Estudo técnico feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê a possibilidade de troca de combustível e realocação de usinas termelétricas com energia já contratada - mas ainda não construídas- nos leilões promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, disse que a Aneel está elaborando um parecer jurídico para definir se a eventual troca fere os termos do edital do leilão de energia no qual cada usina foi contratada.
A troca de combustível permitiria minorar o problema do excesso de usinas consideradas ambientalmente sujas (movidas a óleo combustível, diesel ou a carvão mineral), que foram contratadas nos leilões dos últimos anos, quando o país vivia crise de oferta de gás natural, um hidrocarboneto mais limpo. Hoje, como há sobra de gás natural, a Petrobras é obrigada a queimar diariamente grandes quantidades do produto, e não há no horizonte ameaça de escassez.
Já a troca de localização das térmicas, além de permitir aproximá-las das fontes de suprimento do novo combustível, facilitaria a transferência da oferta de energia termelétrica de regiões com excesso de oferta futura, como o Nordeste, para regiões com perfil de déficit crescente, como o Sul. Para abastecer o Sul, não haveria problema se a localização da usina ficasse no Sudeste, já que não há limite para a transferência de carga elétrica de uma região para a outra, como ocorre em relação ao Nordeste, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O problema, segundo Tolmasquim, é que quando uma determinada empresa entra com oferta de energia nova nos leilões da Aneel, um dos parâmetros para que ela se habilite é o chamado "custo esperado de operação", definido, entre outros fatores, em função do submercado no qual a empresa vai operar. "A Aneel vai estudar se é possível fazer a mudança de submercado sem ferir o contrato", disse. Segundo o Valor apurou, o estudo técnico feito pela EPE já definiu as usinas passíveis de serem realocadas, mas o dado é mantido em sigilo.
Segundo dados da Aneel, entre as 65 usinas termelétricas em construção no país - que totalizam 6.637,79 megawatts (MW) de potência -, 14 são usinas a óleo combustível ou a carvão, estão situadas no Nordeste e somam 3.145,55 MW (47,4% da potência total). Há outros 14 projetos, totalizando 1.762,74 MW já outorgados (concedidos), mas que não começaram a ser construídos.
No Plano Anual da Operação Energética - 2009, concluído em junho e projetando a demanda e a oferta de energia elétrica no Brasil até 2013, o ONS conclui que o país está em posição confortável. A capacidade nominal de geração total vai saltar dos atuais 98.713 MW para 126.725 MW. No balanço entre a oferta firme (energia efetivamente gerada) e a demanda no Sistema Interligado Nacional (SIN), a sobra de energia evolui de 2.400 megawatts médios este ano para 5.200 megawatts médios em 2013, graças, principalmente, à sobreoferta de energia térmica no Nordeste.
Quando o balanço é feito por região, o estudo do ONS revela que as sobras do subsistema Sudeste/Centro-Oeste "são decrescentes ao longo dos cinco anos de avaliação, atingindo valores negativos em 2012". O operador do sistema constatou ainda que "os subsistemas Norte e Nordeste apresentam balanço positivo e o Sul, balanço negativo ao longo de todo o horizonte de análise".
Com base nessas constatações, o ONS fez várias propostas ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), órgão interministerial presidido pelo Ministério de Minas e Energia. Uma delas prevê que os próximos leilões sejam regionalmente definidos, e não livres, como atualmente, dada a elevada concentração de oferta contratada no Nordeste nos últimos leilões. Desta forma, o déficit previsto para a região Sul, hoje com forte dependência da hidreletricidade, poderia ser revertido.
Tolmasquim, da EPE, disse que a proposta do ONS pode vir a ser adotada no futuro. Segundo ele, embora a regionalização dos leilões tenha a vantagem de colocar o foco sobre a região em maior dificuldade, ela tem a desvantagem de limitar a competição entre as várias fontes de geração, tendendo a aumentar o preço por quilowatt ofertado. Segundo ele, um leilão exclusivo para o Sul praticamente eliminaria as usinas a biomassa (bagaço de cana, principalmente) e também dificultaria a entrada do gás natural, cuja oferta atualmente é limitada na região.
O presidente da EPE concorda que, superado o gargalo da oferta geral, é possível introduzir mecanismos de direcionamento da oferta, seja do ponto de vista regional, seja em relação ao combustível usado. Ressalta que a maior oferta recente no Nordeste decorreu da maior facilidade que as empresas tiveram para obter licenças ambientais para se instalar.
Para o próximo leilão de energia nova, marcado para o dia 27 deste mês, que visa a contratação de energia para 2012, um limitador no custo variável da oferta (máximo de R$ 200 por megawatt/hora), inviabilizou a entrada de projetos a óleo e limitou a participação do Nordeste a uma usina térmica de 33 megawatts, movida a capim elefante, na Bahia.
Ao todo são 25 projetos habilitados, totalizando 2.252 megawatts. São nove usinas a biomassa (369,4 MW), sete a gás natural (1.774,8 MW) e nove pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), somando 107,8 MW). Além da Bahia, os projetos estão em São Paulo (oito), Espírito Santo (sete), Santa Catarina (seis), Rio de Janeiro e Paraná. Os habilitados precisam aportar suas garantias até amanhã na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), responsável pela realização física do leilão.
(Por Chico Santos, Valor Econômico, 13/08/2009)