Terrenos baldios e outras áreas abandonadas são transformadas em hortas em cidades dos Estados Unidos, enquanto seus habitantes aprendem o vocabulário próprio da literatura alimentar. Problemas econômicos e temores levaram muitos lares norte-americanos a fazerem estas perguntas básicas: “de onde vem nossa comida?” e “como a pagamos?”. A horta New Roots (Novas Raízes), em San Diego, Estado da Califórnia, é parte de uma experiência nova por parte de ativistas alimentares, que buscam cariar uma agricultura sustentável dentro dos limites da cidade.
Sob a órbita do Comitê Internacional de Resgate, uma organização sem fins lucrativos que trabalha com refugiados em todo o mundo, a comunidade de imigrantes de City Heights iniciou uma horta urbana para os moradores do lugar. Inaugurada em meados de julho, a Horta Comunitária New Roots é um terreno nunca antes cultivado e que ocupa nove hectares municipais. Tem potencial para complementar a alimentação de centenas, ou milhares, de pessoas pobres que vivem na Grande San Diego.
A horta foi inaugurada após quase quatro anos de negociações com agências locais e federais. “Demoramos muito tempo para ter acesso a esta terra”, disse Amy Lint, coordenadora de segurança alimentar do Comitê Internacional de Resgate, falando do esforço para obter as autorizações necessárias. Os fundadores esperam que esse trabalho sirva como exemplo do que se pode fazer em um ambiente urbano. Inclusive pequenas áreas podem ser surpreendentemente produtivas nas mãos de agricultores experientes.
Muitos participantes recebem alguma forma de ajuda federal destinada a famílias que vivem na pobreza. “As pessoas daqui não tem três refeições por dia”, disse Lint, afirmando que o Comitê considera que a horta é uma oportunidade para que os recém-chegados sobrevivam e prosperem. "Estas experiências ajudam os refugiados a se integrarem à sociedade e melhorar sua nutrição, junto com as oportunidades de emprego que podem surgir ao trabalhar em uma horta de pequena escala. A melhor maneira de apoiar os membros desta iniciativa é ajudá-los a cultivar por si mesmos", destacou.
Muitos chegaram fugindo de zonas conflitivas, expulsos de suas pátrias em períodos de guerra civil e violência extrema. Trabalhada por birmaneses, cambojanos, guatemaltecos e somalianos de origem bantu, entre outros, a horta representa um microcosmos. A maioria deles pertence a comunidades étnicas marginalizadas que viveram em sociedades rurais organizadas, em clãs e famílias.
“Somos agricultores”, disse Hamadi Jumale, diretor de saúde mental e porta-voz da Organização da Comunidade Somaliana Bantu de San Diego, Bilali Muya é diretor da New Roots e ativista comunitário. Seu mundo se desfez em 1991, quando estourou a guerra civil na Somália, fugiu para o Quênia. Acabou se reunindo com seus pais e foi para um acampamento de refugiados, onde o ajudaram a chegar aos Estados Unidos. Antes da guerra civil, os bantus eram a coluna vertebral da região agrícola da Somália.
Levados ali para trabalhar no século XVIII, sua presença nesse país foi um legado duradouro do comércio árabe de escravos, que os marcou como marginalizados culturais e étnicos. Após quase uma década de luta, o Departamento de Estado norte-americano reconheceu a situação dos bantus somalianos, concedendo-lhes o status de refugiados. Em 1999, funcionários da Organização das Nações Unidas começaram a coordenar seu traslado do acampamento do Quênia para os Estados Unidos, onde cerca de 12 mil foram assentados.
Uma horta diferente
Uma tarde de final de verão, o sol ilumina uma paisagem árida que está longe de lembrar um jardim, em uma parte da cidade que o departamento de turismo evita mencionar. Os aviões voam baixo, em meio ao barulho constante do tráfego. A horta é uma obra em construção. Oitenta parcelas de 3x6 metros foram destinadas a quatro grupos de imigrantes. O restante foi distribuído entre os habitantes do lugar. Atualmente, as hortas estão sob cuidados de amigos e familiares, que fazem o necessário para que o solo seja produtivo. Ainda falta colocar pedras em boa parte do terreno. Mas, há animadores sinais de vida, com vegetais onde antes existia uma terra deserta.
Muya acredita que a horta dá um objetivo à comunidade somaliana bantu, vinculando as 400 famílias que vivem em San Diego com seu passado agrícola e lhes dando esperanças no futuro. “Estamos aqui para construir nossas vidas e as de nossos filhos”, disse Muya, enquanto se dirigia ao hospital para ver sua mulher e o filho recém-nascido. Mas New Roots é uma pequena parte da equação agrícola geral. As histórias pessoais dos que estão comprometidos com o movimento alimentar, como os somalianos bantus, incentiva os ativistas. Assim, foram propostas reformas ao cultivo e à distribuição dos alimentos, ou a implementação de créditos para reduzir emissões de carbono e várias iniciativas para que as famílias pobres tenham acesso a produtos frescos.
O governo federal age em algumas áreas do sistema alimentar. Segundo estatísticas de 2008 do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, 753 mercados agrícolas de todo o país aceitaram cupons em troca de alimentos, o que representa aumento de 34% em relação ao ano anterior. Embora a porcentagem de reembolsos seja muito pequena em comparação com os ganhos gerados nos mercados agrícolas, estes aumentaram de aproximadamente US$ 1 milhão em 2007 para US$ 2,7 milhões no ano passado.
Quanto à reforma política real, o cultivo nas cidades também ajuda a promover uma agricultura sustentável nas esferas mais altas. Os ativistas alimentares estavam eufóricos em março, quando a primeira-dama, Michelle Obama, iniciou sua horta orgânica no jardim da Casa Branca. “Sabemos que o que fazemos tem apoio nos níveis mais altos”, disse Gail Feenstra, especialista em sistemas alimentares da Universidade da Califórnia em Davis.
(Por Enrique Gili, IPS / Envolverde, 12/08/2009)