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2009-08-12

A três horas de distância da fronteira dos Estados Unidos com o Canadá, caminhões e escavadeiras trabalham o dia inteiro na mina Falkirk, que abastece de carvão uma das maiores usinas de energia elétrica do Meio-Oeste americano. A mina foi aberta há 20 anos e ainda tem depósitos suficientes para suprir a usina por meio século. Falkirk emprega cerca de 250 pessoas e oferece alguns dos empregos mais bem remunerados da vizinhança. "Algumas das pessoas que dirigem esses caminhões trabalharam a vida inteira aqui", diz David Straley, um executivo da North American Coal, a empresa que explora a mina.

A poucos quilômetros dali, toda semana os operários da Whiting Petroleum furam um poço novo em busca do óleo impregnado numa camada de rochas subterrânea que se estende por uma área maior que a do Estado do Rio de Janeiro. A produção da região mais do que triplicou no ano passado, graças à alta dos preços do petróleo e ao uso de novas tecnologias de extração. Recentemente, geólogos começaram a especular sobre a existência de grandes reservatórios numa formação rochosa mais profunda, até hoje não explorada. "Falta muito para termos certeza, mas parece promissor", afirma o supervisor de operações da Whiting, Darius Fick.

Não é preciso ir mais longe para entender por que é tão difícil para os EUA se livrarem da sua enorme dependência de fontes de energia poluentes e substituí-las por fontes mais limpas. Lugares como Dakota do Norte, o Estado em que o carvão de Falkirk e o óleo da Whiting são extraídos, mostram que é impossível atacar o problema sem mexer de forma profunda na organização da economia americana.

Usinas que queimam carvão para gerar energia produzem 93% da eletricidade consumida pelos habitantes de Dakota do Norte. Elas estão em operação há tanto tempo e os recursos minerais de que dependem são tão abundantes que seus custos se tornaram baixíssimos. As tarifas pagas pelos moradores do Estado em suas contas de luz equivalem a menos da metade do que se paga em Nova York. Dakota do Norte produz menos de 4% do petróleo extraído nos EUA atualmente. Mas novas descobertas têm atraído investimentos para a região e geraram euforia no setor, ajudando o Estado a escapar da recessão. A economia de Dakota do Norte cresceu 7% no ano passado, sua taxa de desemprego é a mais baixa do país e há dinheiro sobrando no orçamento estadual.

O presidente Barack Obama quer mudar radicalmente a maneira como os americanos produzem e consomem energia. O plano de estímulo econômico que ele começou a executar neste ano reservou US$ 43 bilhões para promover o aproveitamento de fontes de energia renováveis como o sol e a força dos ventos e incentivar mudanças nos hábitos das empresas e da população.

Obama e seus aliados no Partido Democrata apresentaram no Congresso um projeto ambicioso para controlar as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa e evitar a catástrofe ambiental que os cientistas preveem que ocorrerá se países como os EUA continuarem consumindo energia como hoje e nada for feito para conter o aquecimento do planeta. O objetivo do plano é reduzir as emissões dos EUA em 80% até meados deste século. Mas a iniciativa do governo tem enfrentado enorme resistência no Congresso e no meio empresarial. Se for aprovado, o plano dos democratas tornará a energia mais cara nos EUA e obrigará as indústrias a se modernizar para reduzir suas emissões. Muitas empresas temem perder terreno para rivais estrangeiros se não tiverem ajuda para se adaptar às mudanças.

Em lugares como Dakota do Norte, o impacto pode ser devastador. "Nossa economia se acostumou a contar com fontes de energia baratas e confiáveis", diz o secretário estadual de Comércio, Shane Goettle. "Vamos precisar de mais tempo se o objetivo é migrar para outro modelo."

As autoridades estaduais temem especialmente as perdas na agricultura, num Estado em que um quarto da população ainda tira seu sustento do campo. "Tudo vai ficar mais caro, fertilizantes, pesticidas, combustível", diz o secretário de Agricultura, Doug Goehring. A crise internacional reduziu a demanda por várias mercadorias que o Estado exporta e os fazendeiros acham que será difícil repassar aumentos de custos no futuro.

Os dois senadores de Dakota do Norte são do Partido Democrata, mas já avisaram que se opõem ao projeto de Obama. Outros integrantes da bancada do governo fizeram o mesmo. Pouca gente acha que os democratas chegarão a um acordo antes do fim do ano, quando a ONU espera concluir as negociações de um novo tratado internacional sobre mudanças climáticas em Copenhague, na Dinamarca. Metade da eletricidade consumida pelos americanos é gerada em usinas que queimam carvão. A maioria foi construída há mais de três décadas e emprega tecnologias antiquadas e pouco eficientes. O setor elétrico contribuiu no ano passado com 41% das emissões de dióxido de carbono, o mais nocivo dos gases-estufa, contabilizadas nos EUA.

O uso de fontes alternativas de energia está aumentando no país, mas elas deverão continuar representando por muito tempo uma fração minúscula das suas necessidades. Fontes de energia renovável suprem atualmente apenas 2% do consumo americano. As projeções do Departamento de Energia sugerem que elas representarão no máximo 3% do consumo total em 2030. Realidades locais impõem inúmeros obstáculos. Dakota do Norte é o Estado com maior potencial para geração de energia eólica no país, mas não consegue explorar a vantagem oferecida por sua localização geográfica porque faltam linhas de transmissão com força suficiente para levar a grandes centros consumidores a energia que o Estado tem condições de produzir.

Estados mais ricos se mobilizaram no Congresso para bloquear um amplo programa de modernização da rede de transmissão do país. Eles querem o poder de vetar a construção de novas linhas interestaduais, para impedir que fontes de energia mais competitivas em lugares como Dakota do Norte prejudiquem novos projetos que eles mesmos querem desenvolver e usinas mais antigas e poluentes estabelecidas em seus territórios.

A Associação Americana de Energia Eólica estima que Dakota do Norte poderia gerar 138 mil megawatts de eletricidade explorando a força dos ventos. É o equivalente a cinco vezes a capacidade de todos os moinhos de vento construídos até hoje no país inteiro. Mas a capacidade instalada nos parques de energia eólica existentes no Estado é de apenas 715 megawatts hoje. A crise internacional paralisou novos projetos e a indecisão dos políticos em Washington ampliou as incertezas dos investidores. "O que o governo decidir vai determinar o futuro de várias tecnologias que hoje estão em desenvolvimento", diz Gregory Ridderbusch, vice-presidente da Great River Energy, uma das maiores geradoras de eletricidade do meio-oeste. "Ninguém voltará a investir enquanto não houver uma definição."

Aposta em fontes sustentáveis ainda é superada pela exploração petrolífera
Dez anos atrás, havia menos de 1,3 mil pessoas vivendo em Stanley, no interior de Dakota do Norte. O envelhecimento da população e a falta de dinamismo econômico do lugarejo haviam tornado seu futuro sombrio, e o prefeito avisou que não teria mais como manter a escola e o hospital da cidade funcionando por muito tempo. Um grupo de fazendeiros da região resolveu fazer alguma coisa e comprou um anemômetro, aparelho que mede a velocidade dos ventos. O grupo fez estudos em várias propriedades das redondezas em diferentes estações do ano e depois de algum tempo concluiu que tinha encontrado uma maneira de salvar a cidade da ruína.

Há dois anos, os fazendeiros assinaram um acordo com o grupo canadense AltaGas para desenvolver um parque de energia eólica com capacidade para gerar 99 megawatts de energia. Duas linhas de transmissão que passam por Stanley poderão ser usadas para distribuir a eletricidade produzida ali. O empreendimento até hoje não saiu do papel, mas os canadenses prometem criar 200 empregos na cidade quando começarem a erguer seus moinhos de vento. Há 61 fazendeiros envolvidos no projeto. Todos esperam ganhar algum dinheiro, mas quem tiver uma torre instalada dentro da fazenda receberá mais.

A cidade não morreu à espera dos canadenses porque apareceu a indústria do petróleo, atraída por novas descobertas feitas pelos geólogos na formação Bakken, um rico reservatório identificado na década de 50. "O petróleo revigorou nossa economia com uma velocidade que pegou todo mundo de surpresa", diz Wayne Johnson, um fazendeiro de 51 anos que é um dos líderes do empreendimento ao qual a AltaGas se associou.

Um dos seus vizinhos vendeu um pedaço da fazenda para uma empresa do Texas que ergueu um acampamento para 500 funcionários, diz ele. A escola e o hospital de Stanley ficaram pequenos para atender as novas famílias que se instalaram na cidade. Fazendeiros da região enriqueceram de um dia para o outro vendendo os direitos de exploração dos recursos minerais existentes em suas terras.

Johnson diz que até agora não recebeu nenhuma oferta que o fizesse perder a cabeça, mas pensa no assunto todos os dias. Ele gostaria de ver sua propriedade dividida em três partes no futuro. Haveria um poço de petróleo numa delas, um moinho de vento na outra e ele usaria o resto para plantar canola para produzir biodiesel. A única coisa que deu certo até agora foi a canola. Dakota do Norte é o maior produtor de canola dos EUA e fazendeiros como Johnson ampliaram o plantio.

(Por Ricardo Balthazar*, Valor Econômico, 11/08/2009)

* O repórter viajou com um grupo de jornalistas organizado pelo Departamento de Estado dos EUA


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