Mandado de segurança foi impetrado na Justiça Federal, em Porto Alegre, pela ONG União pela Vida, em conjunto com a Associação Ecológica Vida e Meio Ambiente.
A ONG União pela Vida (UPV) obteve, nesta segunda-feira (10/08), liminar da Justiça Federal cancelando a licença de instalação da Hidrelétrica Autódromo, no rio Carreiro, na região abrangida pelos municípios de Guaporé e Vista Alegre di Prata, na Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. O mandado de segurança foi impetrado pela UPV em conjunto com Associação Ecológica Vida e Meio Ambiente (Vime), pelos advogados Renata de Mattos Fortes e Marcelo Pretto Mosmann.
Na ação, a UPV e a Vime pediram a cassação da licença de instalação da pequena central hidrelétrica (PCH), afirmando que houve descumprimento das condicionantes pelo empreendedor, a Autódromo Energética S/A, principalmente por estar provocando o desmatamento antes de apresentar autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para resgate da fauna.
O Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal deferiu o pedido de liminar determinando que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) “somente permita a implantação do canteiro de obras do empreendimentoquando o empreendedor tiver apresentado autorização do Ibama para resgate da fauna”.
Determinou ainda que a Fepam adote imediatamente as medidas de fiscalização, controle e embargo da obra se a condicionante não for atendida. “Em sua contestação (fls. 800-802), o empreendedor não negou os fatos. Apenas alegou que havia requerido prorrogação do prazo da condicionante e que obteve a autorização do IBAMA”, apontou o magistrado.
Veja a íntegra abaixo:
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2009.71.00.014985-4/RS
IMPETRANTE : ASSOCIAÇÃO ECOLÓGICA VIDA E MEIO AMBIENTE - VIME
: UNIAO PELA VIDA - UPV
ADVOGADO : RENATA DE MATTOS FORTES
: MARCELO PRETTO MOSMANN
IMPETRADO : DIRETORA-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUIS ROESSLER - FEPAM
IMPETRADO : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
ADVOGADO : PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL
IMPETRADO : AUTÓDROMO ENERGÉTICA S/A.
ADVOGADO : PAULO CESAR RUTZEN
: SIDNEI LUIZ MANHABOSCO
SENTENÇA
SENTENÇA 320/2009
RELATÓRIO
Esta ação foi ajuizada por ASSOCIAÇÃO ECOLÓGICA VIDA E MEIO AMBIENTE - VIME - e por UNIÃO PELA VIDA, contra DIRETORA-PRESIDENTE DA FEPAM/RS e contra AUTÓDROMO ENERGÉTICA S/A. O IBAMA figura como interessado.
Esta ação discute o cumprimento da condicionante 1 ("não poderá ser iniciada a implantação do canteiro de obras até que seja apresentada a autorização do IBAMA para resgate da fauna") e a apresentação do documento referido no item 3 ("autorização do IBAMA para resgate de fauna na área a ser implantado o canteiro de obras") da licença de instalação LI nº 428/2009-DL, relativa à barragem para geração de energia "PCH Autódromo", localizada no Rio Carreiro, na bacia hidrográfica Taquari-Antas, entre os municípios de Guaporé e Vista Alegre do Prata (RS).
Os autores pedem seja determinado "à autoridade coatora que promova a cassação da licença de instalação emitida no processo administrativo nº 12052-0567/08-1, diante do descumprimento das condicionantes pelo empreendedor, em especial, por estar provocando o desmatamento antes de apresentar autorização do IBAMA para resgate da fauna" (fls. 11). Também pediram medida liminar (fls. 10). Fundamentam sua pretensão no descumprimento da licença de instalação pelo empreendedor, o qual iniciou o desmatamento para implantação do canteiro de obras na área do empreendimento sem que tivesse cumprido aquela condicionante. O art. 19-I da Resolução CONAMA 237 prevê suspensão ou cancelamento de licença ambiental quando seus condicionantes não forem observados. A área atingida integra Zona Núcleo da Mata Atlântica, nessa condição gozando de especial proteção. A autoridade impetrada se omitiu na adoção de providências, permitindo que fosse descumprida a licença ambiental e não exercendo sua função de polícia e fiscalização. A petição inicial é acompanhada de documentos (fls. 12-653).
Protocolada a petição em regime de plantão judiciário, este juízo deferiu medida liminar (fls. 659-664). Foram feitas as comunicações (fls. 665-671 e 714-719).
Os autores emendaram a petição inicial, requereram citação do empreendedor como litisconsorte passivo necessário, e alegaram omissão da autoridade impetrada em cumprir a liminar (fls. 674-677). A liminar foi mantida e foi determinado prosseguimento (fls. 712).
O IBAMA limitou-se a informar que: (a) o empreendedor protocolou solicitação de autorização de resgate de fauna em 28/05/09, que se encontra ainda em análise no IBAMA; (b) apenas quando desse protocolo o IBAMA tomou conhecimento do empreendimento (fls. 673). Posteriormente, informou que: (c) não é impetrado, apenas interessado; (d) realizará vistoria no local para verificar o descumprimento da condicionante relativa ao resgate da fauna.
A autoridade impetrada (Diretora-Presidente da FEPAM) informou: (a) a licença de instalação foi emitida em 20/04/09 com a condicionante relativa ao resgate da fauna; (b) o empreendedor protocolou pedido de prorrogação do prazo em 20/05/09 para apresentar autorização de resgate da fauna; (c) em 28/05/09, o empreendedor protocolou a solicitação de autorização de resgate da fauna perante o IBAMA; (c) a FEPAM não se opôs à prorrogação do prazo administrativo nem sua extrapolação geraria ilegalidade; (d) em 27/05/09, foi emitida autorização geral 370/2009-DL, repetindo a condicionante da licença de instalação de que "3. O corte da vegetação só poderá ser iniciado após a emissão da autorização do IBAMA, para resgate de fauna terrestre na área a ser desmatada"; (e) a FEPAM recebeu denúncia que o empreendedor teria iniciado o desmatamento sem autorização do IBAMA, verificando o fiscal da FEPAM que "as constatações observadas pela Técnica FEPAM, objeto de Relatório de Vistoria nº 63/2009 datado de 10.06.09 e as fotos tiradas no local, demonstram que o empreendedor Autódromo Energética S/A estava abrindo os acessos ao canteiro de obras da PCH AUTÓDROMO, sem ter, ainda, a autorização do IBAMA para o resgate de fauna, contrariando as condições e restrições contidas na Licença de Instalação - LI nº 428/2009-DL, item 1 e na Autorização Geral nº 370/2009-DL, item 3" (fls. 729); (f) a FEPAM então suspendeu a licença de instalação e a autorização geral até que fosse apresentada autorização do IBAMA para resgate da fauna; (g) o empreendedor também foi autuado (auto de infração 277/2009) em 07/06/09 (fls. 729); (h) assim que tomou conhecimento dos fatos, a FEPAM adotou providências para apurá-los e suspender a licença, sendo exclusiva do empreendedor a responsabilidade pela infração à legislação ambiental (fls. 721-797).
Citado (fls. 798-799), o empreendedor Autódromo Energética S/A contestou (fls. 800-802), alegando perda de objeto da ação e requerendo extinção do processo porque obteve junto ao IBAMA licença para captura, coleta, transporte e exposição nº 159/2009, e atendeu a condicionante da licença de instalação.
Os autores alegram descumprimento da liminar (fls. 810-811 e 816-818 e 829-832). Foi determinado à autoridade impetrada que exibisse o procedimento administrativo (fls. 824). A FEPAM exibiu documentos e informou que "em 13.07.2009 o empreendedor apresentou à FEPAM a autorização de resgate e salvamento de fauna nº 159/2009, emitida em 10/07/2009 pelo IBAMA/RS, através do seu Núcleo de Fauna, que após análise pela equipe técnica responsável pelo licenciamento da PCH Autódromo, a FEPAM considerou atendidas as condicionantes 1, da LI nº 428/2009-DL e 3 da AG nº 370/2009-DL" (fls. 961-966).
O Ministério Público Federal opinou pela procedência da ação (fls. 1017-1024), alegando que a ação não perdeu seu objeto e que a situação do empreendimento é irregular porque não observou os prazos para obtenção da licença junto ao IBAMA.
FUNDAMENTAÇÃO
1- Quanto à preliminar
Rejeito a preliminar de perda de objeto da ação (fls. 800-802) porque: (a) a simples obtenção da autorização do IBAMA no curso da ação não impede que o mérito da pretensão seja apreciado; (b) se o empreendedor não tinha autorização do IBAMA e se não atendeu a condicionante da licença de instalação na época em que realizou o desmatamento, não tem sua conduta corroborada pela simples obtenção posterior de autorização do IBAMA; (c) a sentença no mandado de segurança retroage à data do ajuizamento da ação, cabendo ao juiz decidir sobre a situação do empreendimento naquela época; (d) há interesse de agir dos autores, ainda que posteriormente ao ajuizamento o empreendedor tenha obtido autorização; (e) o licenciamento ambiental é procedimento vinculado, sujeito a rígido regramento, não sendo possível permitir que o empreendedor-infrator afaste o julgamento do mérito tão-somente pela regularização da sua condição no curso do processo.
2- Quanto ao mérito
Julgo procedente a ação pelos seguintes motivos:
Primeiro porque este juízo deferiu medida liminar no início da ação (item 5 de fls. 661-663), reconhecendo que existiam indícios relevantes de situação grave quanto ao descumprimento das regras do licenciamento ambiental pelo empreendedor. Naquela ocasião, foi dito:
5- Sobre a liminar, este mandado de segurança discute tão-somente o início da implantação do canteiro de obras do empreendimento sem que tenha sido apresentada autorização do IBAMA para resgate da fauna. Nas outras ações ajuizadas na Vara Federal de Bento Gonçalves (processos 2008.71.13.000672-8 e 2009.71.13.000886-9), parece que as partes discutem o prosseguimento do licenciamento ambiental, mas neste mandado de segurança a discussão está restrita a dois pontos que inegavelmente estão previstos na licença de instalação LI 428/2009-DL. Está dito que é condição e restrição da licença de instalação que: "1. Não poderá ser iniciada a implantação do canteiro de obras até que seja apresentada a autorização do IBAMA para resgate da fauna". Também é determinado ao empreendedor "Apresentar no prazo de 30 dias: ... 3. Autorização do IBAMA para resgate de fauna na área a ser implantado o canteiro de obras". Ou seja, o empreendedor não pode iniciar a implantação do canteiro de obras sem atender esta condição: apresentar em 30 dias autorização do IBAMA para resgate da fauna. Sem isso, não pode ser iniciada a implantação do canteiro de obras.
Pois bem, o impetrante não trouxe prova conclusiva de que o empreendedor está na iminência de iniciar a implantação do canteiro de obras. Mas trouxe prova de que, passados 30 dias da licença de instalação (expedida em 20/04/09), o empreendedor não havia ainda apresentado autorização do IBAMA para resgate da fauna. Não só não havia apresentado a autorização, mas o empreendedor havia solicitado à FEPAM em 20/05/2009 "prorrogação de prazo das condicionantes a serem apresentadas em 30 dias" (Ofício BSM HT 083/09, protocolado em 20/05/09 na FEPAM, últimos documentos apresentados pelos impetrantes).
Ora, se o empreendedor pede a prorrogação do prazo para apresentação à FEPAM dos documentos que deveria apresentar em 30 dias, é porque ainda não dispõe dessa documentação. Se não dispõe dessa documentação, não pode iniciar a implantação do canteiro de obras do empreendimento, sob pena de colocar em risco a fauna silvestre existente no local, inclusive aqueles espécimes ameaçados de extinção.
Então há fumus boni júris em favor da pretensão dos impetrantes, ainda que não estejam suficientemente esclarecidos os fatos relacionados ao início do canteiro de obras. Tenha ou não iniciado o canteiro de obras, é certo que isso somente poderia ocorrer se houve autorização pelo IBAMA para resgate da fauna e se o empreendedor apresentou à FEPAM essa autorização em 30 dias contados da expedição da licença de instalação. Se existe a autorização do IBAMA e ela foi apresentada à FEPAM no prazo de 30 dias, como previsto na licença de instalação, é possível ao empreendedor iniciar a implantação do canteiro de obras. Mas se não existe autorização do IBAMA ou ela não foi apresentada em 30 dias à FEPAM, não é possível ao empreendedor iniciar a implantação do canteiro de obras.
Quanto ao periculum in mora, este é presumido caso o empreendedor não tenha autorização do IBAMA para resgate da fauna e mesmo assim esteja na iminência de iniciar a implantação do canteiro de obras. Nessa situação, o não deferimento da liminar permitiria que se consumasse a supressão de vegetação para implantação do canteiro de obras com risco de danos à fauna silvestre. Na outra possibilidade (empreendedor tem autorização do IBAMA para resgate da fauna), ainda assim estamos diante de situação irregular porque o prazo de 30 dias para apresentação do autorização à FEPAM esgotou-se em 20/05/09 e o empreendedor solicitou prorrogação, cabendo à FEPAM examinar a questão e ainda aqui estando justificada a intervenção judicial para suprir a omissão daquele órgão. Por fim, caso o empreendedor não tenha começado a implantação do canteiro de obras, a liminar será inócua e não lhe trará prejuízos, não havendo risco para o empreendedor.
Então defiro liminar para: (a) determinar à autoridade impetrada que somente permita o início da implantação do canteiro de obras do empreendimento quando o empreendedor tiver apresentado autorização do IBAMA para resgate da fauna (condicionante 1 da LI nº 428/2009-DL); (b) determinar à autoridade impetrada que imediatamente adote as medidas necessárias de fiscalização, controle e eventual embargo do empreendimento se aquela condicionante não tiver sido atendida; (c) determinar à autoridade impetrada que imediatamente adote as medidas cabíveis contra o empreendedor se ele não apresentou em 30 dias o documento que cabia (autorização do IBAMA para resgate de fauna na área a ser implantado o canteiro de obras) ou, se solicitou prorrogação, determinar à autoridade impetrada que examine este pedido, abstendo-se de dispensar seu cumprimento para permitir o início da implantação do canteiro de obras; (d) determinar ao empreendedor que se abstenha de iniciar a implantação do canteiro de obras do empreendimento até que seja apresentada à FEPAM e aceita por esta autorização do IBAMA para resgate de fauna.
Segundo porque foi confirmado pelas informações da autoridade e contestação do empreendedor que havia condicionante que não foi atendida. O mandado de segurança foi protocolado em 04/06/09, oportunidade em que o empreendedor já estava realizando desmatamento no local, confirmando a vistoria da FEPAM que "após a emissão da licença de instalação, em início de maio, foram iniciados os trabalhos de adequação e abertura de novos acessos, sendo que assim que foi informada a respeito da liminar judicial, a empresa suspendeu as atividades" (fls. 785).
Essa vistoria foi feita em 10/06/09 e as fotos de fls. 786-789 comprovam que o empreendedor realizou desmatamento no local. A autoridade impetrada confirma a situação narrada na petição inicial dos autores quanto ao início do desmatamento em desconformidade com a licença de instalação: "As constatações observadas pela Técnica da FEPAM, objeto de Relatório de Vistoria nº 63/2009 datado de 10.06.09 e as fotos tiradas no local, demonstram que o empreendedor Autódromo Energética S/A estava abrindo os acessos ao canteiro de obras da PCH Autódromo, sem ter, ainda, a autorização do IBAMA para o resgate da fauna, contrariando as condições e restrições contidas na Licença de Instalação - LI nº 428/2009-DL, item 1 e na Autorização Geral nº 370/2009-DL, item 3" (grifei, fls. 729). Em sua contestação (fls. 800-802), o empreendedor não negou os fatos. Apenas alegou que havia requerido prorrogação do prazo da condicionante e que obteve a autorização do IBAMA. Ou seja, é incontroverso que o início da implantação do canteiro de obras do empreendimento estava condicionado à apresentação de autorização do IBAMA para resgate da fauna e que o empreendedor, mesmo sem ter ainda obtido essa licença, iniciou o desmatamento no local.
Terceiro porque a autorização do IBAMA para resgate da fauna somente foi emitida em 10/07/09 (fls. 806). A licença de instalação foi emitida em 20/04/09 (fls. 647) e o empreendedor tinha 30 dias para apresentar a autorização do IBAMA (item 3 de fls. 649). Em 20/05/09, o empreendedor protocolou na FEPAM requerimento para prorrogação do prazo (fls. 656 e 742). Mas somente em 28/05/09 protocolou no IBAMA o requerimento para autorização de remoção da fauna (fls. 743-744). Ou seja, quando o empreendedor estava realizando obras e desmatamento no local, não tinha sequer protocolado o requerimento no IBAMA para resgate da fauna e muito menos tinha obtido essa autorização. O relatório da vistoria feito pela FEPAM, em 10/06/09, dá conta destas atividades não-autorizadas feitas pelo empreendedor: "Considerando as constatações e informações recebidas na vistoria realizada, tenho a informar: - Não havia atividades no local, sendo que os veículos e maquinários utilizados para tal, encontravam-se estacionados no ponto de coordenadas UTM 416754, 6810169 (erro de 8m); - Na ocasião, recebemos as seguintes informações: * após a emissão da licença de instalação, em início de maio, foram iniciados os trabalhos de adequação e abertura de novos acessos, sendo que assim que foi informada a respeito da liminar judicial, a empresa suspendeu as atividades; * as atividades já realizadas abrangem um total de 2Km, sendo 800m de abertura de vias.
A adequação dos acessos existentes não incorreu em corte significativo de vegetação, mas apenas de alguns exemplares arbóreos e vegetação de menor porte; * ainda restam cortes de solo a serem feitos para a conclusão dos novos acessos, sendo que a vegetação suprimida não foi organizada devido à suspensão das atividades; * não houve corte de exemplares de espécies ameaçadas de extinção" (fls. 785). O relatório é acompanhado de fotos (fls. 786-789), que afastam quaisquer dúvidas sobre a conduta do empreendedor.
Quarto porque os fatos praticados pelo empreendedor são graves (descumprimento flagrante de condicionante inequívoca da licença de instalação). Mesmo assim, a FEPAM foi compassiva com a irregularidade porque: (a) somente agiu depois que as associações-autoras ajuizaram este mandado de segurança e este juízo deferiu liminar; (b) não fosse a iniciativa das associações-autoras, provavelmente o empreendedor teria persistindo no descumprimento da condicionante da licença de instalação sem ser importunado; (c) a vistoria feita pela FEPAM é superficial, sendo sucinto o relatório de fls. 785, que se limitou a colher informações no local e a tirar fotografias, sem descrever a vegetação suprimida ou quantificar o dano causado; (d) embora tenha aplicado multa simples de R$ 55.746,32 (fls. 795) e tenha determinado a suspensão da licença de instalação (fls. 794), nenhuma outra providência foi adotada para apuração da infração ambiental consistente no descumprimento da condicionante da licença de instalação, prevista no art. 66 do Decreto 6.514/08, cuja penalidade é multa de R$ 500,00 a R$ 10.000.000,00.
Quinto porque o licenciamento ambiental é regulamentado com rigidez na legislação ambiental, prevendo requisitos e condicionantes que devem ser observados, sob pena de prática de infração ambiental e revogação da licença (art. 225-§ 1º-III e IV da CF/88; art. 66-§ único-II do Decreto 6.514/08; art. 19 da Resolução CONAMA 237/97; art. 12-I da Resolução CONAMA 279/01). Além de infração ambiental (prevista no art. 66-§ único-II do Decreto 6.514/08), o flagrante descumprimento da condicionante da licença de instalação pelo empreendedor enseja também o cancelamento da mesma, com base no disposto nos arts. 19 da Resolução CONAMA 237/97 e 12 da Resolução CONAMA 279/01, cujo teor é este:
"Art. 19 - O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer:
I - Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais.
II - Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença.
III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde" (Resolução CONAMA 237/97).
"Art. 12º O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, assegurado o princípio do contraditório, ressalvadas as situações de emergência ou urgência poderá, a qualquer tempo, modificar as condicionantes e as medidas de controle e adequação do empreendimento, suspender ou cancelar a licença expedida, quando ocorrer:
I - violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou infração a normas legais; ouII - superveniência de graves riscos ambientais ou à saúde. Parágrafo único. É nula de pleno direito a licença expedida com base em informações ou dados falsos, enganosos ou capazes de induzir a erro, não gerando a nulidade qualquer responsabilidade civil para o Poder Público em favor do empreendedor" (Resolução CONAMA 279/01).
Sexto porque os fatos são graves porque: (a) comprometem a fauna local com a implantação do empreendimento sem autorização prévia do IBAMA; (b) o empreendedor ignora condicionante da licença de instalação, deixando de atender os prazos e de requerer no IBAMA a necessária autorização; (c) mesmo sem ter protocolado no IBAMA o requerimento para remoção da fauna, o empreendedor inicia a instalação do empreendimento e a implantação do canteiro de obras; (d) o desmatamento realizado é considerável (fotos de fls. 786-789), ainda que sucintamente descrito na vistoria da FEPAM (fls. 785); (e) o empreendedor sequer apresenta justificativa para o descumprimento da condicionante (fls. 800-802), não sendo possível a autorização obtida posteriormente ratificar e tornar lícito o ato ilícito praticado quando do desmatamento sem autorização.
Sétimo porque o parecer do Ministério Público Federal opina pela necessidade de procedência da ação e cancelamento da licença, até que a FEPAM se manifeste de forma definitiva sobre o dano ambiental causado e a infração ambiental cometida pelo empreendedor. Adotando como razão de decidir, transcrevo: "comprovado o descumprimento das normas ambientais e das condicionantes da licença e autorização emitidas por parte do empreendedor, deve ser cancelada (mais do que suspensa) a LI nº 428/2009, bem como a Autorização Geral nº 370/2009, além de aplicada a multa diária fixada no item 6 da decisão liminar, pelo descumprimento, por parte da empresa, do contido no item 5.d dessa decisão (determinar ao empreendedor que se abstenha de iniciar a implantação do canteiro de obras do empreendimento até que seja apresentada à FEPAM e aceita por esta a autorização do IBAMA para resgate de fauna).
O descumprimento das condicionantes da Licença de Instalação nº 428/2009-DL só foram corroborados pelo documento da fl. 806, juntado pelo próprio empreendedor, demonstrando de forma cabal que a autorização do IBAMA para resgate da fauna só foi expedida em 10 de julho do ano em curso, ou seja, muito depois do prazo fixado pela FEPAM. Por fim, é de se ressaltar que há prova robusta da ocorrência de desmatamento na área, conforme o r. Juízo havia mencionado em sua decisão liminar (item 1.b - fl. 660), com inevitáveis prejuízos ao ecossistema local. Assim, pelo menos em atenção ao Princípio da Prevenção, como dever jurídico de evitar danos ao meio ambiente, é de se reconhecer a necessidade de cancelamento da licença de instalação nº 428/2009, até que a FEPAM se manifeste, definitivamente, a seu respeito" (fls. 1023-1024).
Oitavo porque os fatos são graves e a atuação da FEPAM foi insuficiente para reprimir infração à legislação ambiental e ao patrimônio nacional da Mata Atlântica (art. 225-§ 4º da CF/88). Se o empreendedor descumpre a licença de instalação e se o órgão ambiental, mesmo sabendo dos fatos, se limita a regularizar a conduta do infrator, essa conta não pode ser paga pela sociedade e pelo meio ambiente. Cabe o cancelamento da licença de instalação e apuração dos fatos nas instâncias apropriadas quanto à conduta do infrator e eventual omissão do órgão fiscalizador em cumprir o que lhe cabe no acompanhamento e fiscalização do empreendimento.
3- Quanto à multa
Deixo de aplicar a multa porque: (a) a multa cominada no item 6 de fls. 663-664 garante o cumprimento da medida liminar neste mandado de segurança, não se referindo ao licenciamento ambiental em si; (b) não há comprovação de que o empreendedor, após a comunicação do deferimento da liminar, tivesse descumprido o que foi determinado; (c) se o empreendedor voltou a realizar a obra, isso foi porque a FEPAM levantou a suspensão da autorização em 23/07/09 (fls. 1012), não obrigando a medida liminar à conduta diversa daquela praticada pela FEPAM.
DISPOSITIVO
Pelas razões expostas, rejeito a preliminar de perda de objeto e julgo procedente a ação para: (a) reconhecer que o empreendedor infringiu a legislação ambiental e a licença de instalação ao iniciar a implantação do canteiro de obras sem ter previamente requerido nem obtido autorização do IBAMA para resgata da fauna (condicionante 1 da licença de instalação LI nº 428/2009-DL - "não poderá ser iniciada a implantação do canteiro de obras até que seja apresentada a autorização do IBAMA para resgate da fauna") e sem ter previamente requerido ou apresentado documento referido na licença (item 3 da licença de instalação LI nº 428/2009-DL - "autorização do IBAMA para resgate de fauna na área a ser implantado o canteiro de obras"); (b) decretar o cancelamento da licença de instalação nº 428/2009-DL, relativa à barragem para geração de energia "PCH Autódromo", localizada no Rio Carreiro, na bacia hidrográfica Taquari-Antas, entre os municípios de Guaporé e Vista Alegre do Prata (RS), com base nos arts. 19 da Resolução CONAMA 237/97 e 12 da Resolução CONAMA 279/01; (c) determinar à autoridade impetrada que adote as providências necessárias para imediato cancelamento da licença de instalação LI nº 428/2009-DL e das dela decorrentes, inclusive adotando as providências necessárias à fiscalização, controle e embargo do empreendimento; (d) fixar multa diária de R$ 100.000,00 para a hipótese de descumprimento desta sentença, com base no art. 461-§ 4º do CPC, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
Os autos devem ser remetidos ao TRF4ªR após o decurso do prazo dos recursos voluntários, porque a sentença é sujeita a reexame necessário (art. 12-§ único da Lei 1.533/51).
Não são devidos honorários advocatícios (Súmulas 512 do STF e 105 do STJ). As custas serão suportadas pelas partes, na forma da lei.
Oficie-se à autoridade impetrada, para comunicar esta sentença.
Publique-se. Registre-se. Oficie-se. Intimem-se. Vista ao MPF.
Porto Alegre, 10 de agosto de 2009.
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Juiz Federal na Titularidade Plena
(EcoAgência, 11/08/2009)