A escassez de terras aráveis no mundo está estimulando o surgimento de uma nova espécie de colonialismo, à qual muitos países pobres se submetem por necessidade. Governos e fundos de investimento vêm comprando terras para plantio na África e na Ásia - um negócio lucrativo, diante do crescimento da população global e da elevação dos preços dos alimentos.
Com base em muitos prognósticos, em 2050 a Terra terá uma população de 9,1 bilhões de habitantes, 2 bilhões a mais do que hoje. E nos próximos 20 anos, a demanda mundial de alimentos deve aumentar 50%. Para a plateia reunida recentemente num hotel de luxo de Nova York, participando do Global AgInvesting 2009 - a primeira conferência de investidores sobre o emergente mercado mundial de terras agrícolas -, essa é uma grande notícia. Afinal, a fome é o seu negócio.
Essa combinação de mais habitantes e menos terras produtivas torna o investimento em alimentos uma operação segura, com lucros anuais de 20% a 30%, o que é raro no atual clima econômico. A reunião desses fatores desencadeou esse jogo de Monopólio real, em que as apostas são altas e envolvem fundos de investimento, bancos e governos numa corrida para ter acesso às terras aráveis do mundo.
Susan Payne, uma britânica de cabelos ruivos, é diretora do maior fundo de terras da África Ocidental, que engloba 150 mil hectares, principalmente na África do Sul, Zâmbia e Moçambique. Susan pretende levantar 500 milhões com os investidores. A terra, extremamente fértil em algumas regiões, é muito barata nesse continente empobrecido. O fundo de Susan paga de US$ 350 a US$ 500 por hectare em Zâmbia, cerca de um décimo do preço pago na Argentina ou nos Estados Unidos.
Para o pequeno agricultor na África, a produção média por hectare continua inalterada em 40 anos. Com fertilizantes e mais irrigação, essa produção pode quadruplicar - e da mesma maneira os lucros. São condições perfeitas para os investidores. Estamos no segundo ano de uma crise econômica global e eles estão em busca de investimentos seguros. Por isso, a plateia em Nova York é formada não só de administradores de fundo hedge e executivos do setor agrícola, mas também de representantes de grandes fundos de pensão e diretores financeiros de cinco universidades.
O alimento está se tornando o novo petróleo. As reservas mundiais de grãos sofreram uma queda recorde no início de 2008, e a explosão de preços em decorrência disso provocou uma reviravolta no setor, como ocorreu com a crise do petróleo nos anos 70. Ocorreram motins em muitos lugares por causa da falta de pão. Por isso, 25 países, incluindo alguns dos maiores exportadores de grãos, estabeleceram limitações à exportação de alimentos.
O que é diferente nesse tipo de colonialismo é que os países aceitam de boa vontade ser conquistados. O primeiro-ministro da Etiópia disse que seu governo está "ansioso" para facilitar o acesso de investidores às centenas de milhares de hectares de terra agrícola. O ministro da Agricultura da Turquia anunciou: "Escolham e peguem o que desejarem." Em meio a uma guerra contra o Taleban, o governo paquistanês organizou uma mostra itinerante em Dubai, para atrair xeques com deduções fiscais e isenção de leis trabalhistas.
Todos esses esforços têm por base duas esperanças em comum. A primeira é a de que as nações pobres consigam desenvolver e modernizar os seus depauperados setores agrícolas. A segunda é a esperança do mundo de que os investidores estrangeiros na África e Ásia consigam produzir alimentos suficientes para um planeta que logo contará com 9,1 bilhões de habitantes.
Na prática, significa levar consigo tudo aquilo que falta a esses países, como tecnologia, capital e conhecimento, fertilizantes e sementes modernas. O objetivo, em muitas partes da África, é aumentar em dez vezes a colheita. Estimativas anteriores previram, de fato, um declínio da capacidade de produção de 3% a 4% em 2080, comparado com os dados de 2000.
Se os investidores tiverem sucesso, poderão conseguir o que as agências de desenvolvimento foram incapazes de fazer nas duas últimas décadas: reduzir a fome que hoje atinge um número de pessoas nunca visto, 1 bilhão em todo o mundo. No melhor dos casos, pode ser uma situação em que todos ganham, com lucros para os investidores e desenvolvimento para os pobres.
(Por Horand Knaup e Juliane von Mittelstaedt, Der Spiegel / O Estado de S. Paulo, 23/08/2009)