“Podemos fornecer água potável aos astronautas quando viajam à lua, mas não podemos proporcionar o mesmo serviço aos moradores do assentamento de Kibera, em Nairóbi, ou de Dharavi, em Mumbai”, disse Anders Berntell, diretor-executivo do Instituto Internacional da Água de Estocolmo. Berntell fez esta afirmação perante cerca de 2.400 participantes das conferências pela Semana Mundial da Água, que acontece na capital sueca desde domingo (16/08) e que terminará no próximo sábado (22), e das quais participam cientistas, autoridades governamentais, representantes do setor privado, de organizações não-governamentais e doadores.
A Semana acontece sob o tema “Acesso à água pelo bem comum”. Atualmente, cerca de 880 milhões de pessoas carecem de água potável no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas. Destacando as desigualdades no fornecimento e na distribuição da água no planeta, Berntell disse que a comunidade internacional precisa encontrar soluções que deem aos mais pobres acesso a estes serviços e, ao mesmo tempo, garantam que as instituições encarregadas destas tarefas sejam economicamente viáveis. Entrevistado pela IPS, Berntell se mostrou confiante de que a comunidade internacional possa cumprir um dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – estabelecidos em 2000 para serem alcançados até 2015 -, que é o de reduzir pela metade a proporção de pessoas que carecem de acesso à água segura.
IPS - Como a crise mundial da água continua aumentando, o senhor pensa que o prazo de 2015 será seguido?
Anders Berntell - Penso que podemos alcançar o objetivo especifico sobre água potável. Sem dúvida, estamos trabalhando muito melhor do que em relação ao objetivo de saneamento, no qual estamos consideravelmente fora dos trilhos. A questão é o quanto administramos bem nossos serviços hídricos e como satisfazemos as demandas de populações cada vez maiores. A mudança climática também complicará as coisas, e precisaremos pensar em medidas de adaptação. Assim, podemos alcançar a meta sobre água potável. Se conseguiremos ou não, vai depender do quanto formos bons no manejo de todas as variáveis.
No dia 22 de setembro acontecerá na ONU uma cúpula mundial sobre mudança climática. Até que ponto o aquecimento global afeta os recursos hídricos mundiais? Acredita que a água deveria figurar da agenda dessa reunião, ainda que como tema periférico?
Berntell - A água deveria ser parte de todo debate climático. É o meio pelo qual a mudança climática manifesta seus impactos mais sérios, e é a primeira frente lógica para as medidas de adaptação. Temos de romper com certo pensamento tradicional que coloca a água e o clima em áreas diferentes. Certamente não se pode abordar um sem considerar o outro. Inclusive o próprio Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), que funciona na órbita da ONU, concluiu que os recursos hídricos não são adequadamente considerados nos debates. As Nações Unidas deveriam incluir imediatamente a água em sua agenda. A mudança climática parece estar ocorrendo ainda mais rápido do que se esperava. O mundo simplesmente não pode se dar o luxo de perder mais tempo neste assunto óbvio.
Por que agora os negociadores climáticos, em geral, não estão dispostos a incluir referências específicas à necessidade de abordar a água?
Berntell - Porque, do ponto de vista deles, a água é um setor, e nesta etapa das negociações não podemos discutir medidas específicas para cada setor. Mas, este é um erro muito sério. A água não é simplesmente outro setor. É um dos elementos de nosso planeta. A água, os lagos, os rios, os lençóis subterrâneos constituem a corrente sanguínea de nosso planeta, como disse nos anos 70 nosso próprio assessor científico, Malin Falkenmark. Todos os demais setores de nossa sociedade dependem da água. Quando se vê afetada a disponibilidade de água, se vê afetada a produção alimentar, a produção energética, a silvicultura e o status sanitário dos países, entre outros aspectos. Quando a água é afetada, todas as funções de nossa sociedade o são.
Como este ano a conferência também se centrará especificamente nas águas transfronteiriças dentro e entre nações, o senhor prevê que no futuro isto será mais uma fonte de conflito ou de colaboração?
Berntell - Deveríamos ser realistas e aceitar que o conflito e a colaboração são possíveis. Mas, cremos que é preciso fazer uma forte defesa da cooperação e da colaboração. É nossa tarefa deixar isso claro às nações ribeirinhas de bacias transfronteiriças onde cada arte disputa a água. Temos de nos dar conta de que podemos influir na escolha, e podemos fazer isso desenvolvendo e compartilhando uma série de conhecimentos sobre manejo de águas transfronteiriças, e ajudando a estabelecer um “campo de jogo parelho” em regiões onde há um desequilíbrio de poder ou de influências. Em última instância, necessitamos ajudar as partes fronteiriças a se centrarem em desenvolver benefícios a partir de seus recursos hídricos compartilhados, em lugar de simplesmente competir pelo acesso e pelo volume.
(Por Thalif Deen, IPS / CarbonoBrasil, 20/08/2009)