A questão ecológica aparece na política no bojo da crise da centralidade da questão do trabalho, que deixava de ser assumida como a grande contradição, de cuja resolução dependeriam as outras e a própria emancipação humana. Vinha junto com a questão feminina, a questão negra, a questão indígena, entre outras, projetando novos sujeitos políticos. “Quando novos personagens entraram em cena”, o clássico libro de Eder Sader apontava para essa multiplicidade dos sujeitos políticos anticapitalistas.
Porque foi como tema ampliadora das lutas anticapitalistas que o tema ecológico surgiu. Condenava-se o caráter predatório do reino do capital, que degrada a natureza, não coloca limites para a mercantilização do mundo e a busca desenfreada de expansão pela incorporação ilimitada de novas esferas ao mercado e de territórios para a exploração pelo capital.
Três expressões políticas representavam essa aparição explosiva da questão ecológica na política: Cohn-Bendit, Gabeira e o Partido Verde alemão. Representavam a tentativa de autonomizar o tema ecológico mediante partidos específicos, no lugar de ser parte de partidos de esquerda – comunistas, social demcratas ou socialistas -, ampliando suas plataformas. Não foi o caminho do feminismo, do movimento negro ou dos povos indígenas, que se mantiveram como movimentos sociais autônomos, relacionando-se, não sem tensões, com os partidos de esquerda.
Os partidos verdes foram se distanciando do campo da esquerda e do anticapitalismo, tendendo para o centro e para aliancas com a direita. Cohn Bendit expressa uma carreira pessoal, errática, em que o Partido Verde alemão, chegando ao governo em aliança com a social-democracia, teve no seu Ministro de Relações Exteriores, Joschka Fischer o melhor exemplo. Teve o desempenho de qualquer ministro de qualquer partido, tornando-se um fervoroso defensor das “guerras humanitárias” do bloco imperialista.
Cohn Bendit incorporara-se ao bloco de direita na Franca e, no Brasil, Gabeira se tornou um apoiador dos processos de privatização de FHC – alegando a “modernização” – e seguindo o álibi da crítica à esquerda tradicional.
Este, um componente de todos eles, mas não apenas deles, como pretexto para se distanciarem da esquerda: da crítica do “socialismo realmente existente”, por stalinismo, falta de democracia, etc., à crítica ao socialismo – ao Lênin e finalmente a Marx, onde estariam os fundamentos do “totalitarismo”. Foi o caminho envergonhado para aderir ao capitalismo, pela via da “democracia liberal”, mal menor ou ancoradouro inevitável da “democracia”.
Enquanto outros setores que igualmente se distanciaram dos partidos de esquerda pelo lado dos movimentos sociais, tenderam para o fundamentalismo ecológico, com apologia do naturalismo pré-marxista. Estes se aliam a setores dos movimentos indígenas, com visões de contraposição à política e a projetos de desenvolvimento – com razão ou não.
No seu conjunto, instarou-se uma crise de identidade do movimento ecológico, que colocou em questão sua natureza: movimento anticapitalista? Vertente da esquerda? Força autônoma? Partido “terceirista” diante da polarização esquerda/direita, como referência ideologica “pós-moderna”? Aliado do campo conservador contra a esquerda? Cohn-Bendit, Gabeira e os verdes alemães podem ter sucesso político, mas enterrando a plataforma ecológica como componente do programa de uma esquerda anticapitalista.
(Por Emir Sader, Carta Maior / Envolverde, 17/08/2009)