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cerrado carvão vegetal bunge
2009-08-07

A ocupação desordenada do Cerrado piauiense tem levado a extinção de milhares de espécies da fauna e da flora do bioma, muitas delas desconhecidas pela ciência. O modelo da exploração aplicado com a conivência do governo é o responsável pelo fim do ecossistema. Há sete anos, são 50 caminhões diários de lenha retirados do Cerrado do Sudoeste e Sul do Piauí: eis o tamanho da omissão

Muito já se falou sobre o avanço da destruição do Cerrado no Piauí, mas nada é feito para conter o modelo de exploração ali agregado, privilegiando a produção de carvão e o agronegócio direcionado a produzir grãos em grande escala. Essa indústria vem sendo alimentada à custa da matéria prima disponí­vel no bioma, que já tem data para ser extinto, em 2030, segundo pesquisa da ONG Conservação Internacional, que fez estudos no Piauí e recomendou a postura de "desmatamento zero", pelo menos até que se faça um planejamento para sua ocupação. Outro caminho para conhecer a realidade do bioma hoje, leva as Academias de Ciências. Nas prateleiras das universidades é possível se encontrar pilhas de dissertações, pareceres, teses e monografias voltadas para o uso e ocupação do Cerrado, todas alertando para o modelo destrutivo que se instalou nos 24 municípios que compõem a região.

Sabe aquela expressão "entrou por um ouvido, saiu pelo o outro". É assim que o Governo do Piauí e empresários se comportaram em relação às recomendações.  Considerado uma das últimas fronteiras agrícolas do Brasil, o Cerrado do Piauí possui 11.856.866 milhões de hectares, correspondente a 46% da área do Estado, desse total, se estima que mais de 70% já foi destruído.

O Governo fala em 10%, mas pela proporção do consumo de lenha nativa pela multinacional Bunge, na unidade de Uruçuí, a 450km de Teresina, que há sete anos consome 50 caminhões diários de lenha, se tem a certeza do tamanho da destruição. Como não existe monitoramento do bioma por satélite é preciso enveredar por trilhas da região para se ter uma idéia do tamanho do estrago.  Os municípios que são referência da ocupação, Uruçuí e Bom Jesus, considerados celeiro agrícola, desde o ano de 2000, não param de expandir o agronegócio.

Última esperança
Para testemunhar a transformação dessa terra percorremos cerca de 200km aleatoriamente por entre áreas descampadas e plantadas, principalmente por soja, carro-chefe da ocupação. Passamos por diversas fazendas e testemunhamos a existência de plantio em áreas contínua de milhares de hectares. Segundo o presidente da Fe­deração dos Trabalhadores na Agricultura do Piauí - FETAG, Evandro de Araújo Luz, existem dezenas de plantios de monoculturas que chagam até 3 mil hectares plantados de forma contínua.

"São pouquíssimos os empresários que deixam um pedaço para reserva", afirma o sindicalista. Segundo ele, o tamanho dessas áreas, compradas a preços ínfimos, chegam a 40 mil hectares plantados. "As fazendas menores giram em torno de mil hectares".  Ficamos a imaginar quantos animais e árvores frondosas foram e continuam sendo dizimados no bioma.

E o agronegócio se expande pelo interior do Piauí. As grandes plantações sucedem à destruição das matas para produção de carvão e uso da madeira para alimentar as caldeiras das multinacionais de alimento. Ao percorrer o Cerrado, na região de Uruçuí, localizamos áreas em plena atividade de desmatamento. Mas para ter maiores informações, fomos à sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uruçuí. Os sindicalistas foram enfáticos ao informarem que era preciso ir aos municípios de Ribeiro Gonçalves, Sebastião Leal, Baixa Grande do Ribeiro e outros para ver a mata sendo derrubada. "Aqui em Uruçuí não sobrou quase nada, o maciço mesmo já foi todo devorado", diz o diretor do sindicato, Manoel Messias de Sousa.

Ele conta que as árvores destruídas são transformadas em lenha para alimentar as caldeiras da Bunge. O curioso é que a empresa diz em seu relatório de sustentabilidade que não usa lenha nativa em sua divisão de alimentos. Em Uruçuí são processados mais de 700 mil toneladas de soja ao ano. Haja lenha para manter aceso os fornos ininterruptamente.

A única esperança que havia para evitar a Bunge de adquirir lenha nativa vinha da Justiça e tratava-se de uma Ação Civil Pública ajuizada pela Fundação Águas do Piauí - Funáguas. Depois de uma briga que durou sete anos, a Desembargadora Selene Maria de Almeida entendeu que o simples Documento de Origem Florestal - DOF, era certificação de madeira, permitindo assim que a Bunge continuasse usando lenha como matriz energética.

Como a ONG não ingressou com Embargos de Declaração, a fim de corrigir o equívoco da Justiça, a Bunge está livre para reduzir ainda mais seus custos em terras piauienses, já que, no Recurso Extraordinário aponta para a confortável situação de poder usar mata nativa proveniente de desmatamento e reflorestamento.

"Sabemos que a falta de estrutura e fiscalização por parte do Ibama e, principalmente, SEMAR, deixam brechas para crimes contra a natureza de toda ordem, inclusive muito desmatamento apenas para oferecer lenha para a Bunge", afirma o Coordenador de Mobilização da Rede Ambiental do Piauí - REAPI, Dionísio Neto. Segundo ele, o presidente da Funáguas, Judson Barros, ao que parece não agiu corretamente. "Comenta-se no Piauí, que ouve um acordo entre a Bunge e a Funáguas. Será?", indaga Dionísio.

Terras griladas
O que se pode considerar de mais grave na história da ocupação do Cer­rado piauiense e a aquisição das terras e a maneira como os empresários conseguem o título da terra na área do Cerrado, a maioria pública. O Defensor Público do Piauí, Paulo Machado, especialista em Direito Agrário e conhecedor da realidade da área afirma que a maioria das escrituras foi conseguida de maneira irregular. "Uma pessoa só pode dizer que a terra é dela no Cerrado se apresentar o título original de domínio da terra, uma carta de concessão de sesmarias devidamente confirmada, expedida entre 1676 a 1822, ou apresentando uma decisão de processo de usucapião que tenha tido sua tramitação anterior à vigência do antigo Código Civil Brasileiro", afirma.

Quem conhece a história da ocupação do Piauí sabe que as terras no Sul, Sudoeste e Sudeste foram griladas sem nenhum escrúpulo. O Tribunal de Justiça do Estado possui documentos comprobatórios das grilagens que foram conseguidos através de uma Correição realizada em 2001, por juízes Corregedores, que constataram inúmeros crimes contra o patrimônio público.

Nos Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, localizaram pilhas de documentos falsos expedidos por juízes, tabeliães, com a conivência de funcionários, políticos, fazendeiros, enfim, uma cadeia, para não dizer uma quadrilha. Um só homem, por exemplo, José Raul Alckmin Leão, conseguiu adquirir 6 mil hectares e os transformou em 312.560 mil. São áreas espalha­das nos municípios de Avelino Lopes, Palmeira do Piauí, Bertolinia, Manoel Emidio, Elizeu Martins, entre outros. Contra ele e os demais grileiros nada acontece.

A corrida para implantar projetos do agronegócio na região começou a se fortalecer no fim dos anos 90. Atraídos pelas vantagens fornecidas pelo o Gover­no, como isenção fiscal e financiamento, aliado terra baratíssima, salários de miséria para a mão-de-obra local e solo favorável à mecanização, os empresários de outras regiões encontraram um oásis no interior do Piauí.

 Hoje, as terras públicas do Piauí são res­ponsáveis por deixar ricos inúmeros empresários que estão deixando um rastro de destruição inimaginável no solo e na vida do homem do campo que continua na miséria. Pior: agora doente devido a manipulação de agrotóxicos que são lançados de avião, contaminando quem insiste em continuar no campo.

(Por Tânia Martins, Fórum Carajás / Adital, 06/08/2009)


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