A mais recente proposta de mudança do Estatuto dos Povos Indígenas, enviada à Câmara dos Deputados na quarta-feira (05/08), possui avanços para o reconhecimento dos direitos dos índios, como é o caso da inclusão do pagamento por serviços ambientais desenvolvidos em suas terras. Porém, o projeto, que define critérios para permitir a exploração de minérios e recursos hídricos em terras indígenas (TIs), poderá ser alterado pelos parlamentares.
O artigo 76 no novo Estatuto passa a reconhecer aos indígenas o direito à contraprestação pelos serviços ambientais realizados em suas terras, a partir da conservação e do uso sustentável de recursos naturais. "Esse é um dos artigos que representa avanço da nova versão com relação ao texto anterior e corresponde às expectativas dos índios colocadas hoje em discussão", diz Ana Paula Souto Maior, advogada do Instituto Socioambiental (ISA) que vem acompanhando os debates do governo e das lideranças indígenas sobre a nova lei.
Os índios defendem que o Estatuto defina de que maneira será permitida a exploração de minérios e recursos hídricos em Terras Indígenas (TIs). Desse modo, caberá aos parlamentares aceitar o que foi previsto sobre o tema até agora ou estabelecer novos parâmetros para que essas atividades econômicas sejam realizadas nos territórios dos índios.
De acordo com Ana Paula, os indígenas exigem direito de veto à construção de hidrelétricas dentro de suas terras, mas não há um consenso dentro do governo sobre essa posição, embora ela já tenha sido aprovada na Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). "Esse ponto vai ser um daqueles que terão grande discussão dentro do Congresso", disse.
A representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Rosane Kaingang, concorda que a inclusão do pagamento aos índios no novo estatuto é um avanço, mas lembra que os resultados disso apenas serão percebidos se as políticas públicas de assessoria técnica ao desenvolvimento das TIs forem mesmo colocadas em prática.
"A Funai precisa ser reestruturada para que possa dar esse apoio de fato. Para isso, nós estamos participando da elaboração de um Plano Nacional de Gestão em Tis, que está sendo discutido entre Ministério do Meio Ambiente, Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério da Justiça e organizações indígenas", afirmou.
Pressão
A advogada admite que há risco de o estatuto ser alterado em favor de interesses econômicos, mas lembra que os parlamentares não poderão legislar contra a Constituição Federal e o que foi discutido no CNPI. "É necessário que haja uma articulação dos povos indígenas com o governo para que aprovem uma proposta que corresponda às necessidades e aos direitos dos índios hoje", destacou.
Para diminuir o risco de mudanças na norma em benefício de outros setores da sociedade, Rosane garante que as discussões do Estatuto na Câmara e no Senado serão acompanhadas pelos indígenas. "Agora, mais do que nunca, faremos mobilizações para combater qualquer risco das votações no Congresso ao conteúdo reivindicado pelos índios na proposta", afirmou.
A representante da Apib diz que os indígenas estão dispostos a dialogar com os parlamentares para pedir respeito ao seu direito à terra e a condições de vida e proteção, já que muitos desses políticos se elegeram a partir de votos dos índios. "Temos o desafio de nos mobilizar para que a votação do novo estatuto aconteça como esperamos, mas o governo também tem responsabilidade de negociar com sua base aliada para defender nossos interesses", destacou.
Ela também diz que o movimento indigenista conta com aliados dentro e fora do Congresso, além do apoio de ONGs que defendem os direitos indígenas garantidos por Direito Internacional, Constituição Federal do Brasil e outras legislações. Embora o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, tenha se comprometido a dar prioridade à discussão do Estatuto na Casa para que ele seja aprovado até o fim do ano, a advogada do ISA acredita que o trâmite da norma não será tão simples.
"A versão que foi apresentada na CNPI é longa, tem 249 artigos, e vai passar por esse processo de discussão junto aos deputados e depois junto aos senadores. É possível que essa versão fique mais enxuta com um texto mais curto", explicou.
Autonomia indígena
Para Ana Paula, a nova versão para o Estatuto dos Povos Indígenas ainda atribui muita responsabilidade à Fundação Nacional do Índio (Funai) e poderia ter apresentado a autonomia indígena de maneira mais afirmativa. "Mas, eles [os índios] enfrentam muitos problemas e querem contar com a Funai na resolução desses problemas", ponderou. Mesmo assim, a advogada afirma que a norma inova quando deixa de diferenciar índios entre integrados, não-integrados ou em integração, normatizando o fim da tutela assistencialista dos povos indígenas.
Já Rosane da Apib acredita que o novo estatuto será capaz de regulamentar a relação dos povos indígenas com o governo brasileiro, pondo fim à criminalização dos índios e à violência que ainda existe contra essa população. "Vai melhorar a posição dos Estados, dos municípios e da União com relação aos nossos direitos e também será garantida a federalização de uma educação indígena diferenciada", disse.
A representante ainda diz que outras questões indígenas, como saúde, conflitos pela posse de terras, etnodesenvolvimento e respeito à cultura, serão resolvidas com maior facilidade após a aprovação do novo estatuto.
Convenção 169
O novo estatuto observa o que diz a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Constituição Federal e a declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre povos indígenas. A Convenção 169 diz que os povos indígenas têm o direito de serem consultados com relação às medidas legislativas e administrativas que possam afetá-los.
Responsabilização penal dos índios
Quase nada muda pela nova proposta. A legislação atual já diz que os índios devem ser julgados de acordo com sua cultura, e o ato criminoso por ele cometido deve ser analisado sob a perspectiva do direito e da cultura indígena. Hoje, os indígenas têm direito a serem ouvidos e compreendidos em sua própria língua nos inquéritos e processos penais. A nova proposta de Estatuto passa a exigir um laudo antropológico pelo juiz, para que avalie o modo como um ato criminoso é visto dentro da cultura de quem o praticou. O laudo já é pedido em alguns casos, mas ainda não era uma exigência.
Demarcações de terras indígenas
O novo estatuto diz com relação ao tema o que já foi ratificado pela recente decisão do STF sobre a TI Raposa Serra do Sol, no que diz respeito ao reconhecimento de que as terras indígenas devem ser demarcadas de forma contínua- não em ilhas- e podem existir em áreas de fronteira, sem ameaça à existência do ente federativo estadual e ao desenvolvimento econômico do país.
As 19 condições impostas pelos ministros da corte trazem como única inovação a negação da possibilidade de se ampliarem os territórios indígenas. Mesmo a exigência contida na decisão do Supremo de que os estados participem do processo demarcatório já havia sido prevista em 96, por meio do decreto 1775/96.
Veja na íntegra:
Proposta para o novo Estatuto dos Povos Indígenas
Saiba mais:
Proposta de Novo Estatuto dos Povos Indígenas reconhece autonomia dos índios
(Por Fabíola Munhoz, Amazonia.org.br, 11/08/2009)