Em recente operação no interior e entorno do Refúgio da Vida Silvestre (RVS) das Veredas do Oeste Baiano, fiscais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) flagraram produtores rurais e proprietários de carvoarias exercendo atividades ambientalmente ilegais. O chefe da unidade, Carlos Dantas, disse que as infrações resultaram em R$ 16 milhões em multas.
Realizada entre os dias entre 29 de junho e 21 de julho, a Operação Campo Vermelho I inspecionou 55 propriedades, das quais 28 foram autuadas – 20 por desmatamento sem autorização, uma por descumprimento de embargo e sete por produção ilegal de carvão. Dantas disse que, das 20 autuações por desmatamento, três foram por retirada de vegetação no interior do RVS.
Uma dos primeiras RVS criadas no País, em 2002, a unidade situa-se entre os municípios de Jaborandi e Cocos, na Bahia, mas outras cidades formam sua área de influência, tais como Posse, Alvorada do Norte e Mambaí, em Goiás; e Santa Maria da Vitória, São Félix, Coribe e Correntina, na Bahia. O rio Corrente, um dos mais importantes afluentes do rio São Francisco, nasce basicamente dentro do RVS, no município de Jaborandi, e recebe águas dos rios Pratudinho, Pratudão e do Formoso.
Geoprocessamento
A operação foi planejada com base em informações obtidas por geoprocessamento. Antes de sair a campo, a fiscalização estudou as imagens feitas por satélite nos últimos cinco anos. Foram rastreados os 190 mil hectares da unidade e todo o seu entorno para detecção de áreas de desmatamento recente, em locais legalmente monitorados e administrados pelo ICMBio.
De acordo com o chefe do RVS, “o geoprocessamento, usado como ferramenta de planejamento em diversas áreas do conhecimento, auxilia-nos na tomada de decisão e no monitoramento das unidades e de seu entorno. Como temos acesso a imagens de anos anteriores, podemos fazer diversos estudos e avaliar as dimensões dos locais de interesse, como crescimento, degradação, poluição, dentre outros. O planejamento dessa operação foi feito com base na análise de imagens, no tempo e no espaço, entre 2004 e 2008”, explica.
Com esse estudo, a equipe do ICMBio que atuou na fiscalização atingiu as áreas que tiveram supressão de vegetação. “Essas áreas foram anteriormente delimitadas e georreferenciadas para facilitar a localização em campo. Além de ter uma estimativa muito próxima de área atingida, o objetivo é também o de fazer o levantamento de todas as áreas desmatadas e depois ir a campo para confirmação da infração”, afirma Dantas.
Ameaça
O RVS do Oeste Baiano está sob ameaça das carvoarias ilegais. As sete que foram autuadas, além de desrespeitarem as leis ambientais, são suspeitas de submeterem seus trabalhadores ao regime de semi-escravidão. Na região do RVS há grande produção ilegal de carvão para abastecimento de siderúrgicas, sobretudo em Minas Gerais. Dantas garante que os proprietários de carvoarias que funcionam sem autorização descumprem as leis e, além de poluírem o ambiente, não têm projeto para desenvolvimento de sua produção. Eles retiram a vegetação sem critérios ambientais ou em áreas não permitidas. Com isso, a vegetação, cujo corte é proibido por lei, é suprimida e as margens de rios, desmatadas.
As carvoarias também emitem fuligem e a fumaça que fica em suspensão no ar pode atingir o sistema respiratório, principalmente, de crianças e de idosos. “É comum trabalhadores dessas carvoarias terem diversos problemas de saúde e intensos desgastes físicos. Há também registros de que eles são subordinados a regime de semi-escravidão sem qualquer cuidado com a saúde e sem equipamentos de proteção individual”, declara o chefe do RVS.
Dentre os vários efeitos nocivos ao meio ambiente, essa atividade, quando feita sem planejamento e sem seguir normas de sustentabilidade, provoca a diminuição da biodiversidade, contribui para a degradação dos solos, para a poluição da água e para o aquecimento global, causando a alteração do clima local e mudanças no regime de chuvas.
Segundo Dantas, a diferença entre os estabelecimentos que atuam na legalidade e os clandestinos é que, uma carvoaria legal geralmente recebe madeira de uma área licenciada e, com isso, usa uma quantidade de material lenhoso previamente calculada e autorizada. “As áreas desmatadas pelas carvoarias legais são vistoriadas e, além de terem documentação, essas empresas são sustentadas por um projeto concebido com base em normas ambientais legais e numa produção mais criteriosa e com redução de diversos impactos aos sistemas naturais”, afirma.
Degradação
A situação torna-se mais dramática quando o desmatamento e a poluição afetam o cerrado. Nesse caso, a produção de carvão e os desmatamentos ilegais nas proximidades do RVS ultrapassam a infração à lei e convertem-se em uma ameaça real ao bioma que cada vez mais é transformado em pequenas ilhas em meio a um mar de degradação e necessita de monitoramento e proteção constante para não desaparecer ou perder o seu poder de regeneração natural.
Dantas lembra que, embora o cerrado seja um ecossistema único no mundo, até hoje não foi reconhecido como patrimônio nacional, como ocorre com a Mata Atlântica, Pantanal Mato-Grossense e Amazônia. E uma das atividades econômicas que mais o atinge é a agricultura em larga escala, como a produção de soja, milho, café, pinus e eucalipto nos municípios que compõem a área de influência da RVS.
Essas culturas provocam modificações ambientais em virtude da substituição da vegetação natural pela plantação até mesmo de espécies exóticas em plantios de monoculturas, de modo que o ecossistema da região é significativamente alterado.
Animais
No entanto, apesar da desconfiguração do local, a natureza resiste. No RVS do Oeste Baiano, há grande quantidade de espécies animais, algumas delas ameaçadas de extinção, como, por exemplo, o pato mergulhão. Os especialistas garantem que há no mundo apenas 200 exemplares dessa ave na natureza. De acordo com Dantas, o pato mergulhão pode ser também considerado um bioindicador, pois existe somente em locais em que a água não está contaminada.
Na unidade ainda se vê onça parda, veados, pato de crista, pato selvagem, lobos, bem como o tuiuiú e o gavião-caramujeiro, que costumam usar a região durante suas longas jornadas. Estudos recentes realizados nos rios Pratudinho e Pratudão, localizados dentro do RVS, registraram a presença do arredio jacaré-coroa, a menor espécie de crocodiliano do mundo.
(Por Carla Lisboa, Ascom ICMBio, 14/08/2009)