A malária, longe de ser parte do passado dos Yanomami, voltou a crescer e está novamente vitimando suas crianças. Na região de Auaris, extremo noroeste do estado de Roraima, a doença voltou a ser freqüente entre os 2.404 indígenas Sanuma (subgrupo Yanomami) e Yekuana que vivem na região. Servidores da Funasa afirmam que apenas na última semana foram registrados setenta casos, ou seja, um número que se aproxima da situação de saúde vivida pelo povo Yanomami nas décadas de 80 e 90, quando milhares de garimpeiros invadiram suas terras. Em julho foram constatados 239 casos da doença apenas em Auaris.
Apesar da Funasa ter fortalecido os trabalhos de combate à doença durante os últimos dias, essas ações são ainda insuficientes, pois se trata de uma região com grande densidade populacional. Segundo os indígenas da região, as comunidades de Kolulu u e Kalisi são as mais atingidas. No mês de junho uma criança de dez anos faleceu na comunidade de Polapiu. Segundo o relato da senhora Tiato Sanuma, há indícios de descuido no atendimento.
“A malária chegou muito rápido na minha comunidade, minha neta pegou malária, a funcionária da Funasa viu ela fraca, eu chorei, pedi que a levasse para o hospital de Auaris, mas ela não entende minha língua, ela viu que minha neta estava muito fraca e não fez nada. Não deu medicamento para ela. Depois quando a levamos para o posto mais perto ela estava muito fraca e com muita febre, então morreu lá no posto mesmo. Eu ainda estou chorando, toda nossa comunidade está muito triste porque minha neta morreu”. Segundo informações da Funasa, a menina veio muito fraca da Venezuela, fato não confirmado pela comunidade.
O atendimento à saúde dos Yanomami atravessa um dos mais difíceis momentos de sua história recente. Inviabilizada por denúncias de corrupção e má gestão de recursos pela Funasa, a estrutura de atendimento baseada em convênios foi interrompida em maio de 2009.
Um chamamento público realizado em seguida selecionou a Secretaria de Saúde de Roraima (Sesau/RR) para o atendimento aos dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) do estado, mas o resultado desse chamamento não foi efetivado devido a protestos das populações indígenas, que exigem a implementação da autonomia dos Dseis e a criação de uma Secretaria Especial de Saúde Indígena vinculada diretamente ao Ministério da Saúde.
As incertezas sobre a política de atendimento e a ausência de contratações na área de saúde têm causado insegurança entre as populações indígenas e têm sido temporariamente resolvida por meio de contratos com funcionários colaboradores, muitos dos quais estão trabalhado na terra Yanomami pela primeira vez. A falta de experiência dos servidores afeta diretamente o trabalho de assistência na região, como relata Carlos Sanuma, liderança local e conselheiro do Distrito de Saúde Yanomami:
“Na Nossa terra os funcionários colaboradores da Funasa, até sabem trabalhar, mas não conhecem nossa área e nosso povo, os novatos não entendem nossa língua e nossos parentes não entendem a língua deles, por isso estamos muito preocupados, todos nós, as lideranças, os xamãs e toda a comunidade. Nós queremos que os funcionários que trabalhavam aqui antes voltem para cá, pois eles entendem um pouco nossa língua e conhece nosso povo.
Marcelo Lopes está dizendo que a malária está aumentando aqui porque estamos fazendo festas e reuniões com muita gente e os venezuelanos estão participando, mas não é verdade, os venezuelanos não participaram das nossas festas nem das reuniões, a malária não está acabando porque não tem borrifação sempre, está faltando microscopistas e microscópios nas comunidades”.
Ao contrário do que afirma o coordenador de regional da Funasa em Roraima, Marcelo Lopes, as comunidades locais não contam com microscópios e microscopista para o controle local da doença. A borrifação e a busca ativa (coleta preventiva de amostras de sangue) têm acontecido em Auaris, mas é ainda insuficiente para evitar o avanço da malária. Além disso, como ressaltam as lideranças Sanuma, é preciso que a doença seja monitorada sempre a em todas as regiões da Terra Indígena Yanomami, e não apenas durante surtos localizados.
(ISA / IHUnisinos, 11/08/2009)