Durante 55 anos, a Esso Brasileira de Petróleo manteve um terminal de derivados de petróleo que, até 2001, ocupava 98 mil metros quadrados de um terreno próximo da região central da capital paulista, no bairro da Mooca - tradicional reduto de imigrantes italianos que até os anos 40 abrigou a maioria das fábricas da capital. A área, que tem o tamanho de nove campos de futebol e é, atualmente, rodeada por galpões e prédios residenciais já erguidos ou em construção, pertence até hoje à companhia de capital americano.
O terminal não funciona mais, mas as tentativas de venda do terreno para a construção de outros empreendimentos no local - um deles um megainvestimento imobiliário - feitas pela empresa fracassaram. O motivo: a contaminação do solo promovida durante décadas de despejo de substâncias tóxicas, como combustíveis e solventes, que levaram o local a ser classificado como "contaminado", juntamente com outras 2.513 áreas no Estado de São Paulo, pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb).
Comercializar um terreno considerado contaminado em São Paulo tem se tornado cada vez mais difícil. Isso porque a legislação ambiental do Estado e as normas implementadas pela Cetesb - ligada à Secretaria do Meio Ambiente estadual -, ao longo dos últimos anos, têm sido cada vez mais rigorosas nos procedimentos destinados à recuperação dessas áreas por seus responsáveis - obrigando-os a arcar com esses custos sob o risco do pagamento de multas altíssimas. Além disso, adquirir uma área contaminada pode significar para o comprador dividir a responsabilidade, com o vendedor, por uma possível descontaminação da área.
Segundo o diretor comercial da Esbra, empresa especializada em soluções ambientais, Edgard Piereck, o custo médio de uma descontaminação pode variar entre R$ 450 e R$ 5 mil o metro cúbico, a depender do elemento que provocou a contaminação e das características do solo - se próximo a lençol freático, por exemplo, é mais grave. Outro fator que tem complicado a venda desses terrenos é a exigência legal de que os proprietários das áreas registrem em cartório, na matrícula do imóvel - a chamada "averbação" - , a existência de contaminação na área.
No caso do terreno da Esso, a empresa afirma que promoveu uma avaliação ambiental do terminal desativado e, desde então, vem tomando as medidas necessárias para adequar a área para qualquer tipo de uso. A companhia diz que conclusão da recuperação do espaço está prevista para ocorrer em 2010, mas não comenta qual tem sido o custo dessas operações. Segundo o superintendente da distrital Mooca da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Aristides Legat, o que estava sendo negociado para o terreno da Esso era a construção de 15 a 20 prédios.
Atualmente, a entidade defende um projeto de lei, do vereador Domingos Dissei (DEM-SP), que prevê a implantação de um bosque no local. O mesmo vereador é o autor da Lei nº 13.564, de 2003. A norma determina que a empresa que quiser construir em área contaminada é obrigada a apresentar laudo ambiental para obter a licença de construção.
Vizinho ao terreno da Esso, na Mooca, um terreno que pertenceu até 2001 à antiga fábrica de caminhões da Ford foi vendido para a administradora de shopping centers BR Malls - que o adquiriu em 2006, apesar de a área ser contaminada. A companhia vai construir no local o futuro Shopping Mooca, empreendimento de 45 mil metros quadrados. Na negociação da área, a Ford assumiu a responsabilidade pela remediação do terreno, cuja conclusão deve ocorrer em dezembro de 2010, de acordo com a assessoria de imprensa da Ford.
Outras grandes empresas, como a Bunge Fertilizantes e o Carrefour aparecem como responsáveis por áreas contaminadas em São Paulo na lista disponível no site da Cetesb, atualizada até 2008. No caso da empresa de fertilizantes, a exigência de um plano de melhoria ambiental pelo órgão ambiental ocorreu no momento de renovação da licença de operação da companhia em Cubatão - exigida a cada dois anos.
Segundo laudo da Cetesb, no terreno da Bunge há a presença de metais, e outras substâncias inorgânicas, no subsolo, águas superficiais e subterrâneas. Por meio de uma nota, a indústria informou que elabora um projeto de recuperação a ser apresentado à Cetesb até dezembro, com previsão de execução no ano que vem. Já o Carrefour possui seis terrenos, em diversas regiões de São Paulo, listados pela Cetesb. Em pelo menos três dos endereços funcionam atualmente supermercados da rede. A empresa, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que não há riscos para funcionários ou clientes.
Ao impor regras mais rígidas e responsabilidades às empresas, a Cetesb objetiva reduzir o número de áreas contaminadas no Estado. Segundo advogados, nos últimos meses a Cetesb vem alertando ainda mais as empresas sobre as exigências a serem cumpridas com relação a áreas contaminadas.
Em maio de 2002, a Cetesb divulgou, pela primeira vez, a lista de áreas contaminadas de São Paulo. Na época existiam 255 áreas. Em novembro de 2008, só os postos de combustíveis foram responsáveis por 1.953 registros - 78% do total. A maioria dos procedimentos de remediação, iniciados em razão de uma autuação da Cetesb, está ainda em andamento, como afirma a advogada Ana Beatriz Marchioni Kesselring, sócia do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.
O descumprimento dessas regras significa ser advertido, ter benefícios fiscais suspensos ou ser multado em valores significativos. Mas se a decisão da Cetesb impõe a multa máxima de 10 mil Ufesps, o que equivale a aproximadamente R$ 150 mil, uma nova lei estadual, a Lei nº 13.577, de 2009, aumentou esse teto para 4 milhões de Ufesps, ou seja, quase R$ 50 milhões. A norma paulista exige também a apresentação de garantia bancária ou seguro ambiental no valor mínimo de 125% do custo estimado da recuperação.
Além disso, quando se tratar de uma transação imobiliária, aquele que adquirir o imóvel passa a ser, legalmente, responsável solidário pela descontaminação. "Há responsabilidade solidária administrativa e cível pela remediação", afirma a advogada Adriana Baptista, da banca TozziniFreire Advogados. Segundo ela, somente a responsabilidade criminal pode ser restrita a quem causou a contaminação.
De acordo com especialistas, há casos recorrentes de empresas estrangeiras que já deixaram o Brasil, resolveram todas as pendências de natureza trabalhista, tributária e societária, mas não conseguem encerrar a atividade no país em razão das questões na área ambiental. Para a advogada Heloisa Verri Paulino Gomes, sócia do Souza Cescon Advogados, a lei estadual tornou mais clara a responsabilidade das empresas nos casos de contaminação, o que deve facilitar o encerramento das atividades de estrangeiras no Brasil.
Por outro lado, construtoras e incorporadoras que se aproveitam do boom imobiliário em antigas zonas industriais, como a Mooca, para comprar terrenos por preços menores em razão da contaminação, correm mais riscos ao adquirir essas áreas, em razão da responsabilidade solidária pelo dano, afirma a advogada. Para buscar mais segurança, advogados afirmam que a empresa que adquire o terreno contaminado pode estabelecer em um contrato o pagamento de uma indenização, por parte do vendedor, caso venha a ser responsabilizada pela contaminação da área. Apesar da prevenção, a medida não impede o Ministério Público de tentar responsabilizar vendedor e comprador pela contaminação da área.
"A lei determina que a responsabilidade é solidária e entramos com ação contra o ex-proprietário e o atual", afirma Cristina Godoy de Araújo Freitas, coordenadora da área do meio ambiente do Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mas, se existir previsão contratual, o comprador poderá ir á juízo para cobrar a indenização do vendedor.
"E se a ausência de fiscalização tiver colaborado para a contaminação, a Cetesb é ré em ação civil pública do MP, junto às empresas envolvidas", completa Cristina. Segundo a promotora, o MP está analisando a constitucionalidade de dispositivos da nova lei paulista que permitem a introdução de substâncias tóxicas no solo até determinado grau. Se for concluído que há inconstitucionalidade, o MP apresentará representação ao Procurador-Geral de Justiça, que poderá ajuizar ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a norma.
Do outro lado do balcão, os advogados das empresas - muitas multinacionais interessadas em vender terrenos para fazer caixa em ano de crise - recebem cada vez mais demandas sobre áreas contaminadas. A maioria das empresas quer evitar ir ao Poder Judiciário contra a Cetesb. A advogada Ana Luci Grizzi, do escritório Veirano Advogados, lembra de dois clientes da zona sul de São Paulo. Um deles já estava em contato com a Cetesb e o escritório ajudou na redação das cartas ao órgão, revisão dos relatórios e comunicação da empresa (subsidiária) com a matriz americana sobre o assunto.
Outro cliente do escritório detectou uma contaminação em 2004, e não atendeu às exigências da Cetesb. "Houve uma troca gerencial e, agora, vamos trabalhar para a empresa não ser autuada", afirma. Mas a advogada acredita que pode haver discussão judicial, caso a Cetesb tente obrigar o cumprimento da nova lei estadual para as empresas com recuperação de áreas já em curso.
Registro de danos em cartório é polêmico
Uma dos pontos mais polêmicos dentre as normas ambientais de São Paulo é a determinação para que as empresas registrem em cartório, na matrícula do imóvel, a existência de contaminação na área. A imposição foi instituída pela decisão de diretoria da Cetesb nº 103, de 2007, e incluída na Lei estadual paulista nº 13.577, de 9 de julho deste ano. A medida é um alerta para quem pretende comprar um terreno, o que tem impacto direto no mercado imobiliário. Depois que a área é recuperada, a averbação não é retirada. A empresa, porém, pode registrar no cartório que a área foi recuperada. Mas quem quer comprar um terreno que antes foi contaminado?
Há casos de negócios que deixaram de ser realizados por causa do registro de contaminação na matrícula do imóvel. Geralmente, são áreas de empresas que trabalhavam com substâncias químicas. Por meio da Lello Imóveis, uma empresa tentou alugar um imóvel localizado na região do ABC, na Grande São Paulo, onde antes havia funcionado um posto de gasolina.
"Não conseguimos viabilizar a locação porque o imóvel não estava na condição para conseguir o habite-se", afirma Roseli Hernandes, gerente-geral de locação e vendas da imobiliária. "E a empresa que queria alugar a área precisava de regularidade imediata porque participa de licitações", diz. Outro imóvel na região zona Norte seria comprado por uma empresa da área de mecânica por mais de R$ 1 milhão. O interesse da empresa era ampliar seu negócio, mas como anteriormente funcionava ali um depósito de gasolina, a aquisição foi suspensa.
Descontentes, as empresas tentam negociar uma alteração nesse dispositivo. A advogada Júlia Rabinovici, do escritório Demarest e Almeida Advogados, defende que, se uma empresa quer comprar um imóvel com área contaminada, mas vai construir somente sobre parte do terreno, deveria ser registrada em cartório apenas a parte contaminada. Segundo Eduardo Luís Serpa, assistente executivo da diretoria de controle de poluição ambiental da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), a averbação foi implantada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, após discussão com representantes de sindicatos do setor imobiliário. "Centenas já têm averbação. E se a empresa não faz o registro, a Cetesb comunica ao cartório", afirma Serpa.
(Por Laura Ignacio, Valor Econômico, 03/08/2009)