Ao promulgar as regras de restrição de poluição atmosférica por mercúrio em março de 2005, a administração Bush esperava acalmar preocupações relativas à emissão do poluente por usinas termelétricas a carvão. A Casa Branca adotou uma abordagem do tipo cap-and-trade (distribuir cotas limitadas de emissão e permitir que sejam comercializadas) para reduzir o despejo de mercúrio nos Estados Unidos em cerca de 20% em cinco anos e 70% até 2018. Ao formular suas regras, as autoridades notaram que as usinas elétricas emitem apenas 48 toneladas anuais do metal – uma pequena fração do total de mercúrio na atmosfera. O governo argumentou que exigir mais cortes de emissão não resolveria o problema da exposição humana a essa neurotoxina.
Onze estados e quatro grupos de saúde pública estão questionando essa abordagem, alegando que o cap-and-trade não abrange áreas particularmente vulneráveis à poluição por mercúrio. A Agência de Proteção Ambiental (EPA) nega. Quando as propostas de cap-and-trade foram anunciadas, o chefe da agência para regulamentação atmosférica, Jeffrey Holmstead, disse: “Não achamos que haverá áreas vulneráveis”. Esse impasse vem de grandes vácuos de conhecimento científico sobre o metal. Além disso, a falta de dados abrangentes sobre a deposição de mercúrio significa que um consenso sobre o controle das emissões não deve surgir logo.
Teoricamente, a maior parte do metal deveria se depositar com as chuvas em áreas próximas às termelétricas, mas as tentativas de determinar esse efeito se mostraram incompletas. Por exemplo: a Rede de Deposição de Mercúrio, que mede o teor do elemento em águas pluviais em várias áreas dos Estados Unidos, não leva em conta os particulados de mercúrio que se assentam secos sobre a vegetação, forma de deposição que poderia se equiparar à da líquida, afirma o cientista Steve Lindberg, do Laboratório Nacional de Oak Ridge.
E o fato de uma região ter deposição acima da média não significa que terá alto nível de metilmercúrio (CH3Hg), a forma com a qual o elemento se acumula em peixes predadores de vida longa como a truta, o lúcio e o peixe espada. “As áreas com mais problemas podem não ter os maiores níveis de deposição”, diz o especialista David Krabbenhoft, do USGS, braço do governo para pesquisa geológica. De fato, o sudoeste dos EUA detectou maior deposição do que o nordeste, mas as duas regiões têm sérios problemas com metilmercúrio.
Uma explicação parcial para essa dicotomia é o processo pelo qual o mercúrio se agrega à molécula de CH3Hg. Para essa metilação ocorrer e a substância entrar na cadeia alimentar, o mercúrio tem de ser processado por bactérias que vivem de sulfato, um composto de enxofre. Isso significa que a matéria orgânica dissolvida e o enxofre intensificam a metilação, como é o caso das águas ácidas do noroeste. O processo de metilação altera as conclusões tiradas apenas a partir da chuva de mercúrio.
Krabbenhoft, por exemplo, completou recentemente um estudo sobre lagos na Nova Inglaterra, de Boston até o Maine. Emissões e deposição de mercúrio são maiores em áreas urbanas, mas o CH3Hg em peixes é baixo. Os problemas com a pesca ocorrem em Vermont e New Hampshire, onde as condições são propícias à metilação. “O que queremos proteger?”, pergunta o pesquisador. “Se forem as belas áreas de pesca, como esses lagos, então temos de analisar algo além da deposição.”
Os cientistas finalmente compreendem a metilação bem o suficiente para mapear áreas vulneráveis no país todo, de acordo com Krabbenhoft, que já começou a fazer esse trabalho para a EPA. O levantamento poderia, pela primeira vez, combinar deposição e vulnerabilidade ao analisar áreas de concentração consagradas – regiões onde o mais sensato é tomar medidas para limitar os efeitos do mercúrio. Cientistas acreditam que essa informação e outros avanços podem resolver o debate sobre as áreas de concentração e demonstrar se a abordagem da administração Bush para regulamentar o mercúrio é sensata ou não.
Oxidação indesejada
A administração Bush alega que o mercúrio emitido por termelétricas é uma fração pequena daquele que existe na atmosfera. A comparação é enganosa, argumenta Praveen Amar, diretor científico do Nescaum, associação de reguladores de qualidade do ar no nordeste americano. Isso ocorre porque a maior parte do mercúrio na atmosfera está em estado gasoso elementar e permanece assim por cerca de um ano, sem contribuir significativamente para mudanças rápidas na deposição de mercúrio. Por outro lado, cerca de 50% do mercúrio emitido por termelétricas está oxidado e cai com a chuva em poucos dias. Muitos cientistas concordam com isso, mas é algo difícil de provar.
A melhor evidência vem de um monitoramento recente da EP A em usinas no vale de Ohio. Mostrou-se que as deposições de mercúrio oxidado e dióxido de enxofre (um marcador de combustão) aumentam juntas. Seguindo as pegadas do poluente, com base em dados meteorológicos, cientistas chegaram à sua origem, as termelétricas.
(Por Rebecca Renner, Scientific American Brasil, 20/07/2009)