Geradoras brasileiras de energia, donas de grandes usinas hidrelétricas, se preparam para tentar emplacar seus projetos no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da Organização das Nações Unidas e assim emitir certificados de crédito de carbono para melhorar a taxa de retorno dos empreendimentos. Até mesmo as duas hidrelétricas do Rio Madeira já encomendaram seus estudos e estimativas mostram que a receita anual, para cada uma, poderia girar em torno de € 50 milhões, caso sejam aprovados os projetos.
Empresas como Tractebel, Duke Energy e Furnas, também já solicitaram a empresas especializadas estudos sobre viabilidade de emitirem créditos de carbono. Um dos maiores estudos em andamento é Foz do Chapecó, usina que pertence a Furnas e CPFL e tem capacidade de 850 MW.
Esse interesse recente é fruto do sucesso de algumas hidrelétricas de médio porte que obtiveram o certificado, como as três usinas do projeto Ceran, da CPFL, e uma da Votorantim. Os créditos de carbono da usina Pedra do Cavalo, da Votorantim, renderam R$ 5 milhões em receita em 2008. No início deste ano, os créditos da usina 14 de julho, no Ceran, começaram a ser vendidos e devem gerar €1 milhão em 2009. Nesta quarta (29/07), na câmara de comercialização européia a tonelada de crédito de carbono valia € 12,4, apontando uma recuperação. No auge da crise financeira mundial, os preços chegaram a € 7 e antes da crise o pico foi de € 20.
Mas são grandes as barreiras a serem transpostas pelas empresas, a começar pelo critério chamado de adicionalidade. O coordenador-geral de Mudanças Globais de Clima do Ministério da Ciência e Tecnologia, José Domingos Miguez, explica que as grandes hidrelétricas precisam provar que só estão sendo viabilizadas em função do Protocolo de Quioto, que prevê o MDL. Isso significa que não basta argumentar que hidrelétricas poluem menos que térmicas e por isso geram créditos de carbono.
As pequenas hidrelétricas ou usinas eólicas ou de bagaço de cana se enquadram melhor neste conceito porque os recursos obtidos com os créditos podem, de fato, ser um fator de decisão de investimento. Além disso, as usinas precisam provar que já estavam com projetos de MDL sendo estudados antes do início de suas obras. "No caso das usinas do Madeira, não recebemos nenhuma notificação de que isso tenha ocorrido", diz Miguez, que faz parte do órgão nacional que aprova os projetos no Brasil. Os projetos de MDL precisam ser aprovados no país de origem e só depois remetidos para análise no comitê da ONU.
Uma das alternativas é demonstrar que os projetos, financeiramente, são menos rentáveis que as termelétricas, e portanto, a venda dos créditos de carbono seria um incentivo. Na usina de Monte Claro (Ceran), entre os argumentos consta que a taxa de retorno chegaria a 13,4%, bem menor que os 18,25% da Selic na época.
O presidente da Santo Antônio Energia, Roberto Simões, diz que foi Furnas, sócia no projeto, que trouxe a ideia para a concessionária. A empresa estuda propostas de cinco consultorias que fazem análise de viabilidade da emissão desse tipo de crédito. Já a usina de Jirau, segundo a concessionária Energia Sustentável, tem estudo pronto e já busca certificadora.
Simões diz que uma das vantagens de Santo Antônio, no Madeira, é que apesar de sua potência de geração ser superior a 3 mil MW, ela tem um reservatório pequeno, reduzindo a área alagada. Esse é um dos critérios para aprovação. O vice-presidente de geração da CPFL, Miguel Abdalla Saad, explica que é preciso que a usina gere, no mínimo, 4 MW por quilômetro quadrado para ser elegível. Mesmo assim, entre 4 MW e 10 MW, o projeto sofre uma penalidade.
Bruno Maier, da Ecosecurities, lembra ainda que o Protocolo de Quioto vence em 2012. Isso significa que as hidrelétricas precisam fazer seus lobbies para que a convenção de Copenhagen, que acontecerá este ano, aceite os projetos hidrelétricos como reduzidores do efeito estufa. No ano passado, a Inglaterra foi um dos países que se declarou favorável aos créditos de carbono de grandes hidrelétricas.
(Por Josette Goulart, Valor Econômico, 30/07/2009)