A nova loja no shopping center da cidade de Barendrecht, na Holanda, parece-se bastante com as de roupas ou as redes de comidas rápidas ao seu redor, mas é muito mais exótica. Em seu interior, os inquilinos vendem algo bem mais incomum do que hambúrgueres ou jeans de boas marcas.
Suas paredes, assim como em escritórios de vendas de empresas de bens imobiliários, exibem pôsteres coloridos com diagramas da geologia local e conclusões reconfortantes sobre avaliações ambientais. Desde abril, o governo holandês e o grupo Shell montaram um centro de informações no shopping center para vender, a um público cético, uma nova tecnologia promissora, mas não comprovada: a captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês).
A CCS envolve a captura das emissões de gases causadores do efeito estufa das usinas de energia, fábricas e outras instalações, para enterrá-las em grandes profundidades onde não possam subir à atmosfera e alimentar o aquecimento climático mundial. É um pilar básico nos planos da União Europeia para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), até 2050, a CCS poderia ser responsável por 20% de toda a redução de emissões de usinas de energia e de indústrias.
A tecnologia, entretanto, ainda não foi testada em grande escala. Antes que seus defensores possam lançá-la por toda a Europa, precisam superar os receios públicos quanto a sua segurança. Em nenhum outro lugar esse desafio fica tão evidente quanto em Barendrecht, uma frondosa e densamente povoada cidade de 45 mil habitantes, que se tornou terreno de testes para a CCS.
A cerca de dois quilômetros abaixo do centro comercial há um reservatório de gás natural quase exaurido que a Shell e o governo holandês, para testar a tecnologia, planejam encher de dióxido de carbono de uma refinaria nas proximidades. Até agora, contudo, a CCS mostrou-se dura de vender. "Ficou claro que não há aceitação pública para a captura e armazenagem de carbono nos limites desta comunidade", afirmou Simon Zuurbier, vereador na cidade que emergiu como um dos principais oponentes da tecnologia.
Os moradores de Barendrecht mencionam receios que vão desde os perigos de se viver e trabalhar sobre milhares de toneladas de gases nocivos até preocupações mais banais sobre o preço das propriedades. Acabaram conseguindo adiar os planos da Shell. Preparam-se para lutas mais duras, já que o governo federal tomará uma decisão final sobre o projeto antes do fim do ano.
A Holanda não é o único lugar onde a CCS encontra oposição. Em julho, a região de Berlim foi obrigada a adiar a aprovação de uma lei de armazenagem de carbono depois das reclamações dos governos regionais sobre locais em que a tecnologia seria usada. Esse tipo de atraso funciona como alarme de que a CCS poderia enredar-se em um emaranhado político e de regulamentações. "O maior desafio diante da CCS não é tanto técnico, mas de percepção", disse Eric Drosin, porta-voz da ZEP, um grupo defensor da CCS. "Apesar da existência e da utilização de vários elementos da CAC há décadas, a tecnologia é praticamente desconhecida entre o publico geral."
A Holanda pareceria um lugar ideal para introduzir a CCS. É famosa por suas políticas ambientais modernas e também possui vários campos petrolíferos antigos para capturar o CO2 emitido por sua grande base industrial. Dois desses campos estão em Barendrecht, há apenas 18 quilômetros da refinaria Pernis, da Shell, que produz cerca de 1 milhão de toneladas de CO2 por ano. Atualmente, cerca de metade é enviada a fábricas de refrigerantes e estufas; o resto é liberado.
Para o governo holandês, o projeto representou sua primeira tentativa de armazenar em terra o gás carbônico e um passo necessário antes de levar adiante projetos de CCS muito maiores, que planeja para 2015. Dessa forma, para apoiar o projeto, concordou em contribuir com até € 29,75 milhões para a Shell. Quase de imediato, entretanto, a companhia atrapalhou o trabalho de relações públicas. No fim de 2007, Zuurbier e outros líderes da cidade irritaram-se ao tomar conhecimento do projeto por meio da empresa, e não do governo.
A resistência pareceu apenas aumentar depois de executivos da Shell terem viajado a Barendrecht no início de 2008 para fazer uma apresentação, que foi descrita como estando repleta de termos técnicos, para uma comissão de 27 membros e o prefeito, que em sua maioria tinham apenas um conhecimento superficial sobre a CCS. Em pouco tempo, Barendrecht buscava sua própria representação jurídica e cientistas para conseguir preparar argumentos que rejeitassem o projeto. (Não foi fácil encontrar ajuda, já que a maioria dos engenheiros que lidam com a tecnologia tem algum laço com o setor.)
A Shell não quis comentar diretamente sobre a questão, mas executivos admitiram terem ficado surpresos com a reação local. Zuurbier insistiu que ele e outros opositores estão longe de ser manifestantes radicais antiglobalização e que são cidadãos íntegros e instruídos. Ele apoiou as leis ambientais dos anos 60 e 70, que levaram a Holanda a limpar locais poluídos por sua indústria química. A CCS, porém, é vista por ele como um risco caro e possivelmente perigoso. Para Ron Van Der Mark, 25, corretor de imóveis, as preocupações são mais comerciais. "Novas pessoas [de fora] têm medo de morar em Barendrecht."
Em abril, houve a impressão de que a empresa havia conseguido uma grande vitória quando uma comissão ambiental independente avalizou o plano da Shell e concluiu que o plano era seguro. Mais recentemente, Jacqueline Cramer, ministra do Ambiente da Holanda, saiu a campo para tentar ganhar a confiança dos moradores. "No pior caso, se realmente precisarmos de Barendrecht e a cidade não quiser, podemos obrigá-los. Mas no momento, essa não é a forma que desejamos para lidar com a questão."
Poderia haver, contudo, outro desafio para vender a CCS em Barendrecht que ela e a Shell esqueceram: o cansaço com o desenvolvimento urbano. Nos últimos dez anos, os moradores tiveram de aguentar a construção de uma linha ferroviária de alta velocidade que corta a cidade em dois, para conectar o porto de Roterdã à Alemanha. Também há novas estradas por todos os lados. Uma usina de CCS agora traria um gasoduto sinuoso, para transportar o gás. Mesmo assim, "muitas pessoas são contrárias", disse Van Der Mark. "E elas não serão convencidas com tanta facilidade", concluiu.
(Por Joshua Chaffin, Financial Times / Valor Econômico, 14/08/2009)