Com impiedoso senso de oportunidade, Marina Silva decidiu anunciar a saída do PT justamente no dia em que o antigo partido da ética enterrava no Senado todas as acusações contra José Sarney. Foi um gesto de inteligência política que demonstra o forte potencial da provável candidatura ao Palácio do Planalto pelo PV. Errará quem subestimar Marina. Ao ficar mais conhecida, ela poderá construir um caminho competitivo entre os projetos presidenciais do PSDB e do PT -hoje representados pelo governador José Serra (SP) e pela ministra Dilma Rousseff.
Espécie de "Lula de saia", a biografia semelhante à do presidente assegura o ingrediente emocional que os marqueteiros adoram. A bandeira ambiental é simpática à classe média e aos formadores de opinião. A passagem ministerial lhe confere a experiência administrativa cara a tucanos. É doce, ao contrário de Serra e Dilma. Tais características tenderão a animar a juventude e os desiludidos com a política tradicional.
Um viés conservador poderá afastar fatias progressistas do eleitorado, mas agradará a estratos tradicionalistas, digamos assim. Contrária ao aborto, é uma evangélica ainda ligada à Igreja Católica. Mais: já defendeu o ensino do criacionismo ao lado do evolucionismo. Haverá obstáculos. Falta de traquejo para arrecadar contribuições de campanha. Pouca presença nacional do PV. Dificuldade para costurar alianças que garantam mais tempo no horário eleitoral. Um discurso que vá além do eixo ambiental.
O primeiro estrago atinge o PT. O eleitorado petista decepcionado com o realismo político de Lula ganha uma opção. Marina é um tiro na estratégia de Lula de apostar que, numa campanha polarizada entre PT e PSDB, esse pessoal acabaria preferindo Dilma. Mas a alegria de caciques do PSDB com o fator Marina poderá virar pesadelo. A "terceira via" também será construída na oposição. E a classe média antipetista passará a ter duas opções: Serra e Marina.
(Por Kennedy Alencar, Folha de S. Paulo, 20/08/2009)