Muitas das mais belas paisagens do Japão encontram-se em Toyama. Situado em Honshu, a principal ilha do arquipélago japonês, a região é uma planície fértil cruzada por rios cristalinos e rodeada por altas montanhas. Graças à energia extraída das águas de montanha, Toyama lidera a indústria costeira da ilha. Também se destaca pela grande qualidade de arroz e por uma atividade mineradora que começou há 1.200 anos.
Durante boa parte do século XX, o Japão esteve em guerra com a Rússia (1904-1905), a China (1937-1945) e os Estados Unidos (1941-1945). Estes conflitos geraram uma grande demanda por metais e por essa razão o crescimento da atividade mineradora em Toyoma aumentou notavelmente para satisfazê-la. E com este impulso econômico, a mina de Kamioka, propriedade da Companhia Mitsui, chegou a estar entre as maiores do mundo. Mas este grande desenvolvimento teve um aspecto negativo: a mineração contaminou o ambiente.
Durante anos, a mina de Kamioka jogou seus dejetos no rio Jinzu. Os habitantes da região beberam das águas contaminadas e também as usaram na irrigação dos campos de arroz. Depois colheram o grão contaminado e o comeram. E assim contraíram uma dolorosa doença.
A dor começava nas pernas e na coluna, depois se estendia a outras partes do corpo. Os ossos se deformavam e quebravam; diminuía a quantidade de glóbulos vermelhos e os rins funcionam mal. Houve 5.000 doentes. Sintomas que apareceram na década de 1910, mas passaram várias décadas até que se reconhecesse que se tratava de uma nova doença. Um jornal local chamou-a de Itai-Itai (em português seria algo como ai, ai), reproduzindo a interjeição que emitiam os pacientes doloridos. E, finalmente, determinou-se que os habitantes de Toyama estavam intoxicados com cádmio.
No churrasco e na salada
O cádmio é um metal azulado e tão mole que pode ser cortado com uma faca. Foi descoberto em 1817 pelo químico alemão Friedrich Stromeyer, e lhe deu esse nome porque o extraiu de um mineral chamado cadmia (palavra que deriva do grego Cadmus, nome do mítico fundador da cidade de Tebas). Se ordenássemos os elementos químicos que compõem a crosta terrestre segundo a sua abundância, o cádmio ocuparia a posição 65, um lugar intermediário.
Suas propriedades são parecidas às do zinco e é habitual que os mineiros os encontrem juntos. Um dos lugares do planeta mais contaminado com cádmio são os arredores da mina Shipham (condado de Somerset, na Inglaterra). Na década de 1970, os alunos de uma escola local plantaram alface e viram que as folhas das plantas ficavam amarelas. O solo continha 500 vezes mais cádmio que o normal.
O Programa para o Ambiente das Nações Unidas incluiu o cádmio em sua lista dos dez contaminantes mais perigosos. E descobriram que a principal razão dessa doença era que, pela ingestão de certos alimentos, se acumulava nos seres vivos. Plantas como a alface, a espinafre e o repolho absorvem facilmente o cádmio do solo. Também o pasto comido pelo gado o absorve com facilidade, assim que não temos escapatória: ingerimos cádmio cada vez que comemos uma salada, um assado, um churrasco, um hambúrguer, uma torta de verdura ou uma maçã.
Em média, uma pessoa consome 25 milionésimos de grama de cádmio por dia (a Organização Mundial da Saúde considera perigoso consumir mais de 70). Como o intestino não o absorve bem, a maior parte segue adiante; o resto entra no organismo e quando passa pelos rins é capturado por certas proteínas que o mantém imobilizado por décadas.
Uma pessoa de 50 anos carrega entre 20 e 40 milésimos de grama de cádmio no corpo. Do ponto de vista toxicológico é uma grande quantidade, mas não afeta a saúde porque está “grudado” nos rins. Mas se o organismo receber muito cádmio, as proteínas que o capturam não são suficientes e o funcionamento dos rins se altera.
Fumaça tóxica
Os fumantes incorporam o dobro do cádmio que os não fumantes, porque inalam o que se encontra nas folhas de tabaco (e os pulmões o absorvem melhor que o intestino). Quando se consome cádmio em grandes quantidades durante um longo período de tempo, como no caso dos habitantes de Toyama, mesmo que sem conhecimento, aparecem os sintomas da doença Itai-Itai.
Em experimentos de laboratório se observou que o cádmio produz câncer em camundongos. Contudo, não é cancerígeno nas ratazanas nem nos hamsters. Ainda não está claro se produz este efeito nos humanos, porque os diferentes estudos realizados até agora deram resultados contraditórios. O cádmio é tão tóxico quanto a aspirina, ainda que menos tóxico que o monóxido de carbono. São necessários vários gramas para matar uma pessoa. Sua forma mais perigosa é a fumaça que solta quando é esquentado a mais de 321 ºC.
Os primeiros sintomas da intoxicação podem ser confundidos com um resfriado: irritação da garganta, dor no peito e tosse. Depois aumenta a pressão arterial, o corpo se debilita, acumula-se água nos pulmões e a respiração fica dolorida. A ingestão de cádmio provoca náuseas, vômitos, diarréia, dores musculares e problemas renais. Não se conhecem antídotos. O único tratamento disponível consiste em aliviar os sintomas da intoxicação. Os sobreviventes demoram meses para recuperar a saúde.
As mortes por envenenamento com cádmio, quer sejam acidentais ou intencionais, são muito raras. Em 1966, depois de um duro dia de trabalho na ponte Severn (sobre o rio do mesmo nome, na Inglaterra), vários operários se sentiram mal. Todos foram hospitalizados e um morreu. Os homens haviam passado o dia afrouxando cavilhas (pinos) com um maçarico no interior de uma das torres de aço da ponte. Ignoravam que as cavilhas haviam sido fabricadas com uma camada externa de cádmio para protegê-los da corrosão. Submetido ao calor do maçarico, o cádmio soltou fumaça que intoxicou os trabalhadores.
A falta de zinco...
Para funcionar bem, os seres vivos necessitam de vários metais. O ferro é essencial para o transporte de oxigênio e dióxido de carbono no sangue; o cálcio faz parte dos esqueletos; o sódio e o potássio participam, entre outras coisas, da formação dos impulsos nervosos. Também são imprescindíveis o zinco, o magnésio, o cobre, o estanho, o cromo e alguns outros metais.
O zinco intervém em diversos processos relacionados ao desenvolvimento, à longevidade e à fertilidade. Por sua semelhança com o zinco, pensa-se que o cádmio também poderia cumprir alguma função vital, mas no momento não se conhece nenhuma no corpo humano.
No final do século XX, descobriu-se que as diatoméias, algas microscópicas que vivem na superfície do mar, usam-no com um fim específico. Estas algas necessitam de zinco para crescer, mas quando este metal se torna escasso, substituem-no por cádmio e assim continuam crescendo.
Os segredos do cádmio
Em fevereiro de 2002, John Creamer (de 46 anos) e sua segunda esposa Jayne Reel (de 37), que moravam em São Petersburgo, no Estado da Flórida, nos Estados Unidos, viajaram à cidade próxima de Orlando dispostos a festejar o Dia dos Namorados. Alojaram-se em um hotel e visitaram os Estúdios Universal. Depois foram jantar e voltaram para o hotel depois da meia-noite. Quando acordou na manhã seguinte, John descobriu que a sua esposa estava morta. Os familiares de Jayne alegaram que John a havia envenenado. Também o acusaram da morte de sua primeira esposa (coisa que nunca foi comprovada).
No sangue de Jayne encontraram um analgésico que estava tomando, bastante álcool e uma grande quantidade de cádmio. Shashi Gore, o médico forense que interveio no caso, declarou que a causa da morte foi envenenamento com cádmio. John foi preso em 17 de dezembro de 2002. Alguns meses depois, Gore leu em um artigo científico que a quantidade de cádmio no sangue dos seres humanos aumenta imediatamente depois da morte, porque os órgãos onde se encontra acumulado o liberam na corrente sanguínea. O artigo havia aparecido em uma revista científica norte-americana oito anos antes da morte de Jayne.
Gore comunicou a novidade às autoridades. Exumaram o corpo da mulher e procuraram cádmio em seus órgãos (Gore não tinha feito isso). As quantidades de cádmio eram normais. John foi libertado depois de passar 315 dias atrás das grades por um crime que não havia cometido. Um mês depois da morte de Jayne Reel, Russell Repine, de 61 anos, morreu de ataque cardíaco em Brush Valley (Pensilvânia), 1.300 quilômetros ao norte de Orlando.
Os restos do homem foram sepultados, mas os familiares não estavam convencidos da causa da morte. Acudiram ao juiz e o convenceram a exumar e analisar o corpo de Russell. As provas toxicológicas revelaram que continha uma quantidade letal de cádmio.
Nos meses seguintes foram encontradas altas quantidades do metal em outros cadáveres recentes da mesma localidade. Em um dos corpos havia 200 vezes mais cádmio que o normal. Ainda que algumas das mortes se devessem a causas claramente estabelecidas (ataque cardíaco, obstrução intestinal), pensou-se que um assassino em série andasse solto e um suspeito foi preso.
À medida que as investigações avançavam, a ideia do assassino em série tornou-se pouco plausível e foi descartada. Também foi descartada a possibilidade de que essas pessoas tivessem estado expostas a uma fonte natural ou industrial de cádmio. Uma das últimas hipóteses foi que as amostras de sangue tivessem sido contaminadas no laboratório onde foram realizadas as análises. O caso nunca chegou a ser esclarecido. Cyrill Wecht, médico forense que não participou desta investigação, mas que analisou as evidências, declarou que os resultados surgiram de uma combinação de “má ciência, investigação inadequada e conclusões apressadas”.
Fora de perigo
A atmosfera terrestre recebe 22 toneladas de cádmio por dia. 90% provém da atividade humana; o resto, dos incêndios florestais, dos vulcões e do desgaste do solo e das rochas. As principais fontes humanas de cádmio são os fertilizantes, o uso de combustíveis fósseis e as indústrias de ferro e aço. O cádmio é obtido como um subproduto da indústria do zinco. É um bom condutor de eletricidade que serve para fabricar componentes eletrônicos. Também é empregado para proteger outros metais da corrosão, como no caso das cavilhas da ponte de Severn.
Quando combinado com outros elementos químicos, forma substâncias amarelas, vermelhas ou alaranjadas usadas para colorir plásticos, vidros e cerâmicas. Além disso, é útil para estabilizar plásticos, porque absorve a luz ultravioleta que os degrada. 80% da indústria do cádmio é dedicada à fabricação de baterias recarregáveis que duram mais tempo, toleram temperaturas maiores e se recarregam mais rapidamente que outras baterias. As baterias de níquel-cádmio têm numerosas aplicações domésticas (telefones sem fio, controles remotos, brinquedos) e industriais (iluminação de emergência, veículos eletrônicos, fontes de energia de trens e aviões).
Na década de 1960, começou-se a tomar precauções para diminuir a liberação de cádmio no ambiente. Nos anos seguintes, diminuiu a quantidade de cádmio na água, no solo e na atmosfera. Também se reduziu o consumo involuntário de cádmio através dos alimentos. Recomenda-as às fábricas que trabalham com cádmio que apliquem regras rígidas de higiene industrial para diminuir ao máximo a contaminação do ambiente. Além disso, os trabalhadores deveriam ser submetidos a exames médicos periódicos para prevenir riscos. Ali onde se cumprirem estas medidas, o cádmio já não constituirá um perigo para a saúde humana.
(Por Raúl A. Alzogaray, Página/12 / IHUnisinos, com tradução do Cepat, 19/08/2009)