Parece unânime entre comentaristas da política a avaliação de que a provável candidatura de Marina Silva à Presidência da República pelo Partido Verde oxigenou a pré-campanha eleitoral. Ótimo para a campanha. Péssimo para a senadora. Sua entrada em campo traz uma chance de bagunçar o maniqueísmo PT x PSDB, na medida em que voltou a assanhar Ciro Gomes para a disputa.
Garantia certa de calor, ainda que não de muita luz, ou ar fresco. E a intenção alegada de Marina Silva é iluminar e arejar a discussão. Ela quer usar o palanque e a televisão para impor temas ambientais ao debate sobre os rumos do país. Tem experiência e conhecimento para isso. É duvidoso, contudo, que tenha maturidade para elevar esse debate acima do patamar tacanho em que aliados costumam mantê-lo.
Seu primeiro e maior pepino é o PV. A senadora se propõe a refundar ou ressignificar o partido (seja lá o que queira dizer com isso), mas topará com muitos macacos velhos pelo caminho. Um partido cujas figuras de proa vão de um Sarney a um Gabeira não parece "orgânico" o bastante (para usar um termo caro a seus seguidores) para o desafio.
A própria Marina Silva é prisioneira do cercado temático -o salvacionismo ambiental- em que construiu trajetória admirável. Com todas as realizações e a repercussão mundial de sua carreira, prossegue refém de causas ou modelos locais e regionais, como as reservas extrativistas e a luta antibiopirataria. Todas com escasso potencial para forjar uma proposta ousada de desenvolvimento para a Amazônia, menos ainda para o Brasil.
Sua longa atuação no Senado nunca alçou voo além da província verde. A Marina Silva senadora sempre esteve mais próxima do baixo clero que dos cardeais no comando da Casa. Pode ter sido o preço pago para manter-se fiel à própria biografia, mas condenou-a a certa irrelevância, ainda que cercada de prestígio.
No governo Lula, sua maior contribuição foi uma ideia abstrata: a "transversalidade" da questão ambiental. Perdeu todas as batalhas importantes para a rainha do pragmatismo, a ex-pedetista Dilma Rousseff, cuja candidatura agora balança. Mas teve a coragem de entregar a cabeça ao presidente, não o juízo; meses depois, consegue dar o troco, com o vagar e a astúcia de um jabuti. Tanto apego às origens, contudo, explica também atitudes descabidas como aceitar, ainda ministra, participar de uma reunião de apologia ao criacionismo, ou patrocinar celebridades esotéricas como Fritjof Capra. Marina Silva tem o direito de ser religiosa ou mística, óbvio. Como integrante de um governo leigo, não devia dar o mau exemplo de promover doutrinas anticientíficas.
A deficiência crônica de um projeto para o Brasil passa decerto pela incorporação visionária da questão ambiental. Não existe proposta coerente e articulada para revolucionar padrões de uso da terra, do capital natural e humano e de energia moldados por séculos de dilapidação colonial, mentalidade escravista e desenvolvimentismo a ferro e fogo.
Esse programa não virá de Dilma, Serra ou Ciro. Nem de Marina Silva. O projeto de que o país precisa, diante do xeque-mate planetário armado pelo aquecimento global, terá de delimitar e negociar a contribuição de alguns setores que a neorreligião verde nasceu para demonizar: petróleo, hidrelétricas, energia nuclear, biotecnologia, agronegócio... A candidata Marina Silva não está pronta para isso.
(Por Marcelo Leite, Folha de S. Paulo, 16/08/2009)