Depois de focarem seus negócios em petróleo, metais e minerais por décadas, as tradings japonesas estão voltando a atenção para as commodities agrícolas, com Tóquio apoiando com entusiasmo a mudança de foco, em meio a temores em relação à segurança alimentar no mundo e no país asiático. A iniciativa tomada pelas "sogo shosha", como as tradings que atuam no comércio exterior são conhecidas no Japão, acontece no momento em que o governo japonês se prepara para implantar planos no fim deste mês para financiar investimentos em produção de alimentos no exterior. O Japão é o maior importador líquido mundial de alimentos, com compras de mais de US$ 40 bilhões.
Autoridades japonesas dizem que a crise alimentar de 2007/08 derivou de décadas de baixo investimento na agricultura, opinião que é compartilhada pelo G-8, o grupo dos oito países mais ricos do mundo. Tóquio acredita que a expansão da produção de alimentos, por meio de parcerias público-privadas, ajudará a reduzir riscos.
Mitsui, Itochu e Marubeni, que estão entre as cinco grandes tradings do Japão, estão expandindo suas atuações, penetrando em áreas como soja, óleo de palma, trigo e milho. Mitsubishi e Sumitomo parecem estar mais cautelosas, dizem observadores do setor. "As tradings japonesas estão se expandindo mais agressivamente, penetrando na agricultura, investindo especialmente em ativos como elevadores [de grãos] e terminais de exportação", disse Philippe de Lapérouse, da consultoria em agronegócios HighQuest Partners sediada em St Louis, nos EUA.
A decisão poderá provocar atritos com as grandes do setor de commodities agrícolas nos EUA, ADM, Bunge, Cargill e a Louis Dreyfus, da França. Richard Feltes, diretor da área de análise de commodities na corretora MF Global, em Chicago, diz que os novos concorrentes precisarão comprovar a sua competitividade com a oferta de preços melhores e sistemas logísticos mais eficazes num mercado difícil. "Pode ser feito", diz. "Mas eles estão enfrentando concorrentes de grande porte que têm operado no comércio internacional de commodities agrícolas por décadas". A abordagem japonesa difere da praticada em países como Coreia do Sul e Arábia Saudita, que querem garantir recursos para alimentar as suas próprias populações. Em vez disso, Tóquio e as tradings querem incrementar o abastecimento global por meio da busca de oportunidades no exterior.
Além dos seus países de origem, onde a demanda por grãos e oleaginosas é relativamente estável, especialistas dizem que as tradings japonesas procuram saciar o apetite voraz por soja e grãos na China e demais lugares na Ásia, especialmente no Vietnã, Tailândia e Filipinas, ou em países do Oriente Médio, como a Arábia Saudita. Na busca de acesso ao mercado chinês, a Itochu se aliou à Cofco, maior processadora de grãos da China, enquanto a Marubeni formou no ano passado uma joint venture com a Sinograin, uma companhia estatal para armazenagem de grãos e oleaginosos.
A Mitsui, segunda maior trading do Japão, está investindo em terras agrícolas no exterior, incluindo a compra, há dois anos, de 100 mil hectares de terra no Brasil, para assegurar a sua própria fonte de commodities agrícolas. A Itochu, quarta maior trading, quer dobrar o volume de grãos e oleaginosas que comercializa, das atuais 11 milhões a 12 milhões de toneladas para 20 milhões de toneladas em 2011, após concluir a construção de um terminal de exportação na costa do Pacífico dos EUA.
O International Finance Corporation (IFC), órgão do Banco Mundial que financia o setor privado, irá ampliar os empréstimos ao setor de agronegócios em até 30% nos próximos três anos, à medida que promove o papel do setor privado no combate contra a fome. A decisão ocorre no momento em que o IFC informa que concedeu ao agronegócio soma recorde de US$ 2 bilhões no seu ano financeiro de 2009, encerrado em 30 de junho, frente aos US$ 400 milhões concedidos cinco anos atrás. O órgão disse que a alta nos empréstimos foi uma resposta ao "aumento global nos preços dos alimentos".
Líderes mundiais reunidos no mês passado na cúpula do G-8 na Itália concordaram em colocar "ênfase no crescimento privado" para fazer frente à fome global. Oscar Chemerinski, diretor de agronegócios globais do IFC, disse que a crise alimentar intensificou as preocupações com segurança alimentar e disse que o órgão planejou elevar o volume de empréstimos ao agronegócio em até US$ 2,4 bilhões no ano fiscal de 2010.
(Por Javier Blas, Financial Times / Valor Econômico, com tradução de Robert Bánvölgyi, 04/08/2009)