Em resposta a reivindicações de sem-terra, Lula autoriza revisão na medição de produtividade de fazendas e desagrada a ruralistas. Se números forem mesmo atualizados, proprietários rurais terão que produzir mais para que seus imóveis não sejam desapropriados
Ao responder à pauta de reivindicações do MST, acampado com 3.000 sem-terra em Brasília, o governo federal prometeu atualizar em 15 dias os índices agropecuários usados para medir a produtividade de fazendas passíveis de desapropriação para a reforma agrária. O presidente Lula autorizou o anúncio em reunião com ministros nesta segunda (17/08). O MST comemorou como uma vitória e os ruralistas protestaram.
Na prática, caso esses números sejam mesmo atualizados, o proprietário rural terá de produzir mais para evitar que seu imóvel seja desapropriado. A medida é criticada pelos ruralistas e tem como foco a desapropriação de áreas no Sul, Sudeste e Nordeste, onde estão as bases acampadas do MST e há escassez de terras públicas para a criação de novos projetos.
A atualização dos índices, cuja versão em vigor tem como base o censo agropecuário de 1975, não precisa passar pelo Congresso. Ela ocorrerá por meio de uma portaria interministerial (Agricultura e Desenvolvimento Agrário). A única formalidade exigida é a convocação de uma reunião do Conselho de Política Agrária, o que, segundo a Agricultura, deve ser feito na semana que vem.
O governo já havia sinalizado por essa atualização em 2005, ante uma marcha de 15 mil sem-terra em Brasília. Na ocasião, após encontro com o MST, anunciou que o faria "em algumas semanas", o que não ocorreu por conta da pressão dos ruralistas, em especial do então ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Os novos índices estão prontos desde então. Mas, agora, o governo teve de acelerar o passo: um projeto em tramitação no Congresso quer tirar do Executivo a decisão final sobre atualizar ou não os índices.
"Vemos essa atualização com preocupação e apreensão, pois essa é uma fórmula perversa que não dá chance de defesa ao produtor", disse Cesário Ramalho, da SRB (Sociedade Rural Brasileira). Presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e senadora de oposição, Kátia Abreu (DEM-TO) não quis se manifestar. Em conversas com auxiliares, segundo a Folha apurou, disse de forma irônica que a decisão é o "prêmio que o agronegócio vai receber do governo".
A visão do MST, que na semana passada invadiu o Ministério da Fazenda e, em troca da desocupação, conseguiu agendar uma reunião com o governo, é diferente: "Essa atualização dos índices é fundamental para o movimento", afirmou Vanderlei Martini, da coordenação nacional do MST. Caso sejam mesmo publicados em duas semanas, os índices, que variam por cultura e por microrregião do país, passam a valer nas vistorias de terras a partir de 2010.
De acordo com o ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), trata-se de uma atualização "equilibrada" e com "bom senso". "A gente não fez uma atualização radical", justificou. O governo também anunciou o desbloqueio de R$ 338 milhões do orçamento do Incra para obtenção de imóveis para a reforma agrária e a desapropriação de uma área emblemática para o MST em Felisburgo (MG), palco do assassinato de cinco sem-terra em 2004.
(Por Eduardo Scolese, Folha de S. Paulo, 19/08/2009)