Os últimos 12 índios dos 57 guaranis da aldeia provisória na praia de Camboinhas, em Niterói, que ainda não tinham carteira de identidade deram entrada, na tarde desta terça (04/08), ao pedido de obtenção do documento no posto de identificação civil do Departamento de Trânsito (Detran) da cidade. Em poucos dias, eles terão o documento básico de todo cidadão brasileiro, inclusive de muitos menores de 18 anos.
“O único documento que eles têm é a carteira da Funai [Fundação Nacional do Índio], que reconhece a etnia e a condição de tutelado do Estado”, diz Tonico Benites, mestre e doutorando em antropologia social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, filho da pajé Lídia e irmão do cacique da aldeia. Ele lembra que muitas vezes os índios sofrem constrangimentos desnecessários porque a carteira da Funai não é reconhecida como documento hábil para viajar de avião ou tirar habilitação para dirigir.
O cacique Darci Tupã conta que a iniciativa de tirar a identidade civil dos últimos 12 guaranis em Camboinhas foi dos próprios índios e da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por intermédio de seu Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos. “Eles ainda resistiam porque são muito ligados às tradições do nosso povo. Nós falamos muito e eles acabaram entendendo que é importante ter documento de identidade como qualquer pessoa”, conta o cacique, portador de carteira de identidade há anos, como a maioria dos guaranis tanto em Camboinhas quanto na aldeia em Parati, de onde os 57 saíram há quase dois anos justamente para preservar a cultura e os costumes.
A pajé Lídia é a responsável pela migração do grupo para Niterói. Entre os guaranis, cabe aos líderes espirituais escolher o lugar onde devem habitar. E ela optou por Camboinhas por ser local de um grande sambaqui, ou cemitério indígena, ancestral na região. Ao falar de Parati, ela não esconde o desapontamento com a assimilação da cultura branca pelos índios, que já preferem casas de alvenaria e compras no supermercado às ocas e à horta e pomar próprios.
Lídia e seu grupo depositam suas expectativas na ação da prefeitura de Maricá, cidade vizinha a Niterói, cujo prefeito, Washington Quaquá, está decidido a transferi-los para uma Área de Proteção Ambiental (APA) pertencente à União, na Barra da Maricá, onde a pajé escolheu um sítio entre as praias de Itaipuaçu e São José.
“Terra boa pra plantar, não é areia, como aqui”, diz Lídia, confiante de que em breve voltará à cultura de milho, mandioca, feijão e outros produtos ancestrais da agricultura guarani. E com todos os seus semelhantes inseridos na cidadania dos brancos por meio da carteira de identidade.
“Tenho a minha há muito tempo, porque não dá para ser estudante sem ela”, afirma Tonico Benites. “Acho só que podiam incluir em vermelho, num cantinho, a etnia e o nome indígena do portador”, sugere ele - cujo nome guarani é Wera Poty -, argumentando que distinção semelhante já existe na identidade dos sexagenários em geral.
(Por Luiz Augusto Gollo, com edição de João Carlos Rodrigues, Agência Brasil, 04/08/2009)