A sensação de pôr em operação um empreendimento bilionário no meio de uma crise econômica mundial é de apreensão. Mas não é a primeira vez que isso ocorre no grupo Votorantim em 2009. No fim de março, pôs para rodar um projeto de celulose em Três Lagoas (MS) com investimento de US$ 1,5 bilhão. Ficou pronto na hora em que os preços dessa commodity ainda estavam no fundo do poço. Mas a crise deflagrada há quase um ano com a quebra do banco Lehman Brothers também forçou o grupo a interromper as obras de uma nova metalurgia de níquel, em Goiás, e de uma linha de zinco e outros metais em Juiz de Fora (MG).
O projeto da siderúrgica de Resende, cuja montagem estava em fase avançada, correu o mesmo risco. Ficou dois meses em compasso de espera enquanto o comando da Votorantim Siderurgia fazia contas e buscava uma solução. "Avaliamos que parar a obra e voltar um ano depois ficaria mais caro", relata Albano Chagas Vieira, diretor-superintendente da empresa. Ele diz que muitos equipamentos já estavam no Brasil ou a caminho.
O investimento de mais de R$ 1 bilhão mais que dobra a capacidade do grupo na produção de aço no Brasil, onde é o quinto maior fabricante, com 750 mil toneladas de aço bruto. No segmento de aços longos, está em terceiro lugar - atrás de Gerdau e ArcelorMittal - e detém 7% das vendas. Tudo que produz sai da fábrica de Barra Mansa (RJ), distante 40 quilômetros de Resende. Inaugurada em 1937, ao longo do tempo Barra Mansa expandiu-se e foi modernizada, porém não tinha mais espaço para crescer.
A usina de Resende entra em marcha quando se observa uma gradual recuperação da demanda e preços do aço no Brasil e no mundo, porém dentro de um cenário ainda de incerteza sobre o fim da crise e se poderá ocorrer recaídas até lá. Várias frentes de ação foram traçadas pela empresa, informa Vieira, para operar as duas usinas ao mesmo tempo. Barra Mansa passa a trabalhar com apenas um forno (40% da produção), durante seis dias. A nova usina, começa operando em três turnos, seis dias por semana, e ganhará velocidade rapidamente, projetada para operar com 70% em 2010, em linha com a demanda para o ano.
O foco comercial está centrado na exportação e alargamento da base de vendas no Brasil. Como parte dessa estratégia, há três meses a VS criou um departamento de exportação e uma gerência técnica de produtos. A partir de setembro, com duas frentes de produção no país e um mix de produtos mais amplo, a meta é exportar até 30% do que produzir. Os mercados alvos são América Latina, África e países da Ásia, como Tailândia, entre outros. "Antes, não tínhamos capacidade excedente para exportar e até perdíamos mercado no Brasil por não ter aço", diz o executivo. Ao todo, com material despachado de Resende e Barra Mansa, o executivo prevê vender no próximo ano 1 milhão de toneladas.
Para Vieira, com a experiência de ter passado por usinas da Gerdau, Mendes Jr., Acesita, CST, CSN e do grupo Arcelor (no Brasil e Europa) e até Austrália, o mercado recupera-se aos poucos, mas ainda é cedo para se entusiasmar. "Há aço sobrando no mundo e o câmbio como está facilita a entrada de material externo". Neste momento, afirma, é muito importante ter escala para diluir custos fixos. Aí, a exportação tem papel importante. "Além disso, a usina nova ganha ritmo e põe à prova os equipamentos", diz.
A empresa quer também aproveitar sua presença na Colômbia e na Argentina. Em Belencito e Bragados, respectivamente, a VS opera usinas de aços longos, adquiridas em 2007 e 2008. Já envia material para lá e vai ampliar os volumes para complementar a atuação local. O mercado colombiano, por exemplo, é grande importador tanto desse tipo de aço quanto de bobinas de material plano.
No mercado brasileiro de aço longo, a VS tem plano de duplicar a rede própria de distribuição e centros de serviços para ganhar mais força na competição com as líderes Gerdau e ArcelorMittal. Vai passar de 7 para 14 unidades, entregando material cortado e dobrado, para reforçar a presença na região metropolitana de São Paulo e entrando em regiões como o Centro-Oeste.
No ano passado, o consumo de aços longos no país superou 10 milhões de toneladas, puxado em grande parte pelo aquecimento imobiliário, de obras de infraestrutura e industrial. Mais de um terço do volume era de vergalhões, 18% de barras, 13% de fio-máquina e 10% de perfis - produtos que compõem o portfólio da VS em Resende -, conforme dados do IBS, entidade do setor. As importações, com a forte demanda na época, abocanharam 10%.
Na colombiana Acerías Paz del Rio, a VS decidiu suspender a pequena e pouco competitiva produção de aço plano (70 mil toneladas) e focar em material longo, para construção e indústrias. Prevê vender 400 mil toneladas este ano e 430 mil em 2010. No futuro, o plano dessa usina é atingir 700 mil toneladas anuais. Para continuar atendendo clientes locais de aço plano, a empresa fez uma parceria comercial com a Usiminas, tornando-se seu agente de vendas de aço de alta qualidade. A Colômbia importa cerca de 1,2 milhão de toneladas desse produto.
Na Argentina, apesar dos problemas econômicos locais, a VS espera vender neste ano volume parecido com o do ano passado - 230 mil toneladas. "Há um movimento consistente de estocagem nas redes de vendas", informa Vieira. Mesmo com restrições no suprimento de energia do país, a AcerBrag tem condições de produzir até 280 mil toneladas ao ano. Sem isso, e com mercado aquecido, pode chegar a 400 mil.
Neste ano, a VS projeta produzir 1,3 milhão de toneladas de aço bruto nos três países, 100 mil a mais que em 2008, com as quatro usinas. Para 2010, com expectativa de recuperação da demanda, a previsão é de 1,6 milhão a 1,7 milhão de toneladas. "Se o PIB do Brasil iniciar o ano num ritmo acima de 3% de crescimento, vai ser muito bom. Estaremos preparados para vender o que o mercado pedir", afirma o executivo.
O plano de expansão da VS não para em Resende. De olho no atrativo mercado colombiano de aço plano, todo atendido por importação, há um ano, anunciou parceria com a Acerías de Colômbia, a Acesco, da família Zuluaga, em um projeto orçado em US$ 1,5 bilhão para erguer em Barranquila, junto ao mar do Caribe, uma siderúrgica de 1,4 milhão de toneladas. O objetivo era vender 50% no mercado interno e exportar o restante. A crise jogou uma boa dose de água fria nos planos, mas o projeto continua vivo. O terreno, às margens do rio Madalena, já foi adquirido.
Equipes das duas empresas mais assessorias internacionais trabalham na elaboração de um refinado estudo de viabilidade técnico-econômica, previsto para ficar pronto em outubro. "Mesmo com um lampejo no cenário da demanda e preços do aço, vamos esperar mais um ano para tomar a decisão", afirma Vieira. É o tempo para receber a licença ambiental da usina e ter aprovado pelo governo a criação de uma zona franca na área do projeto. Com isso, poderá comprar equipamentos, insumos e matérias-primas sem impostos.
Essa usina, que foi prevista para 2012 e agora não tem data, tornaria a Votorantim uma força regional na produção de aço, com capacidade em torno de 4,5 milhões de toneladas por ano.
(Por Ivo Ribeiro, Valor Econômico, 13/08/2009)