O zoneamento do plantio da cana-de-açúcar, cuja divulgação estava anunciada para o final de julho, foi adiado sem a definição de uma nova data. Depois de ficar exatamente um ano com a Casa Civil e o Ministério da Agricultura, o estudo preparado pela Embrapa, Inpe e IBGE seria divulgado no dia 29 de julho após uma última reunião entre o presidente Lula e vários ministros. A intenção do governo é definir as áreas com permissão de plantio. No entanto, a reunião foi adiada para dentro de “uma ou duas semanas”, conforme informou de forma imprecisa o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.
Esta não é a primeira vez que isso acontece. O zoneamento da cana já era prometido para o segundo semestre de 2008. No início deste ano, o ministro Carlos Minc havia garantido que o zoneamento sairia em fevereiro. A repetida protelação se deve principalmente a divergências entre o ministério da Agricultura e o do Meio Ambiente. Stephanes é favorável à liberação do plantio da cana na Bacia do Alto Paraguai, no norte do Mato Grosso. Já Minc não aceita a expansão do plantio naquela região.
Na luta pela liberação do plantio nesta área e até para a Amazônia Legal o ministro Stephanes conta com o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, um aliado prestigiado até com a amizade pessoal do presidente Lula. Portanto, não é pequena a possibilidade de que novamente a ganância se sobreponha ao bem comum, afetando desta vez uma região que é referência internacional da ecologia brasileira.
A bacia do Alto Paraguai é uma área equivalente ao território de Alagoas. Ali estão nascentes que deságuam nos rios no Pantanal. A expansão do plantio da cana poderia afetar todo o ecossistema da região, ameaçando a própria existência do Pantanal. Estimulada pela lucratividade prometida pelo etanol, a cultura da cana-de-açúcar é raiz de graves problemas que afetam desde a área trabalhista até o meio ambiente. É um problema tão antigo quanto o Brasil. Nos “Sermões do Rosário”, o padre Antonio Vieira comparou as condições de trabalho dos escravos negros no corte da cana e nos engenhos com o próprio Inferno. A edição do sermão é de 1633, porém as condições atuais também são terríveis, inclusive com o uso de mão de obra escrava, agora na ilegalidade.
Também para o meio ambiente o plantio da cana tem sido desastroso. Além da expansão sobre as florestas, com a expectativa de maior lucro com o etanol, a cultura pode afetar até o plantio de alimentos. Como se não bastassem tais problemas, é também altamente poluente, seja por efeito das queimadas que precedem a colheita ou pelo vinhoto que costuma ser jogado nos rios.
O zoneamento do plantio da cana-de-açúcar é necessário não só pela óbvia importância ambiental, mas também como um compromisso internacional do governo Lula. Neste caso, a questão tem seu lado comercial. É preciso mostrar aos países estrangeiros que a produção do etanol brasileiro não é feita à custa do meio ambiente. Sem essa garantia certamente o país sofrerá barreiras comerciais motivadas pela preocupação com o meio ambiente global.
No entanto, mais este adiamento do zoneamento mostra que é bastante forte e muito influente a pressão pelo plantio na Bacia do Alto Paraguai. Ali já existem cinco usinas funcionando. Estão lá desde antes do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) baixar uma resolução em 1985 vetando novos empreendimentos no local.
Com a liberação, certamente muitas outras usinas seriam implantadas de imediato. Contudo, o bioma da região já sofre efeitos graves causados por estas que estão em funcionamento. O impacto ambiental desse tipo de atividade no meio ambiente é tão destrutivo que até já provocou um protesto dramático na região. Em 2005, o ambientalista Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Franselmo, ateou fogo ao próprio corpo no centro de Campo Grande. Na carta que deixou, ele dizia: “Já que não temos votos para salvar o Pantanal, vamos dar a vida para salvá-lo”.
(Movimento Água da Nossa Gente / EcoDebate, 07/08/2009)