Mais do que questões ambientais, uma queda-de-braço entre governo e setor privado pode se tornar o principal empecilho para que a usina de Belo Monte, no Pará — o maior empreendimento elétrico em cronograma hoje no país, equivalente a quase quatro usinas de Jirau — saia do papel. Enquanto o Ministério de Minas e Energia estima que o custo da obra gira em torno de R$ 16 bilhões, os empresários asseguram que o empreendimento vale, no mínimo, R$ 30 bilhões. Publicamente, o valor de investimentos para concluir a obra ainda é de R$ 7 bilhões, de acordo com os balanços quadrimestrais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Esta discrepância foi demonstrada em reunião, nesta terça (28/07), entre o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e representantes das associações brasileiras das indústrias de Base (Abdib), de Máquinas (Abimaq) e Eletroeletrônica (Abinee). Os empresários foram convocados pelo ministro para a apresentação do projeto, com novo cálculo.
Projeção do governo “chocou” empresários
É a segunda grande obra de infraestrutura a ter mudança de preço recentemente. Na semana retrasada, o trem-bala que ligará o Rio a São Paulo e Campinas, orçado inicialmente em US$ 11 bilhões, teve o preço recalculado para US$ 17 bilhões.
Não houve consenso nos debates de Belo Monte, ontem, apesar do empenho do ministro em argumentar que a obra é fundamental para o governo Lula. Segundo um dos presentes, o novo valor da usina “chocou” os empresários. Depois de ouvir a proposta de Lobão, a indústria aguarda agora o envio dos detalhes técnicos para entender a razão que levou à redução radical dos custos que ela estimou.
— Os números não estão batendo — disse um participante do encontro.
— O ministro ficou fazendo jogo de cena e jogando o preço para baixo, como se estivéssemos ganhando rios de dinheiro.
Os empresários alertaram que a discrepância de preços torna mais difícil a elaboração de uma equação financeira, para que finalmente a data da licitação de Belo Monte seja marcada. Outra preocupação relativa ao baixo valor do empreendimento é que o fabricante, para reduzir custos, acaba importando equipamentos de outros países, com destaque para a China, o que pode significar um golpe para a indústria nacional.
— A falta de uma equação financeira é o grande obstáculo para que se determine quando a obra vai acontecer. Esta foi a pior reunião sobre o tema da qual participei — disse um empresário.
Segundo um analista do setor elétrico com passagem pelo governo, a discrepância de valores revela um problema grave para a concepção da obra. Para ele, não haveria sentido econômico em projeções tão antagônicas para um mesmo empreendimento. O risco é a obra não atrair investidores:
— Me parece que o governo está querendo jogar a obra para um preço bem baixo, apostando em queda de preços na comercialização da energia no mercado livre. Mas esse mercado oscila muito e a conta pode não fechar — afirmou.
Ao ser concluída, adeverá ser a terceira maior hidrelétrica do mundo, com capacidade de geração de 11,1 mil megawatts. Nas últimas semanas, o processo de licenciamento ambiental foi interrompido por uma liminar da Justiça Federal, no Pará. Depois, o Ibama ainda terá de conceder a licença ambiental. Alegando problemas ambientais, o governo já sinalizou duas vezes a data de licitação da usina. A primeira previsão era ocorrer em setembro deste ano, mas acabou sendo postergada para outubro.
(Por Eliane Oliveira e Gustavo Paul, O Globo / IHUnisinos, 29/07/2009)