A divulgação precipitada ou descuidada de dados climáticos pode resultar em alarmes falsos e fazer o público se desinteressar pelas questões climáticas
Enquanto a administração Obama segue com planos modestos para atacar o aquecimento global, a batalha da opinião pública sobre a questão continua acirrada como sempre. Alguns tropeços científicos recentes contribuíram para agravar a situação. Na verdade, forneceram argumentos para os que não acreditam nas mudanças climáticas e alguns deles aproveitaram os erros para atacar a credibilidade dos cientistas e influenciar a opinião pública.
Muitas organizações científicas, como o Goddard Institute for Space Studies, da Nasa, agora liberam dados (alguns quase em tempo real) em suas páginas na internet. As informações variam de números brutos divulgados por estações meteorológicas a valores calculados mensalmente de anomalias da temperatura global, por exemplo, que representam desvios de temperatura da média histórica. Normalmente se fazem correções e ajustes à medida que os equipamentos são checados os experimentos refeitos.
No ambiente politicamente pesado do momento, entretanto, essas correções de rotina se tornaram munição na guerra do aquecimento. Em novembro do ano passado, por exemplo, usuários da internet descobriram que dados brutos de estações meteorológicas russas, reproduzidos incorretamente, contribuíram para que se suspeitasse de uma anomalia de alta temperatura publicada por Goddard.
Há dois anos, o blog Climate Audit, mantido por cientistas amadores e o autodenominado “auditor científico” Steve McIntyre, descobriram que um erro em um algoritmo de computador classificou 1998 como o ano mais quente nos Estados Unidos, quando o correto seria 1934. A alteração não afetou significativamente os valores globais: 1998 continua sendo o ano mais quente, de acordo com os satélites, embora Goddard aponte 2005 como ligeiramente mais quente.
Mas talvez o erro que mais rendeu publicidade aos céticos tenha ocorrido em fevereiro, quando um sistema automatizado do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo (NSIDC, na sigla em inglês) divulgou informações sobre a extensão do gelo marinho do Ártico. Os dados revelaram um pequeno, mas sério tropeço, ao indicar que gelo suficiente para cobrir a Califórnia havia subitamente desaparecido.
Os leitores da internet atacaram, enviando e-mails para o NSIDC e também para blogueiros céticos como o meteorologista Anthony Watts. Seu blog, Watt’s Up with That? (O que está acontecendo com isso? ─ é um trocadilho com o sobrenome Watts) é lido diariamente por cerca de 21 mil pessoas em todo o mundo (de acordo com o Quantcast, que compila estatísticas de websites), e o artigo de Watt sobre o erro espalhou-se rapidamente pela internet. Em poucas horas o NSIDC retirou a informação e descobriu finalmente, que o engano deveu-se a um sensor defeituoso em um satélite. Os cientistas do NSIDC admitiram o erro, corrigiram o problema usando um sensor diferente e revisaram todos os dados anteriores.
Mas o estrago diante do público já estava feito. Blogueiros céticos e seus leitores questionaram a competência do NSIDC e o acusaram de alterar dados. O Centro enviou uma nota à imprensa observando que, dados em tempo real são sempre menos confiáveis que dados arquivados completamente revisados.
O caso, que em outra situação teria passado despercebido, se espalhou pelos noticiários, e o NSIDC teve que aceitar as críticas. “Fomos muito ingênuos”, admite Walt Meier, um dos pesquisadores do Centro. “Não estávamos preparados para sofrer uma vigilância tão cerrada.” A comunidade científica sabe que esses ajustes acontecem o tempo todo, mas “a perda da confiança do público em nossos dados decorre da ignorância de seu uso”. Apesar disso, Méier continua acreditando que dados de código aberto devem ser divulgados.
Marc Morano, diretor executivo do site dissidente Climate Depot, observa: “Acredito que variações e erros de alguns conjuntos de dados são importantes.” Mas atrair a atenção para esses erros, argumenta, não é a principal razão que está fazendo os céticos ganharem terreno. Ele acredita que “a ausência de aquecimento nos últimos anos” tem ajudado sua causa. Embora esta década tenha sido, historicamente, a mais quente, não houve um ano recorde nos últimos dez anos.
Além disso, estudos recentes sugerem que flutuações naturais do clima podem continuar a mascarar a esperada onda de aquecimento por até três décadas. Morano também lembra a “quantidade de cientistas que vieram a público para discordar pela primeira vez”, embora em janeiro, uma pesquisa da University of Illinois tenha determinado que entre três mil cientistas, 97% acreditam que a humanidade desempenha papel relevante nas mudanças climáticas.
Apesar de a causa científica para a mudança climática antropogênica nunca ter sido tão forte, os tropeços e ataques podem influenciar uma parte do público, que não compreende inteiramente como a ciência funciona. Uma pesquisa de opinião efetuada em maio pela Rasmussen Reports revelou que 39% dos eleitores acreditam que os seres humanos são culpados pelo aquecimento global, contra 47% há um ano. Atualmente, pesquisadores do clima precisam revisar seu trabalho, não apenas pelas implicações científicas, mas também pelos reflexos na opinião pública.
(Por David Appell, Scientific American Brasil, 12/08/2009)