Dono de 6,9% do capital votante da Vale, por meio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o governo federal tenta imprimir à mineradora uma agenda mais agressiva de investimentos no Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou, mais de uma vez, descontentamento com os cortes de investimentos e de pessoal na empresa no pós-crise. Ao lado da Petrobrás, a Vale seria um dos suportes no cronograma de grandes obras apoiadas pelo governo.
Em outubro do ano passado, um mês depois do agravamento da crise, o conselho de administração da Vale aprovou um plano de investimentos de US$ 14,2 bilhões para 30 projetos iniciados em 2009. Desses, 70%, ou US$ 9,9 bilhões, são de empreendimentos no Brasil. Em maio, o plano geral foi reduzido para US$ 9 bilhões. A Vale sustenta que mantém o foco dos projetos no Brasil. As dificuldades na obtenção de licenciamento ambiental teria motivado a retirada de projetos importantes do portfólio, como as usinas siderúrgicas do Espírito Santo e do Maranhão.
Privatizada em 1997, Vale é controlada, com 53,9% do capital ordinário, pela Valepar - composição entre o fundo de previdência do Banco do Brasil (Previ), a empresa de participações do Bradesco, a Bradespar (majoritários), BNDESPar e a trading japonesa Mitsui. A Previ é vista pelo governo como um trunfo na formação, com o BNDES, de um bloco de força na mineradora. A direção do fundo, porém, tem-se mostrado satisfeita com a condução dos negócios na Vale.
Mesmo as medidas de contenção de custos, incluindo a polêmica demissão de 1.300 funcionários, foi aprovada pelo conselho, presidido por Sérgio Rosa, também presidente da Previ, e que tem entre seus membros o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. "Não existe uma orientação explícita do governo. Existe a insatisfação do presidente Lula, que espera maior flexibilidade da Vale, mas ele sabe das limitações técnicas", diz uma fonte do BNDES.
Segundo essa fonte, está em andamento uma política de convencimento e negociação, mas não há soluções impostas "a ferro e fogo". Essa negociação se daria em torno da manutenção de projetos estratégicos. De acordo com outra fonte, ligada à mineradora, está em jogo mais o calendário político do que propriamente econômico. A Vale informou, na semana passada, uma mudança de estratégia no setor siderúrgico, por exemplo: estaria disposta a bancar mesmo sozinha a construção de usinas siderúrgicas.
A Baosteel, maior siderúrgica chinesa, que seria uma parceira importante da Vale em projetos brasileiros, desistiu das obras do Espírito Santo e Maranhão, mesmo depois dos gastos de US$ 20 milhões somente nos estudos técnicos. A percepção na mineradora é que hoje, num cenário fragmentado pela crise, os investidores estrangeiros não retornam. Na segunda-feira (03/08), o governador do Ceará, Cid Gomes, almoçou na sede da mineradora para acertar detalhes do início da terraplenagem, em dezembro, no terreno que abrigará a Companhia Siderúrgica de Pecém.
Inicialmente, a Vale seria minoritária, com 10%, na obra feita em parceria com a coreana Dongkuk. A mineradora já negocia um aumento de participação no projeto, provavelmente para 30%, a exemplo do que ocorreu na Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), projeto que tem a alemã Thyssenkrupp como majoritária, na zona oeste fluminense.
De qualquer forma, uma mudança no acordo de acionistas para atender às aspirações do governo é tida como improvável tanto na Previ como no BNDES. Seria delicado mexer agora no acordo, que vigora há mais de oito anos. Só com a concordância de todos os acionistas, o que é considerado impossível. Nos últimos oito anos (de 2000 a 2008) a Vale pagou dividendos de US$ 11 bilhões a seus acionistas. Ou seja, mais do que o dobro dos US$ 3 bilhões pagos nos 54 anos anteriores da companhia.
"Ajustes na gestão sempre serão bem vindos, mas a diretoria da Vale não está sob ameaça e também não há como o governo fazer uma intervenção branca na companhia", disse uma fonte ligada à companhia. A empresa sustenta que está capitalizada para novos projetos. Tem em caixa mais de US$ 10 bilhões, mais ofertas de crédito de bancos comerciais e de investimentos, entre eles o próprio BNDES, que pôs à disposição uma linha de financiamento de R$ 7 bilhões para a mineradora.
"No momento, temos crédito à vontade para a Vale. Além dos R$ 7 bilhões, que a empresa ainda não pegou, há condições de fazer outros. O banco está acessível e disponível para liberar recursos para a Vale", diz uma fonte do BNDES.
(Por Irany Tereza e Mônica Ciarelli, O Estado de S. Paulo, 05/08/2009)