Quando a geleira Chacaltaya desapareceu, seis anos antes do que previram os cientistas, vítima do aquecimento global, extinguiu-se com ela também a mais alta pista de esqui do mundo. A perda neste ano dessa geleira de 18 mil anos, nos Andes bolivianos, ameaça reduzir o abastecimento de água de 2 milhões de pessoas na região de La Paz, de acordo com o Banco Mundial. E deixou o Dragão Jade, na China, e o Gulmarg, da Índia, como as mais altas áreas de esqui remanescentes para os aventureiros.
"O Chacaltaya era a minha noiva em traje branco, agora ela está vestida para um funeral", disse Alfredo Martinez, 74 anos, sobre a geleira que ficava a 5.280 metros, onde ele e membros do Clube Andino Boliviano esquiavam por sua única pista, ao norte de La Paz, a capital da Bolívia. O Chacaltaya, que significa ponte de gelo na língua da etnia aimará, sucumbiu ao aquecimento da temperatura no verão deste ano, quando suas duas últimas linguetas glaciais se derreteram. Os cientistas haviam previsto seu desaparecimento para 2015, mas o aquecimento global acelerou muito o processo.
Assim como as capas de gelo em retração na Antártida, a mudança do clima provocada pelas emissões do gás estufa, que incluem a poluição gerada pela queima do carvão desde os tempos da Revolução Industrial, elevou os níveis dos mares, levou à extinção de espécies menos adaptáveis e custou ao mundo mais uma geleira. Dos Andes aos Alpes, as geleiras vêm recuando há 18 anos, e em ritmo duas vezes mais rápido do que uma década atrás, diz o Serviço Mundial de Monitoramento de Geleiras, da Universidade de Zurique.
O que inquieta os urbanistas é que, à medida que as geleiras da Bolívia recuam, cresce o risco das reservas de água do país andino sem saída para o mar, uma tendência que poderá se espalhar por toda a América do Sul e demais lugares, num momento em que o derretimento das geleiras se acelera num ritmo mais acelerado do que o esperado por uma projeção da ONU feita há apenas dois anos.
Aquecimento global, represas e o desvio de água para uso agrícola e industrial já estão secando os fluxos das correntezas em 45 dos maiores rios, incluindo o Ganges, da Índia, o Amarelo, na China, e os rios Congo e Colorado. Isso afeta milhões de pessoas da China, da Índia, da África e dos EUA.
Os sul-americanos, inclusive os moradores de La Paz e de sua cidade-irmã El Alto, podem ser igualmente afetados. O principal fornecimento de água de La Paz vem das águas das chuvas e do degelo de geleiras tropicais na região da Cordilheira Real, que inclui o Chacaltaya e o sistema glacial Tuni-Condoriri, situado nas montanhas acima do maior reservatório da região. O escoamento das geleiras desemboca em dez usinas hidrelétricas que fornecem cerca de 80% da energia elétrica da região, diz Edson Ramirez, chefe do departamento de hidrologia na Universidade San Andrés, em La Paz.
"Cedo ou tarde, todas as geleiras tropicais, sem exceção, desaparecerão", disse Juan Carlos Alurralde, um engenheiro que estuda soluções hídricas para [o projeto] "Água Sustentável", em La Paz. E há o efeito no turismo. Em 2008, um número estimado em 20 mil excursionistas chegou até a cúpula do Chacaltaya, de acordo com o presidente do Clube Andino, considerada uma escalada fácil se comparada com o pico gelado do Illimani, venerado pelos aimará.
Numa fria manhã de julho, cerca de 20 turistas escalaram a partir da estação de esqui Clube Andino até o cume do Chacaltaya, para ter uma vista mais ampla das montanhas da Cordilheira Real. Logo abaixo do cume, uma placa de gelo do tamanho de uma quadra de tênis é tudo o que restou do lugar onde antes havia um campo glacial propício ao esqui, em que havia trajetos de até dez minutos.
A vista a partir do cume do Chacaltaya num dia claro incluem picos cobertos de gelo e o lago Titicaca, o mais alto lago comercialmente navegável do mundo. "É lamentável pelas crianças, a juventude desta cidade", disse Juan de Dios Guevara, presidente do Clube Andino. "Os turistas vão preferir esquiar no Chile e na Argentina."
Apesar de Chacaltaya ter sido a única área para esqui da Bolívia, primeiramente desenvolvida em 1939, o Clube Andino vendeu o seu último ingresso para seu único teleférico em 2003, depois que uma torre fincada na geleira desabou devido à deterioração do degelo. A geleira perdeu 80% do seu volume ao longo dos 20 últimos anos, disseram os cientistas.
Geleiras saudáveis acrescentam massa de superfície com a precipitação e perdem massa embaixo com o degelo, mantendo praticamente o mesmo tamanho de ano a ano. O Chacaltaya e outras geleiras começaram a desaparecer quando a elevação das temperaturas rompeu aquele equilíbrio, de forma que a estrutura toda começou a derreter, disse Ramirez. As temperaturas médias ao redor da capital aumentaram quase 1°C nas três décadas passadas, disse Felix Trujillo, meteorologista-chefe do Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia da Bolívia.
(Por Jonathan Levin e Jose Orozco, Bloomberg / Valor Econômico, 10/08/2009)