As alianças entre os povos indígenas da América Latina prometem a formação de “uma grande aliança ameríndia baseada numa consciência ameríndia continental”, acredita o antropólogo e liderança indígena Gersem Baniwa. Para ele, esta é uma “aliança pan-étnica estratégica” com capacidade de “potencializar experiências nacionais, ou mesmo locais, para a consolidação e garantia dos direitos e da cidadania indígena nos marcos dos estados nacionais, frente aos grandes interesses políticos e econômicos hegemônicos”.
Em seu ponto de vista, o que os povos indígenas querem é respeito aos seus direitos, “principalmente o direito de viver conforme suas tradições e culturas e o direito de acesso a serviços públicos, como qualquer cidadão pleno”. Nenhum povo indígena quer apropriar-se da “tal soberania nacional”, alfineta Gersem. Ele analisa, também, que a novidade do movimento indígena na América Latina, é que os indígenas não aceitam nem toleram mais ser tratados como atores coadjuvantes nos estados nacionais.
“Já se foi o tempo em que os estados nacionais podiam ignorar e negar os povos indígenas, que avançaram em seus direitos e cidadania, e que possuem uma nova consciência política da qual não estão dispostos a abrir mão”. A missão das lideranças indígenas, a situação desses povos no Peru e as particularidades do caso brasileiro são outros temas em debate na entrevista exclusiva, concedida por Gersem via e-mail para a IHU On-Line.
Gersem é o primeiro índio com mestrado em Antropologia no país, obtido na Universidade de Brasília (UnB). Formado em colégios salesianos e graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi secretário municipal de Educação e Meio Ambiente de São Gabriel da Cachoeira (AM). Atualmente, é conselheiro do Conselho Nacional de Educação (CNE), diretor-presidente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (CINEP) e doutorando em Antropologia Social na UnB. É também autor do primeiro livro da série Via dos Saberes, intitulado O índio brasileiro - O que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje (Brasília: Edições MEC/UNESCO, 2006).
Confira a entrevista.
IHUnisinos - O que significa a emergência do movimento indígena na América Latina? De onde vem a força que motiva os índios em sua luta?
Gersem Baniwa - A atual emergência do movimento indígena na América Latina faz parte do processo histórico vivido pela região geopolítica e particularmente pelos seus povos originários. Essa emergência está diretamente relacionada com os avanços de direitos e de cidadania conquistada por esses povos depois de longo período de colonização, que significou para eles um período de exclusão de todo processo político do continente. Quatro grandes forças motivam esses povos na luta.
A primeira grande força de luta vem da forte relação que os povos indígenas têm com a natureza ou seus territórios. Por isso, quando percebem que seus territórios são ameaçados, ou estão sendo destruídos, reagem com toda energia de seus antepassados e de suas mitologias em defesa de seus territórios, pois entendem que suas vidas, como pessoas e como povos, estão sob risco eminente.
A segunda força diz respeito à histórica e permanente resistência etnopolítica dos povos indígenas a toda e qualquer forma de colonialismo e dominação. Os povos ameríndios nunca se acomodaram e se conformaram com as políticas e práticas coloniais dominadoras, escravistas e usurpadoras.
A terceira força vem da conquista de direitos e de cidadania por parte desses povos. Essas conquistas abriram possibilidades reais para superação da história de “sufocamento” societário a que foram confinados durante os séculos de dominação colonial, prometendo novos horizontes e projetos de futuro na perspectiva de autonomia e autodeterminação interna, como preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que, uma vez ratificada em 2003, tem força de lei no Brasil.
O avanço nos processos democráticos, seguido de avanços no reconhecimento dos direitos humanos e étnicos específicos verificados em todo continente, contribuíram substantivamente para a criação de espaços institucionais nacionais e internacionais que possibilitem maior visibilidade, protagonismo e autonomia de pensamento e ação dos povos indígenas nos marcos dos Estados Nacionais latino-americanos. É natural que povos submetidos a todo tipo de repressão colonial durante séculos, uma vez libertos dessa prisão, mesmo que parcialmente ou teoricamente falando, iniciem uma nova forma de relação com os Estados Nacionais.
A quarta força que motiva a luta dos povos indígenas na América Latina refere-se às suas próprias possibilidades, capacidades e potencialidades para tirar lições da longa história de dominação colonial para então estabelecer estratégias presentes e futuras, tanto para evitar a repetição das vergonhosas tragédias do passado colonial, quanto para projetar e construir o futuro desejável. Tais estratégias são muito diversas e dinâmicas, desde apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos do mundo moderno ocidental por meio da escola e da academia, até a ocupação e a apropriação de espaços de poder político e econômico no âmbito das estruturas de poder dos estados nacionais.
Aliança ameríndia continental
Baniwa - Tudo isso diz respeito à busca de um espaço no mundo de hoje. Mas, talvez, a principal estratégia que está sendo adotada ou pelo menos construída como resultado da principal lição aprendida do passado, esteja na construção das alianças internas entre povos indígenas em cada estado nacional. Essas alianças prometem, em breve, a conformação de uma grande aliança ameríndia baseada numa consciência ameríndia continental. Existe um consenso entre os povos indígenas de que a principal razão da dominação colonial européia durante tanto tempo teve origem e causa nas disputas e nas guerras intra-étnicas, uma vez que no início os invasores europeus representavam uma pequeníssima minoria entre os números povos indígenas do continente.
Quando falo de uma aliança e de consciência ameríndia continental não estou falando de uma luta política que ameace ou questione os estados nacionais. Estou falando de uma aliança pan-étnica estratégica, capaz de potencializar experiências nacionais, ou mesmo locais, para a consolidação e garantia dos direitos e da cidadania indígena nos marcos dos estados nacionais, frente aos grandes interesses políticos e econômicos hegemônicos. Devo destacar isso para deixar bem claro qual é o horizonte que está sendo pensado e planejado pelos povos indígenas, contra a má-fé das elites políticas e dirigentes militares conservadores que vêem em tudo o que os povos indígenas reivindicam e planejam como ameaça à soberania nacional dos países.
Devo destacar que nenhum povo indígena, até hoje, mostrou algum interesse de apropriar-se da invenção mais utópica que é a tal soberania nacional. O que os povos indígenas querem e reivindicam é respeito aos seus direitos, principalmente o direito de viver conforme suas tradições e culturas e o direito de acesso a serviços públicos, como qualquer cidadão pleno. O desrespeito e o não atendimento a esses direitos e interesses coletivos legítimos é que pode provocar pressão ou até hostilidades aos governos, mas não tem nada a ver com lutas separatistas.
Qual é a análise que você faz da atual situação do Peru, considerando o massacre aos índios e a questão da demarcação de terras?
Baniwa - Referia-me há pouco sobre a forte e inseparável relação entre os povos indígenas e seus territórios, no seu sentido amplo. Quando o Estado peruano de forma autoritária, arbitrária e de má-fé tomou a decisão de pôr em risco a integridade dos territórios dos povos indígenas da Amazônia, estes reagiram como qualquer povo indígena reagiria. É uma luta da natureza contra a ganância capitalista das elites econômicas. É uma luta que o mundo moderno atual precisa urgentemente equacionar, antes que seja tarde demais. No plano mais político a situação enfrentada pelos povos indígenas do Peru é uma demonstração de como as elites políticas e econômicas hegemônicas estão preocupadas com o avanço dos direitos indígenas no país e no continente e o quanto são inconsequentes em seus atos, e capazes de atitudes absolutamente extremas para defender seus interesses econômicos, utilizando-se das forças do Estado.
É ainda o resquício da era colonial, em que as leis, os direitos e a democracia pertencem a valores secundários, pois os direitos das elites autoritárias e preconceituosas estão acima de tudo. Por outro lado, podemos ver a força e a união dos povos indígenas no país e no continente, capazes de estremecer as bases da nação peruana. Ou seja, se por um lado observamos uma elite política e econômica neocolonial sanguinária, capaz de passar por cima de suas próprias leis e de seu próprio povo em nome de interesse econômicos estrangeiros, por outro lado, vemos uma população indígena ciente e consciente de seus direitos e de sua cidadania, disposta e determinada a lutar até o fim pelos seus direitos e por um estado peruano solidário e plurinacional.
De tudo isso, fica uma lição que a Bolívia já havia dado ao continente: não é possível mais considerar e tratar de questões nacionais sem considerar e tratar dos direitos e de interesses internos dos indígenas. Isso deve valer para todos os países latino-americanos. Já se foi o tempo em que os estados nacionais podiam ignorar e negar os povos indígenas, que avançaram em seus direitos e cidadania, e que possuem uma nova consciência política da qual não estão dispostos a abrir mão.
Qual é a principal novidade que o movimento indígena traz para a América Latina?
Baniwa - A principal novidade que o movimento indígena traz para a América Latina é e de que os povos indígenas não aceitam e nem toleram mais que sejam tratados no seio dos estados nacionais como atores coadjuvantes. Querem ser tratados como sujeitos protagonistas e autônomos de seus processos etnopolíticos e etnodesenvolvimentos. Querem administrar seus etnoterritórios com autonomia, segundo seus projetos históricos e societários. Isso significa dizer que não aceitam mais um estado tutor, autoritário e arrogante. Querem participar da vida nacional e das decisões sobre a vida nacional.
Com relação a segmentos sociais historicamente empobrecidos e excluídos, os povos indígenas estão dando a lição clara de que não se pode e não se deve aceitar toda e qualquer forma de política excludente, injusta e autoritária. Neste sentido, a sociedade latinoamericana conta com o apoio e a aliança dos povos indígenas na luta contra esses crimes históricos e a favor de uma nova sociedade de povos, culturas, nações, países e estados prósperos, solidários e justos.
Qual é a principal missão de um líder indígena latino-americano hoje? Que semente ele deve plantar para seu povo?
Baniwa - Para mim, existem dois tipos de liderança indígena fora do ambiente de aldeia: o que ocupa espaço de liderança e se projeta como tal, marcando posição em base a um olhar no passado e atitude pessimista em relação ao presente e futuro; e o que lidera seu povo ou conjunto de povos tirando lições reflexivas e críticas do passado e semeando atitudes pró-ativas, otimistas e esperançosas no presente e no futuro. Penso que o segundo tipo de liderança é o de que os povos indígenas latinoamericanos de hoje precisam e desejam. A principal missão de um líder indígena hoje não é agitar o seu povo, mas instrumentalizá-lo politicamente na luta por seus direitos. É ser menos que um mediador de negociações, e mais promotor de diálogos, de alianças e de práticas políticas democráticas.
Enfim, o líder indígena latinoamericano de hoje, que tem a missão de contribuir para a consolidação e garantia dos direitos indígenas e dos setores sociais excluídos, deve semear no seu povo a consciência plena de seus direitos e a sabedoria para definir suas estratégias presentes e futuras com vistas ao projeto societário de futuro. Isso implica dizer que se deve evitar o líder arrogante, individualista e egoísta, pois o que está em jogo não é a vida do líder, mas a vida de uma coletividade e de um povo. Isso não é fácil, porque os líderes indígenas também sofrem muita pressão por partes das elites dominantes para cooptarem sua consciência e sua função.
Em que sentido a relação dos povos indígenas com a terra e com a natureza pode ser um exemplo da força e da garra de suas lutas?
Baniwa - A relação dos povos indígenas com o território e com a natureza é umas das mais fortes, bonitas e vitais, mas não a única que dá força, energia, sentido e vida à luta incansável e incondicional dos povos indígenas. Pena que o mundo branco, e principalmente seus dirigentes e elites, não entendem isso. O mundo moderno poderia aprender tanto com essa forma de vida dos povos indígenas... Seria tão salutar ao futuro da nossa humanidade e do nosso planeta! Mas a relação com o território e a natureza é apenas uma de muitas formas de vida própria dos povos indígenas. É dessa relação que nasce e se perpetua a relação forte entre as pessoas e grupos sociais indígenas, na medida em que tudo faz parte do mesmo corpo orgânico, interdependente e sistêmico, que é a natureza.
Do ponto de vista histórico e antropológico, quais os principais passos traçados pelos povos indígenas latino-americanos no passado e hoje? Quais as principais diferenças?
Baniwa - O período trágico de massacres e genocídios da era colonial conduziu os povos indígenas à primeira metade do século XX como o pior momento de sua história colonial, quando passaram a acreditar na previsão ou plano dos estados nacionais de que até a virada daquele século não haveria mais povos indígenas na maioria dos países do continente, inclusive no Brasil. Este período foi tão triste e pessimista no Brasil que levou os povos indígenas a se refugiar na única esperança que à época lhes foi oferecida pelo Estado: a instituição da tutela.
Se à época serviu como esperança, até hoje se tornou tão perversa, que continua dificultando ou impedindo avanços mais substantivos na recuperação da auto-estima, da autonomia de pensamento e de ação, na medida em que impôs perversas relações de dependência, de paternalismo e de clientelismo. Diante disso, os povos indígenas estabeleceram algumas estratégias progressivas para garantir a sua continuidade e autonomia histórica consolidando seus espaços sociais, políticos e econômicos no âmbito dos estados nacionais.
O primeiro passo é o da resistência quanto a toda e qualquer forma de dominação, exclusão, injustiça ou políticas e ações que não reconheçam ou respeitam os direitos humanos dos povos indígenas e dos setores sociais desfavorecidos. O segundo passo é avançar na ocupação de espaços políticos estratégicos nos governos nacionais, para dar visibilidade continental e mundial às realidades e causas indígenas latinoamericanas e melhorar as correlações de forças internas e externas.
O terceiro passo é a articulação, fortalecimento e consolidação de uma grande aliança pan-étnica ameríndia continental, que começa com as articulações e alianças nacionais e regionais em base a agendas e interesses comuns. O quarto passo será trabalhar pela autonomia e autogoverno dos povos indígenas em seus territórios. Ou seja, que os povos indígenas possam administrar autonomamente as políticas e ações dentro dos seus territórios, como apoio e governança do poder público nacional. Ou ainda, que os povos indígenas decidam como querem organizar suas vidas e como querem viver dentro dos seus territórios, para o qual, muitas leis nacionais, a exemplo do Brasil, já permitem.
As principais diferenças intrínsecas ao processo dizem respeito ao tempo, ritmo e grau em que esses passos devem ocorrer em cada estado nacional, em função dos próprios processos históricos, correlações de forças políticas, econômicas e demográficas e das situações e contextos particulares em desenvolvimento. Por exemplo, países com uma tradição democrática maior e investimento em processos educacionais mais antigos e robustos tendem a ter processos de autonomia dos povos indígenas mais rápidos e sólidos.
Quais são os rumos que identifica para o futuro dos povos indígenas na América Latina e como imagina que está caminhando a relação com os demais extratos da sociedade latino-americana?
Baniwa - Em primeiro lugar, percebo que a cada dia que passa os povos indígenas latinoamericanos estão superando o passado trágico do período colonial e começam a construir estratégias claras para garantir o futuro desejável. Mas o desafio é qual seria esse futuro desejável, ideal ou possível? Um futuro mais espelhado ou referenciado no passado e na tradição? Ou mais espelhado ou referenciado no futuro da vida moderna? Para mim, é mais provável que o futuro possível seja mesmo aquele que associa, articula e interage a forte relação com o passado e a tradição como a relação com o território e a natureza com a apropriação dos benefícios do mundo moderno tecnológico. Ou seja, que os povos indígenas dominem e apropriem-se de tudo o que é bom e útil do mundo moderno para melhorar suas condições de vida em seus territórios do jeito que quiserem, ou seja, de forma autônoma.
Com relação aos demais extratos da sociedade latinoamericana, em primeiro lugar, os povos indígenas cada vez mais serão referências, ou mesmo exemplos, de como enfrentar as tentativas de globalização negativa que oprime, exclui e maginaliza povos e setores sociais. Quando no Brasil, vejo na atualidade, povos quilombolas seguindo os exemplos das lutas dos povos indígenas para garantir seus direitos territoriais e de cidadania, é a prova disso. Isso porque a tendência das sociedades urbanas fragmentadas e fragilizadas por ausência de referências identitárias, leva-as ao aprofundamento do comodismo, do individualismo e da apatia política.
E se há um segmento capaz de motivar, com exemplo de vida e de luta, de que a vida numa sociedade globalizada é resultado de correlações de forças e de lutas por interesses de grupos e segmentos, esse segmento são os povos indígenas. Aqui vejo uma grande possibilidade e oportunidade para ampliar a grande aliança continental dos diversos extratos sociais latinoamericanos indígenas e não-indígenas em favor de construção de uma sociedade continental desejável: social e economicamente sustentável, solidária, justa, democrática e humana.
Qual é a especificidade dos povos indígenas brasileiros em relação aos demais países da América Latina? Como é a realidade deles aqui no Brasil, principalmente em relação ao governo e à sociedade?
Baniwa - O Brasil é um país bem particular no que diz respeito aos povos indígenas. Em primeiro lugar, o fato de ter sido colonizado por Portugal, faz do Brasil um “mundo à parte”. Isso resultou em uma importante desvantagem aos povos indígenas do país. A principal desvantagem diz respeito ao acesso muito tardio ao processo de escolarização, que se iniciou praticamente neste milênio, no âmbito do ensino superior, o que já havia acontecido ainda no início da segunda metade do século passado aos povos indígenas nos paises de colonização espanhola. Assim, enquanto em países vizinhos os povos indígenas já possuem membros profissionais em todos os setores e poderes da sociedade nacional, como juízes, ministros, deputados, senadores, reitores, professores, especialistas e pesquisadores universitários, no Brasil ainda estamos lutando para ter os primeiros professores indígenas para dar aula paras as séries iniciais do Ensino Fundamental nas aldeias.
A outra grande diferença dos povos indígenas do Brasil em relação aos outros povos indígenas dos países latinoamericanos é seu tamanho populacional. Enquanto que em outros países a população indígena representa mais de 5% da população nacional, chegando a ser majoritária em alguns países, no Brasil, a população indígena representa 0,4% da população nacional. Isso faz toda diferença na correlação de forças na luta pelos direitos e interesses dos povos indígenas.
Vantagens
Baniwa - Mas a situação histórica dos povos indígenas não traz apenas desvantagens. Tem também vantagens. O Brasil, por exemplo, possui instrumentos jurídicos mais avançados para a defesa dos direitos indígenas, com relação ao território, à saúde, à educação e serviços sociais e públicos em geral. Para muitos povos indígenas de países vizinhos, por exemplo, as conquistas territoriais dos povos indígenas no Brasil são impensáveis e chegam a caracterizar de privilégios. É claro, a situação ainda está muito longe do desejável, mas, em muitos aspectos, melhor do que em muitos países latinoamericanos.
De tudo isso resulta que os povos indígenas no Brasil, além de mobilização, pressão e denúncias contra o governo, precisam abrir cada vez mais canais de diálogos e de negociações para garantir os direitos conquistados e para tentar ampliar novos direitos. Com relação à sociedade nacional, ocorre processo semelhante, ou seja, há necessidade de sensibilização, de convencimento e de simpatia, o que exige muito esforço, paciência e qualidade das lideranças indígenas. Pode-se dizer que, em função dessa realidade de forte dependência de forças externas, o movimento indígena de luta de vanguarda acaba ficando bastante refém de forças aliadas, como Igreja, ONGs, partidos políticos e organizações de classes. Geralmente são estes que influenciam ou determinam a pauta e agenda prioritária do movimento indígena e as estratégias para implementação dessa agenda, dificultando a criação e consolidação de um movimento indígena nacional articulado e verdadeiramente autônomo e autêntico.
Tudo isso mostra a particularidade da realidade dos povos indígenas no Brasil, aonde não contam com nenhuma força política própria nos poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e o segredo de conquistas de direitos depende fundamentalmente da capacidade de estabelecer parcerias e alianças e construir instrumentos e espaços de diálogos e de negociações que resultem na garantia legal e prática de seus direitos. Em outros países de densidade demográfica indígena maior, é possível contar também com a força política nos poderes constituídos por meio dos processos eleitorais para eleger seus representantes que vão construir políticas e ações em defesa de seus direitos.
(IHUnisinos / Fórum Carajás, 27/07/2009)