“O discurso de que a energia nuclear é limpa porque não emite gases estufas é uma meia verdade e, como toda meia verdade , também é uma meia mentira”
“Diante da verdade, quem se contenta com a meia verdade, colabora com a mentira.”
(Galileu)
Existem três categorias de classificação para o lixo atômico, de acordo com a intensidade da sua atividade:
HLW – High Level Waste: formado pelo combustível irradiado dos reatores nucleares ou de resíduos líquidos do circuito primário. Este resíduo pode ou não ser resultante do processo de reprocessamento.
ILW – Intermediate Level Waste: formado pelos vasilhames que contem o urânio combustível, peças do reator e resíduos químicos.
LLW – Low Level Waste: formado pelos resíduos que não requerem blindagem durante o transporte ou manuseio.
A nossa maior preocupação está direcionada para o lixo do tipo HLW, formado pelo combustível nuclear altamente radioativo retirado do reator. Para este lixo, o mais comum é armazená-lo, temporariamente, em piscinas de resfriamento dentro da usina. Há casos em que, por excesso deste lixo nas piscinas, muitos reatores chegam a ser desligados por falta de espaço para o seu armazenamento.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) estima que a quantidade total de combustível gasto era de 125 mil toneladas em 1992, subindo para 200 mil toneladas em 2000 e chegando, em meados deste século, a 450 mil toneladas.
Embora a discussão sobre os vários métodos de destinação deste lixo venha sendo realizada há décadas, não se chegou, ainda, a uma solução. Até colocá-lo no espaço, em órbita da terra foi pensado. Que caos esta hipótese representa? O espaço, já bastante poluído (saturado) por satélites e seus fragmentos, receberia quantidades enormes de vasos, container e outros. Enterrá-lo, representa perigo pela contaminação do ar e do lençol freático
A usina nuclear Angra I, no litoral sul do Estado do Rio de Janeiro, adotou o processo da piscina para estocar as 15 toneladas de resíduo ativo do tipo HLW que repousam em tambores blindados. Pode parecer muita coisa, mas é uma insignificância perto das 20.000 toneladas produzidas pelos reatores nucleares em funcionamento nos EUA, armazenadas em tanques semelhantes.
Na França, as 58 usinas nucleares produzem 80% da energia elétrica. Este país, com toda sua especialização nuclear, não encontrou, ainda, uma solução de longo prazo para os seus dejetos nucleares. O inventário do seu lixo radioativo continua crescendo em tamanho (890.000 m3 em 2004) e complexidade. Exporta para a Rússia milhares de toneladas de lixo nuclear todos os anos e usa como defesa um decreto de “segurança nacional” para evitar o debate sobre o assunto.
Durante o G-8 de 2006, em São Petersburgo, o presidente russo Vladimir Putin, fez uma declaração sobre a participação da Rússia no Programa Internacional de Disseminação da Energia Nuclear no Planeta, com a construção do primeiro Centro Internacional de Enriquecimento de Urânio em Angark, a criação de um sistema de novos reatores e tecnologia de produção de combustível, tudo negociado com o presidente dos EUA, George W. Bush. Angark é uma cidade a 90 Km do lago Baikal, o mais profundo do mundo, com 1637 m e um dos maiores reservatório de água doce do planeta.
Alguns paises, em um passado recente, lançavam os seus resíduos no mar e em minas de sal abandonadas. Entretanto, hoje, devido à consciência ecológica, estas opções foram desprezadas. Assim mesmo, tivemos, recentemente, notícia de que a França está despejando o seu lixo em fossas abissais no Pacífico Sul.
Por mais que se garanta, é impossível ter-se 100% de segurança para estes materiais lançados no mar, isto é, que no futuro distante não venham a vazar.
Outro ponto que não pode ser deixado de lado, pela grande quantidade de lixo atômico produzida, é quando um reator é desativado. Muitas peças que o compõem, por tornarem-se radioativas, não podem, simplesmente, ser jogadas fora. Este processo, é chamado de “descomissionamento”. Além da remoção do combustível usado, não há consenso sobre o que deve acontecer a seguir. Até hoje, não se tem notícia de que em algum lugar no mundo tenha sido desmontado um reator.
É bom lembrar que os reatores ora em funcionamento estão envelhecendo e, em breve, deverão ser “descomissionados”. Cabe a pergunta: como fazê-lo? Há quem diga, simplesmente desligar e retirar toda a estrutura, até mesmo as partes radioativas, deixando um espaço desocupado. E as partes radioativas, onde colocá-las?
Outros falam em deixar a edificação onde está, cobrindo-a com concreto, mais claramente, enterrando-a. O custo de descomissionamento tem sido objeto de especulação. As estimativas têm origem em estudos genéricos por extrapolação de custo de desativação de pequenas instalações de pesquisa.
Há muita variação no detalhamento e na sofisticação destas estimativas, que, juntas com a falta de padronização, torna difícil uma comparação. Por fim, a falta de experiência no descomissionamento, já que não temos notícias deste processo em reatores de grande porte no mundo, torna impossível saber se as estimativas estão dentro de padrões razoáveis. Já existem estimativas de que os custos deste processo podem ser de até 100% do custo de construção da usina.
O discurso de que a energia nuclear é limpa porque não emite gases estufas é uma meia verdade e, como toda meia verdade , também é uma meia mentira. Concluindo, a melhor solução para o futuro é que não seja mais produzido o lixo atômico em qualquer lugar do mundo.
Não podemos ser egoístas a ponto de pensar que não estaremos ameaçando as sociedades futuras: dos nossos filhos, dos nossos netos, dos nossos bisnetos e por aí em diante. Vamos procurar as energias limpas, aquelas que não geram gases estufas e nem lixo atômico.
(Por Gilberto Alves da Silva*, Jornal da Ciência, 29/07/2009)
*Gilberto Alves da Silva é professor aposentado da Coppe/UFRJ, analista da Finep e ex-Subsecretário de C&T do Rio de Janeiro.