Autoridades e políticos paraguaios querem aproveitar o "bom momento", após a renegociação dos preços pagos pelo Brasil pela energia de Itaipu, para centrar o foco na renegociação do acordo da hidrelétrica de Yacyretá. A usina foi construída com a Argentina em moldes semelhantes ao de Itaipu, com a constituição de uma empresa binacional e a venda para os argentinos de toda a energia não utilizada pelo Paraguai.
Os paraguaios querem uma redução de 60% da dívida de US$ 15 bilhões que a Entidade Binacional Yacyretá (EBY) tem com o governo argentino. Segundo o governo, a dívida leva em conta juros de mercado, o que seria proibido pelo acordo entre os dois países. A EBY calcula que, assim que Yacyretá estiver produzindo com sua capacidade total, o Paraguai receberá cerca de US$ 800 milhões por ano pela energia elétrica que será enviada à Argentina. Entretanto esse valor não seria suficiente nem para pagar os juros sobre a dívida assumida para a construção da hidrelétrica.
No começo da semana passada, deputados do Partido Pátria Querida, de oposição ao presidente Fernando Lugo, pediram ao governo do Paraguai que inicie negociações com a Argentina. Em reunião com o ministro das Relações Exteriores paraguaio, Héctor Lacognata, os deputados pediram que o diálogo com a Argentina siga o exemplo do que foi estabelecido com o Brasil sobre Itaipu.
Lacognata afirma que os governos de Paraguai e Argentina já concordaram em constituir uma comissão para analisar a dívida da hidrelétrica. Entretanto o anúncio da comissão não serviu para acalmar nem mesmo os diretores de Yacyretá indicados pelo próprio governo paraguaio.
Carlos Cardozo, diretor paraguaio da EBY, concorda com a avaliação de que "o sucesso da negociação com o Brasil" deveria ser aproveitado para impulsionar uma negociação com a Argentina. "Não podemos esperar muito, inclusive porque há uma boa vontade por parte da Argentina", afirmou Cardozo. "O tratado [para a construção da hidrelétrica] diz que não incidiriam juros sobre o investimento aportado por cada país. Do modo em que está hoje, com juros, a dívida é impagável apenas com a produção de Yacyretá. Sem os juros, poderíamos ir pagando a dívida com a produção."
No início do ano, o ministro de Planejamento da Argentina, Julio De Vido, disse que seu país estava pronto a negociar a questão, e que faltaria apenas um pedido oficial do Paraguai para iniciá-las, segundo Cardozo. O diretor da EBY afirma que os preços que a Argentina paga pela energia da hidrelétrica são razoáveis, de cerca de US$ 10 por MW/h. Com a recente negociação de Itaipu, o Paraguai passará a receber mais ou menos isso pelo MW/h da binacional com o Brasil. Yacyretá ainda não está produzindo em sua capacidade total, o que só deve ocorrer com o fim das obras remanescentes, em 2011.
O caso de Itaipu criou tamanho clima de excitação no Paraguai que o próprio presidente do país, Fernando Lugo, comparou a situação da hidrelétrica na fronteira com o Brasil à do Canal do Panamá, que após ter sido controlado pelos EUA durante quase um século voltou às mãos do governo local em 1999. "O Panamá nos serviu de inspiração, porque eles conseguiram sua soberania sobre o canal em relação aos Estados Unidos", disse Lugo.
(Por Rodrigo Uchoa, Valor Econômico, 03/08/2009)