Foi preciso um trator esmagar a cabeça de uma criança – Carlos André Silva, 12 anos – na madrugada de quinta-feira (30/07/2009), no lixão a céu aberto de Maceió, para os setores responsáveis acordarem sob o impacto não da morte, mas da ameaça da AALONG – Associação Alagoana de ONGs – de processá-los, com a ajuda da OAB local, por omissão, prevaricação, acumpliciamento e formação de quadrilha. Os responsáveis por esses e mais outros crimes? O prefeito de Maceió, a SLUM (empresa do município que administra o lixão), a Procuradoria Regional do Trabalho, a Vara de Criança e Adolescência do Ministério Público Estadual, o Conselho Municipal da Criança e Adolescência, o Conselho Tutelar da região, a fiscalização do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).
Se a OAB tivesse agido rápido, pelo menos nos três dias seguintes ao crime, teria flagrado todos na sonolência própria dos incompetentes. Por que só quatro dias depois, na segunda-feira seguinte (03/08/2009), a Procuradoria Regional do Trabalho apresentou uma ação para multar o prefeito em R$ 1 milhão se ele ainda permitir o ingresso de crianças no lixão? Multas que ele é useiro e vezeiro em pagar. Afinal, o dinheiro não é dele, é do contribuinte.
Esse episódio nos remete a um drama que o país vive hoje em 25,93 % das suas capitais – a presença dos lixões a céu aberto. Uns em situação mais graves do que outros. Esse lixão de Maceió tem 42 anos de existência, mais de 10 anos de saturação, localiza-se praticamente no centro da cidade (entre os bairros Sítio São Jorge-Cruz das Almas), tem quase 8 km² e há 12 anos, quando entrou o Peti, foi proibida a entrada de crianças lá.
Desde que assumiu, na sua primeira gestão, o atual prefeito Cícero Almeida (PP) prometeu implantar um aterro sanitário. Foi reeleito, não implantou até hoje e relaxou na fiscalização, permitindo não só o acesso de crianças e adolescentes como a transformação do lixão num dormitório infanto-juvenil.
Daí, todas as autoridades sabiam da presença de crianças no lixão, mas fingiam desconhecer até a fatídica madrugada do esmagamento do menino – tragédia que só não foi maior, com mais mortes, porque os outros já estavam acordados refestelando-se de restos de comida.
Na verdade, hoje, o Brasil vive num lixão a céu aberto: há lixões em 72,73 % das cidades com mais de 50 mil habitantes, e em 66,67 % das cidades com menos de 50 mil habitantes, de acordo com pesquisa Água e Vida, da UNICEF (2008). Estima-se que 90 % dos cursos d’água de superfície já tenham sido contaminados pelos lixões, cujo chorume tem produzido uma verdadeira devastação nos lençóis freáticos (água subterrânea). Ou seja, a água do subsolo, considerada como reserva do futuro, já é usada abundantemente e de qualquer forma (até para lavagem de carro e calçadas) como se fosse um recurso infinito.
O Brasil produz, por ano, 29 milhões e 200 mil toneladas de resíduos sólidos por ano, e menos da metade é recolhida, a ser correto o número de que produzimos 80 mil/t/dia. Um cálculo do professor Sebetai Calderoni, Doutor em Ciências pela USP (FFLCH), e pós-graduado em Planejamento pela Universidade de Edimburgo (Grã-Bretanha), mostra que o Brasil o perde, por ano, R$ 4,6 bilhões por não reciclar seu lixo. O custo do tratamento consome entre 5% e 10 % do orçamento das prefeituras. Ao passo que a reciclagem, que funciona com a coleta seletiva e o reaproveitamento dos resíduos sólidos, como vidro, papel, papelão, alumínio e plásticos, resulta em ganhos ambientais.
Há casos flagrantes de agressão ambiental, como o de Maceió, onde o chorume do lixão substituiu um riacho – o do Ferro – e escorre direto para a praia de Cruz das Almas, onde se localiza a menos de dois quilômetros o hotel cinco estrelas Matsubara. O desleixo ambiental alagoano se estende ao Brasil praticamente de ponta a ponta.
Talvez quando a educação ambiental deixar de ser matéria transversal para ser obrigatória como matemática e português, o Brasil consiga romper esse círculo pernicioso, e respeitar o meio ambiente, a começar pela obrigatoriedade de adoção dos aterros sanitários, a única solução mundial possível para se enfrentar essa escala assombrosa de produção de lixo pelo planeta.
Enquanto isso não acontece, enquanto as crianças não aprenderem desde o jardim infantil a ter educação ambiental – e seus pais, capacitação, trabalho e renda – pelo Brasil afora ainda vamos assistir muitos Carlos serem esmagados por serem obrigados a comer restos nos lixões e adormecerem lá. Porque é nos lixões onde, de manhã, têm garantida sua alimentação com as sobras trazidas pelos caminhões da madrugada.
(Por Reinaldo Cabral*, ViaPolítica, 08/08/2009)
* Com mais este artigo, o jornalista e escritor Reinaldo Cabral inaugura sua colaboração semanal neste site, trazendo uma visão do ambiente das ONG’s onde atua - www.aalong.com.br. Seus livros podem ser encontrados em www.estantevirtual.com.br. O autor acaba de concluir o romance O vôo do gafanhoto, onde ficciona como o império das drogas se instalou no Brasil e como está levando o país à derrota. Seu e-mail é reinaldocabral@hotmail.com