de Lula ao Rio, cita valores de investimentos, comemora a aliança política entre União, Estado e a capital. Um tema, no entanto, tira o governador do sério: as regras para exploração do petróleo pré-sal.
Cabral não aceita o projeto em estudo no governo que distribui os royalties para todos os Estados e municípios, inclusive aqueles onde não há exploração do petróleo. O Rio seria um dos grandes prejudicados por esse modelo, assim como outros Estados produtores. "Não há nada que me faça permitir que o Rio seja assaltado", reage, para depois alertar: "São Paulo será assaltado também."
Outro ponto atacado pelo governador é a fatia reservada à Petrobrás de, no mínimo, 30% do valor do produto extraído. A estatal será a única operadora dos campos de pré-sal. "É uma vergonha", critica. "A Petrobrás não é maior que o Brasil. A lógica do Brasil não deve seguir a Petrobrás", disse, em entrevista ao Estado de S. Paulo, na manhã de quinta-feira (20/08).
O Estado de S. Paulo - O Rio vai sair perdendo no marco regulatório do pré-sal. Como o senhor reage a isso?
Sérgio Cabral - Estamos falando do regime. Hoje são royalties e participação especial. Querem mudar para partilha. É um grande equívoco com o Brasil, com o sistema. Porque o petróleo é um produto muito importante, é um critério injusto diante de outros produtos que outros Estados produzem e nós não nos beneficiamos. O Rio de Janeiro foi garfado na Constituição de 88 com esse item em que o ICMS é cobrado na ponta, no destino, não na origem. Junto com a produção da energia elétrica, foi um assalto a nós, ao Espírito Santo, à Bahia, à Sergipe, ao Paraná. No caso do pré-sal, agora vai prejudicar São Paulo. Estamos falando em 2020, 2021, 2022. É uma injustiça. São Paulo hoje tem pré-sal, Rio, Espírito Santo. Não tem cabimento.
Que consequências o sr. prevê?
Cabral - Vai gerar uma instabilidade no mercado internacional. A Petrobrás tem hoje um conjunto de investimentos, o que já foi descoberto e o que já foi leiloado. A Petrobrás está se organizando para uma demanda importante. Ela tem uma necessidade monstruosa de compra de sondas, de plataformas, de navios, perfuradoras. São US$ 130 bilhões em quatro, cinco anos (o plano estratégico da Petrobrás prevê investimentos totais de US$ 174,4 bilhões, de 2009 a 2013). Tudo para o que já foi descoberto. São 25% a 30% do pré-sal (os blocos já concedidos, em relação a toda a faixa do pré-sal).
Na proposta que querem mandar para o Congresso, isso não seria tocado, e sim os novos. E nos novos, nesse regime de partilha, a Petrobrás sairia comodamente, sentadinha na cadeira, com 30%. Isso é uma vergonha. Uma vergonha! A Petrobrás, porque não tem capital suficiente... Por que pararam as licitações dos blocos convencionais? Foi porque a Petrobrás não tem mais dinheiro para investir? A lógica do Brasil não deve seguir a da Petrobrás. A Petrobrás é uma grande empresa, orgulho dos brasileiros, mas não é maior do que o Brasil.
Os 30% da Petrobrás parecem garantidos.
Cabral - É um absurdo, é um cartório absolutamente absurdo. Vou ser contra, não há nada que me faça permitir que o Rio seja assaltado. Eu advirto São Paulo: nesse caso, São Paulo será assaltado também.
Tem ideia do prejuízo?
Cabral - Não tenho, mas é um absurdo. São bilhões e bilhões. Você hoje tem dois sistemas: royalties para o barril e participação especial, que se dá para campos de produção em larga escala. O que a União pode fazer por decreto? Mudar a participação especial para blocos e campos menores - e o mercado aceita isso - e aumentar a alíquota da participação especial. É um processo do mundo inteiro. Não dá para comparar o Brasil com a Noruega, que tem cinco milhões de habitantes. Eu também queria que nós fizéssemos como a Noruega na educação, na saúde. Não no petróleo, em que a lógica é outra.
Como o presidente Lula se posiciona em relação a isso?
Cabral - O presidente é um democrata, ele ouve todo mundo. É o papel dele. Mas uma hora a decisão será dele. Nesse caso a União, com os royalties e a participação especial, tem praticamente 50% de tudo. Francamente, é recurso suficiente. Quer investir em educação? Em combate à pobreza? Quer entregar para o Nordeste, para o Norte, para o Centro-Oeste? Agora, mandar uma mensagem dessa ao Congresso é uma covardia com o Rio de Janeiro, com São Paulo, com o Espírito Santo, quem sabe Paraná, Santa Catarina, Sergipe. Quer um regime distributivo. E ainda enfia o bacalhau de 30% da Petrobrás para garantir.
Diz "olha aí, Rondônia, você vai ganhar um dinheiro que só o Rio de Janeiro hoje ganha". E olha a maldade: este ano o Estado do Rio vai receber R$ 4,7 bilhões de royalties e participação especial. Se o ICMS fosse na origem, receberíamos R$ 8 bilhões. Então, tudo bem, volta com o ICMS na origem para o Estado do Rio e começamos a conversar. Aí dizem, "mas não é no seu governo. Não é para você, Sérgio". Ora! Isso eu não vou admitir. Essa pecha eu não vou aceitar.
(Por Luciana Nunes Leal e Fernando Paulino Neto, O Estado de S. Paulo, 23/08/2009)