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pampa eucalipto no pampa passivos da silvicultura
2009-08-03

Mestre e doutor em Agronomia pela Universidade Federal de Pelotas, Marcelo Dutra da Silva já passou pela experiência de ter projetos de investigação ambiental financiados por empreendedores florestais, mas hoje está do outro lado, como aponta na entrevista que concedeu à IHU On-Line, por e-mail. Segundo ele, nessa relação “há de se ter muito cuidado para não se tornar apoio, desfazendo o clima científico da parceria pelo conhecimento. Na verdade, o que mais me incomodou nesse tipo de relação foi a necessidade do silêncio, a divulgação modesta dos resultados e as participações ensaiadas”.

Marcelo aponta também que, embora o impacto da silvicultura ainda seja muito localizado, mais de 50% do pampa gaúcho já foi alterado ou ocupado por algum tipo de atividade. “Vale considerar que a atividade ‘florestal’ representa uma atividade econômica importante e, como tal, tem sua importância social, mesmo que em detrimento da qualidade dos recursos. Mas isso não quer dizer que não se deve plantar, e sim que não se deve fazer isso a qualquer preço”, destaca.

Confira a entrevista.

IHUnisinos Como o senhor vê a atual situação do bioma pampa gaúcho?
Marcelo Dutra da Silva –
Eu entendo que o impacto da silvicultura sobre a diversidade do pampa ainda é muito localizado e os efeitos de uma rápida transformação da paisagem estão recém começando. O bioma pampa ocupa uma área de aproximadamente 700 mil quilômetros quadrados, compartilhada pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, sendo que, no território brasileiro, se distribui pela metade sul do Rio Grande do Sul, abrangendo 176.496 quilômetros quadrados, o que corresponde a 64% do território gaúcho. O pampa gaúcho é o único bioma brasileiro cuja ocorrência é restrita a somente um estado e que ainda conserva um total de 41,13% da cobertura vegetal nativa (original) ─ 23,03% correspondem a formações campestres, 5,19% a formações florestais e 12,91% a formações de transição — mosaico campo-floresta.

Isso quer dizer que mais de 50% do pampa já está alterado ou ocupado de alguma maneira, por uma atividade ─ pecuária ou agrícola. De forma que a conversão sem limites de campos em “florestas” pode levar a uma paisagem compartimentada e empobrecida, sem estrutura, com isolamento de habitats, desaparecimento de espécies e de baixa eficiência energética. O pampa compreende um espaço de grande heterogeneidade, com destaque para a porção costeira, um ambiente muito diferente dos demais. E, dessa forma, não se pode buscar estabelecer estratégias de conservação e manejo dos usos realizados nesse espaço a partir dos mesmos critérios. Pois, o que parece ser válido para uma determinada região, pode não ser adequado para outra.

Então, é preciso investigar as particularidades de cada uma das situações e de que maneira elas se relacionam no arranjo espacial da paisagem. Para tanto, devem ser empregados métodos e técnicas que permitam facilitar esse reconhecimento. Por exemplo, a análise da fragilidade ambiental, que parece ser o método mais adequado para esse tipo avaliação, onde não basta considerar apenas um tema e sim um conjunto temático, que, traduzido em valores, leva o analista a um denominador comum. De tudo que conhecemos do pampa, sabemos pouco de suas relações espaciais. Precisamos entender o pampa para protegê-lo.

E o que significa o Rio Grande do Sul receber tantos incentivos fiscais para o plantio e beneficiamento de florestas?
Silva –
Sabemos que o Rio Grande do Sul está entre os estados que mais usufruiu dos incentivos fiscais para o plantio e beneficiamento de “florestas” plantadas e está entre os estados de maior potencial para o cultivo “florestal”, com destaque reconhecido para o extremo sul do estado. O anuário estatístico (2008) da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas nos revela uma área cultivada com pinus e eucalipto no Brasil, em 2007, superior à marca dos cinco milhões de hectares, com uma participação gaúcha de mais 400 mil hectares e com uma forte perspectiva de crescimento.

Trabalhos mais recentes mostram que a área plantada já é muito maior, com a expectativa de que sejam alçados, nos próximos 15 anos, mais de um milhão de hectares, apenas na região sul, aproximando-se da atual posição do estado de Minas Gerais, que lidera com 22,5% do total de “florestas” plantadas no Brasil. Mas o que tem mais me intrigado no momento – e, ao mesmo tempo, me mantido preocupado – é o fato de que o assunto florestal anda pouco presente na mídia. É claro que a crise econômica mundial também repercutiu sobre os projetos “florestais” em solo gaúcho. No entanto, alguns grupos têm mantido forte articulação junto às universidades, no sentido de dar continuidade aos projetos aparentemente estagnados.

Eu, por exemplo, já estive desse lado. Já coordenei projetos de investigação ambiental em programas financiados por empreendedores florestais e posso dizer que essa é uma relação saudável e que avança até certo ponto. Há de se ter muito cuidado para não se tornar apoio, desfazendo o clima científico da parceria pelo conhecimento. Na verdade, o que mais me incomodou nesse tipo de relação foi a necessidade do silêncio, a divulgação modesta dos resultados e as participações ensaiadas. Enfim, talvez a continuidade dos estudos sobre a biodiversidade do Pampa e a investigação quanto às reais ameaças desse tipo de atividade deva obedecer não apenas ao rigor científico, mas a um princípio moral de total isenção do poder financeiro das empresas “florestais”, justamente as mais interessadas nos resultados. Nesse caso, o financiamento dos trabalhos, a fim de garantir a imparcialidade, deve se limitar a recursos públicos.

Que tipo de mudanças essas florestas "incentivadas" podem causar no pampa gaúcho?
Silva –
Nunca se perdeu tanta biodiversidade em tempos históricos no mundo como nos últimos 50 anos, com taxas de extinção centenas de vezes acima do nível natural. O Brasil está entre os países que mais tem contribuído para esse índice e, consequentemente, vem sendo cobrado nos fóruns internacionais para adotar medidas efetivas de controle ao atual modelo de “desenvolvimento”, que tem se revelado predatório à diversidade dos biomas brasileiros.

Atualmente, cerca de 40 espécies de animais que habitam os campos estão ameaçadas de extinção no pampa gaúcho, como o veado-campeiro, o loboguará, o gato-palheiro e aves, como a noivinha-de-rabo-preto, a águia-cinzenta, o veste-amarela e a corruíra-do-campo. No caso dessas espécies, o cultivo “florestal” não foi o principal fator responsável pela redução de suas populações, e sim os usos combinados que historicamente se fazem presentes. No entanto, o avanço sem controle de atividades potencialmente transformadoras da paisagem pode ser determinante na permanência dessas ou de outras espécies no pampa gaúcho.

É possível reverter ainda o quadro atual do pampa gaúcho?
Silva –
Em primeiro lugar é preciso considerar que a atividade “florestal” não é a única potencialmente transformadora do pampa, aliás, ela está aí há bastante tempo. Muitas outras atividades, como o arroz e a pecuária extensiva, vêm historicamente reduzindo o espaço natural do pampa a alguns poucos remanescentes. A novidade do momento é troca, ou seja, a inversão de atividades, na substituição de campos de pastagem e alguns naturais em “florestas plantadas”. De outra parte, o risco associado à transformação por “floresta” é a compartimentação da paisagem. E nesse tema eu já tive algumas oportunidades de discutir critérios e tentar avançar no assunto, mas lamentavelmente isso não parece ser uma preocupação corrente das empresas de “floresta”.

Claro, é importante destacar que o empreendimento “florestal” compreende um dos poucos que efetivamente respeita a demarcação de áreas de preservação permanente e reserva legal, coisa que raramente se vê na pecuária ou no plantio de arroz. Entretanto, pouco adianta estabelecer essas áreas de proteção se as mesmas não tiverem sido definidas por critérios ecológicos espaciais válidos, ou se elas não estiverem conectadas com o contexto. 

E o que fazer? Devemos pensar melhor, associar metodologias, elaborar e testar novas técnicas de análise do espaço. Precisamos planejar melhor e decidir com critério as formas de transformar o nosso espaço. E se vamos investir em uma nova matriz econômica, que seja algo que permita romper o paradigma vigente, de antigos e ultrapassados métodos de produção. Deve ser algo transformador, que além de obediência à legislação, também considere as pressões dos usos já presentes, combinando os fatores que têm feito dessa região um espaço atraente aos investimentos e ao acesso de novos mercados. Uma nova matriz que vise à sustentabilidade, à manutenção da vida e aos serviços prestados pela natureza e que permita inter-relacionar cuidados ambientais, interesses econômicos e preocupações sociais.

Recente estudo desenvolvido pela Unicamp e Embrapa aponta o Rio Grande do Sul como o estado de maior vocação agrícola para o plantio de cana-de-açúcar, especialmente devido à mudança climática. Como o senhor vê esse parecer?
Silva –
Não conheço o estudo da Unicamp e nem o da Embrapa com a profundidade necessária, mas a verdade é que existe sim uma perspectiva de fortes mudanças climáticas e, do ponto de vista agrícola, devemos estar preparados. No entanto, esse ou qualquer outro estudo semelhante não deve servir de justificativa à imediata instalação desses empreendimentos. É preciso estudar mais.

Qual é o custo social das monoculturas?
Silva –
É difícil estimar o custo social das monoculturas e talvez esse cálculo exija a reunião de variáveis que só poderão ser consideradas daqui a muito tempo. No entanto, vale lembrar que a atividade “florestal” representa uma atividade econômica importante e, como tal, tem sua importância social, mesmo que em detrimento da qualidade dos recursos (solo, água, biodiversidade...). Mas isso não quer dizer que não se deve plantar, e sim que não se deve fazer isso a qualquer preço. A necessidade gerada por uma população crescente e sedenta por energia e papel (no caso, a demanda), não substitui a necessidade de preservar e/ou conservar para as gerações futuras a integridade dos recursos, pois esse também é um direito humano.

(IHUnisinos, 31/07/2009)


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