A senadora Marina Silva (PT-AC) analisa sua situação política em três etapas: sair do partido que ajudou a fundar, ir para o Partido Verde e candidatar-se à Presidência da República. A etapa de sair do PT tem mobilizado o partido inteiro. Ela parece pessoalmente comprometida com a refundação do PV, 23 anos de trajetória espasmódica sem nunca ter conseguido pautar a agenda verde em uma eleição nacional. A terceira fase, pensar na candidatura, é algo para depois, despista. O que é certo é que neste processo todo a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva não tem nada a perder.
Ela tem 16 anos de Senado e não demonstra querer continuar na Casa. Também não parece disposta a brigar com os velhos companheiros para disputar o governo do Acre. Às vezes fala em voltar a lecionar mas por enquanto observa muito de perto os filtros a que o PV promete se submeter e limpar gente esquisita de seus quadros, uma herança da cláusula de barreira, mecanismo para evitar a proliferação de legendas. Estão lá, gravitando no PV, alguns de seus pares - o ministro da Cultura Juca Ferreira, o deputado federal Fernando Gabeira, o ex-braço direito João Paulo Capobianco, o vereador Alfredo Sirkis. Ela declara interesse pela discussão do programa que vem mobilizando acadêmicos como José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo, e Eduardo Viola, da Universidade de Brasília, e pode tornar estratégico o tema ambiental no partido - coisa que nunca foi no PT ou no governo.
No sábado (08/08), a senadora foi "ao ventre da baleia", diz, usando a metáfora bíblica para falar do dia que passou em Rio Branco, no Acre, encontrando as lideranças do PT. Cumpriu uma maratona extensa de encontros com os líderes locais do PT - com o governador Arnóbio Marques (Binho, o amigo mais próximo) e os irmãos Viana (o ex-governador Jorge e o senador Tião) , com seu suplente Sibá Machado e o prefeito Raimundo Angelim.
De lá passou rapidamente por Brasília e voou para Salvador. Esteve na Bahia sendo homenageada pela Universidade Federal e Assembleia Legislativa, o governador petista Jaques Wagner ao seu lado. Nesta terça (11) começa uma rodada de conversas com as lideranças do PT em Brasília. Marina Silva, um Jedi segundo o ex-ministro José Dirceu, diz que ainda não decidiu nada e tem tempo até outubro, o prazo final do calendário eleitoral. "Mas quem faz tanta consulta é porque está interessado" arrisca um velho amigo.
Valor Econômico - A senhora decidiu?
Marina Silva - Não. E ainda tem um circuito enorme de conversas pela frente. Eu queria primeiro fazer uma avaliação no Acre e depois falar com todos que pediram para conversar comigo como o José Eduardo Dutra, [presidente da BR Distribuidora e possível novo presidente do PT], o senador Mercadante [Aloizio], o deputado Berzoini [Ricardo Berzoini atual presidente do PT], o senador Eduardo Suplicy. Vou ter estas conversas a partir de hoje, assim que voltar a Brasília.
Quem do PT a procurou e o que ouviu deles?
Marina - Não vou entrar em detalhes mas posso dizer que foram conversas muito densas, revelando as preocupações de ambos os lados, mas também de respeito. O argumento principal das pessoas era que eu não devo sair do partido, insistem para que não saia. Dizem, por exemplo, que, se sair, fica difícil pautar o tema ambiental dentro do partido.
O que será decisivo para que opte pela candidatura?
Marina - Não tenho isso claro. Estou ouvindo pessoas e vou me dar um tempo para pensar. Mas neste momento não estou discutindo candidatura, estou conversando sobre o convite de me filiar ao PV e desligar do PT. Falamos sobre a refundação programática do PV onde a discussão do desenvolvimento sustentável passa a ser estratégica no programa partidário. Isso de candidatura é um processo talvez mais para a frente. Mas não tem nestas conversas um cálculo pragmático de ser candidata ou não, mas sim de busca de conteúdo.
É possível esta agenda ganhar mais força dentro do PT?
Marina - Nenhum partido hoje assimila a questão do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável como parte estratégica de seus programas. Com o PT não é diferente. O valor que tem a discussão no PV é a disposição de colocá-la como fundamental. O PV é um partido que surgiu há mais de 20 anos na Europa com uma plataforma verde e foi com esta visão que veio de lá para o Brasil. Eles entendem que agora é hora de fazer o movimento do Sul para o Norte. Esta discussão atual, de conteúdo, é importante. A defesa do meio ambiente não deve ser algo em si mesmo mas permear todos os aspectos da vida econômica, política, social. A necessidade de preservar tem que estar integrada à dinâmica do desenvolvimento.
Como vê a dubiedade do PV que é governo no Congresso e está ao lado da oposição nos Estados?
Marina - Acho que esta diversidade não ocorre só dentro do PV. Outros partidos também tem posição variável, apoiam o governo federal mas dentro dos Estados tem outra posição.
O que se fala é que sua candidatura seria auxiliar à do governador José Serra.
Marina - Bem, não se está discutindo candidatura neste momento mas conteúdo programático. Não vejo como um conteúdo programático que centre no desenvolvimento sustentável favoreça Serra e não favoreça Dilma. Todos os partidos deveriam ter isto como estratégico. É o que eu sempre dizia quando estava no Ministério, que com ambiente não se trata de fazer política de governo mas de traçar uma política de país. Mas é verdade que este governo, na questão econômica, não só ampliou os benefícios do Plano Real como obteve conquistas fantásticas. Empreendeu um programa social com progressos fantásticos e que beneficiará qualquer candidato que seja vitorioso no final.
O que é interessante no processo atual do PV?
Marina - Estão trabalhando no conteúdo programático, em reestruturar o partido, em horizontalizá-lo. Eles mesmo reconhecem que o PV tem estrutura vertical, estão buscando novos filiados para ter candidaturas verdes em todo o país, querem ampliar a base parlamentar no Congresso com parlamentares comprometidos com a causa ambiental. Porque o que vemos hoje é um esforço de desconstruir a base ambiental legislativa, o Código Florestal, o licenciamento. E há uma série de retrocessos prenunciados para o segundo semestre.
Só um Congresso comprometido de verdade manterá as conquistas para que o Brasil tenha uma economia descarbonizada. Para que a nossa agricultura, nossa madeira, nossa carne possam ser duplamente preferidas, pela suaqualidade e pelo compromisso com a causa ambiental. Podemos criar uma nova narrativa para os nosso produtos. O Brasil pode dar um passo a frente. Porque o que está acontecendo neste processo da carne? Existe pressão da sociedade, as empresas estão buscando certificação. O cidadão está percebendo que pode eleger um senador ou um governador mas que também pode escolher um produtor de carne que respeita reserva legal e área de proteção ambiental.
Entre Dilma e Serra, qual tem convicções e práticas mais distanciadas do desenvolvimento sustentável?
Marina - Não quero fazer este tipo de comparação. Nenhum partido colocou este tema como estratégico até agora. E ele tem que ser estratégico na disputa política, mas também perene. Meio ambiente é um espaço onde a política pode ser reelaborada. Fazer política não precisa ser necessariamente alguém contra alguma coisa, mas um espaço a favor de todo mundo. Investir em inovação tecnológica para que no lugar da pecuária extensiva tenhamos a intensiva é bom para todo mundo.
O PV tem trajetória tímida no Brasil. Isto não a desanima?
Marina - Se você tem uma causa, mesmo que não tenha um projeto... Resignificar o PV com conteúdo programático é o que vai fazer com que ele se torne expressivo ou não. É esta visão, e o momento do Brasil assumir o desenvolvimento com sustentabilidade, que vai fazer o partido crescer ou não. Mas não se pode mais ter a ilusão de que partidos vão crescer a ponto de homogeneizar a sociedade. São, claro, importantes para a democracia. Mas a sociedade é plural, as propostas são multicêntricas e cada vez mais os processos de tomada de decisão são diversificados.
Quando a senhora pensa em ter uma decisão?
Marina - Vou observar a questão legal de prazos, ninguém está me pressionando. Não é algo fácil para se pensar. A conversa que tive no Acre foi como ter ido à boca do ventre da baleia, buscando a metáfora de Jonas. Ali é a raiz de tudo, onde estão os meus companheiros, de onde se plantaram as primeiras árvores e foram colhidas as primeiras sementes. Agora precisa juntar outras sementes do Brasil inteiro para fazer a grande semeadura do desenvolvimento sustentável.
O Brasil está fazendo a tal mudança de paradigma do desenvolvimento sustentável?
Marina - Obviamente ainda não. Mas toda mudança no começo é só um pequeno desvio. O curso que veio até agora destruiu quase toda a Mata Atlântica, está destruindo o Cerrado e comprometendo seriamente outros ecossistemas. Este curso tem que ser progressivamente mudado e a preservação assumida como algo estratégica para todos os setores. Este é um desvio que o Brasil precisa fazer. Há um sentimento claro entre as pessoas de como os brasileiros acham que podem melhorar sua vida, isto tem aparecido, por exemplo, nas pesquisas do Datafolha. Este movimento está associado a valores, a um processo ético, o que é muito rico e tem que ser vitalizado. Agora deve-se restabelecer um processo que dê potência ao que precisamos fazer no país.
(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico, 11/08/2009)